O que para Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, é “assustador”, é para Francisco Assis, o regressado deputado socialista que presidia ao Conselho Económico e Social, uma “hipervalorização” do que “manifestamente não é” como dizem..O secretário-geral diz que Passos Coelho alinhou num “discurso que é um discurso da extrema-direita”. O deputado contraria a tese, recorrendo ao que conhece e sabe do antigo primeiro-ministro social-democrata, para garantir que: “Conheço o doutor Passos Coelho e não o considero uma pessoa de extrema-direita, que manifestamente não é.”.Pedro Nuno Santos falou num agitar de “bandeiras que são da extrema-direita” que “atentam contra a forma de viver dos portugueses (…), um regresso a um passado em que ninguém quer voltar” - a alusão aos tempos da ditadura e a Salazar. Francisco Assis deixou um conselho: “Tenhamos um pouco de serenidade e percebamos quem são os nossos verdadeiros inimigos.” E elucidou: a “séria ameaça à democracia portuguesa” é “o Chega”..Este diferente posicionamento não é exclusivo de Assis e Pedro Nuno Santos - é mais abrangente no PS. E a explicação reside, diz fonte do PS ao DN, no facto de o “pedronunismo” não ser no partido uma “corrente transversal”..“É precisa sensatez e perceber que se a corda parte, podemos ser castigados nas eleições”, justifica fonte socialista..As dúvidas e as explicações.Passos Coelho questionado e criticado por se ter associado [na apresentação do livro] à visão de família de alguns dos autores de Identidade e Família - Entre a Consciência da Tradição e As Exigências da Modernidade lamentou os “rótulos e caricaturas que somente têm uma intenção: agredir e desqualificar (…). Eu fui chamado de fascista imensas vezes”..“O vício que diminui o espaço público e procura reconduzir certas discussões que interessam a toda a sociedade a uma espécie de gente ultramontana, ultraconservadora e outras coisas [as agressões verbais de que falou] que normalmente se seguem”, explicou..Porém, as referências que fez à família (“o primeiro espaço de socialização” e de “transmissão de valores”), a oposição à eutanásia (“por que razão as políticas públicas pretendem ajudar as pessoas a morrer em vez de lhes dar condições para viver?”) e a elaboração de que “quando há identidades firmadas” não há que ter medo de os espaços políticos “se diluírem ou confundirem entre si” [o que foi entendido à esquerda como uma aliança entre PSD e Chega], abriu uma acesa discussão pública. André Ventura viu, nas palavras de Passos , “um caminho de convergência” e “bandeiras do Chega, como a ideologia de género, a família ou a imigração”..A “coerência” que manteve “até 2011”, um homem de centro-esquerda - o PSD traçado por Sá Carneiro - liberal nos costumes e na economia [que no início não era tanto], perdeu-se para “algo muito estranho”, como diz Inês Amaral, investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, ou é mesmo, como frisa Pedro Nuno Santos, “um discurso da extrema-direita”, ou não passa, como diz Francisco Assis, de uma “hipervalorização” do que “manifestamente não é”?.Ou, questionando de outra forma: pode alguém “progressista”, que enfrentou Cavaco [pelo fim da PGA], que em 2007 votou a favor no referendo pela despenalização do aborto [que a JSD já em 1984 defendia], que em 2008 defendia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que em 2010 dizia que “a homossexualidade ou a heterossexualidade não tem de ser o critério para a adoção?”, e que até, em 1990, “queria a figura do Provedor de Justiça Militar por considerar que havia abusos”, ter assumido “uma figura que no seu passado seria o seu pior pesadelo?”..Incómodos e silêncios.O silêncio - o “não comento” - ou o “não concordo, mas é a liberdade de expressão”, são expressões que resumem a postura geral entre os sociais-democratas, até mesmo nos da linha de Rui Rio. Ninguém, nem mesmo - e são muitos - os que discordam do “incómodo que ele [Passos] cria” o aceitam fazer publicamente..“Num Governo anti-Chega, basta ver quem são os ministros, o melhor mesmo é ignorar”, refere fonte social-democrata..Nem mesmo sobre a questão da extrema-direita, Pedro Nuno Santos cola Passos Coelho a essa ideologia? “Só um líder do PS desesperado é que pode lançar atoardas dessas sem sentir vergonha do que diz. Não vale tudo em política”, sublinha, ao DN, fonte social-democrata..A explicação para a reserva pública é igual: “É ignorar.” E ponto final..As contradições.“Tudo o que um dia defendeu, é hoje o seu contrário. Não espantará, assim, se o mais acérrimo defensor do fim do Serviço Militar Obrigatório em Portugal vier gritar pelo seu regresso. Que transfiguração tão triste”, considera, por seu lado, Inês Amaral..A investigadora identifica, no percurso do antigo primeiro-ministro, o ponto de viragem [no Governo PSD/CDS] em que Pedro Passos Coelho “ficou envolto numa nuvem”..“Houve muitos momentos [a partir de 2011] em que o moderado foi Paulo Portas. [Passos Coelho] admitiu referendar a adoção por casais do mesmo sexo, chegou a ter uma proposta de regresso do SMO em cima da mesa (que deitou ao lixo, diga-se em abono da verdade), instou o partido a votar contra a coadoção por casais do mesmo sexo e no último dia de legislatura aprovou formas de restringir a IVG”, recorda..A conclusão que retira é, por isso, simples. Mais do que uma involução houve uma metamorfose no homem que liderou a JSD de 1990 a 1995, deputado entre 1991 e 1999, vice-presidente da direção de Marques Mendes entre 2005 e 2006, líder do PSD de 2010 a 2018, primeiro-ministro de 2011 a 2015 e que em 2008 [data de uma identificada pré-mudança] propôs a orientação liberal para o PSD - uma revisão programática..“Passos Coelho transformou-se. Mudar de opinião é legítimo, naturalmente. O que choca é ver uma pessoa evoluir do centro-esquerda de Sá Carneiro para algo muito estranho, que nada tem a ver com o seu percurso de décadas. Ao fim de quase três décadas na política, Pedro Passos Coelho assumiu uma figura que no seu passado seria o seu pior pesadelo. Depois desapareceu. Regressou sugerindo ideias que contradizem a sua própria vida pessoal. Que grande e triste volta”, diz constatar Inês..Carlos Coelho, eurodeputado e um dos antigos líderes da JSD, na biografia autorizada [O Homem Invulgar, de Sofia Aureliano], fala de um homem que “nunca conseguiu estar muito tempo com ninguém, talvez porque só nele encontre a verdadeira liderança”..Jorge Moreira da Silva, por exemplo, refere uma “racionalidade”, enquanto outros, dos mais próximos, assinalam a “teimosia” e nalguns casos a “obstinação”..Passos Coelho, nesse livro, traça um perfil de autorretrato: “Não sou de ficar a meditar, de ficar a ver o meu passado para ver como teria feito de outra maneira.”