"Partidos em consolidação", o que valem IL e Chega como ameaça a PS e PSD?

Fundados no espaço de dois anos, Iniciativa Liberal e Chega tentam desde 2020 afirmar-se como alternativa aos partidos de poder tradicionais. Será que o crescimento vai continuar? O DN ouviu quatro politólogos e são unânimes: estão ambos em trajetória de consolidação.
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"O sistema foi construído para que os dois grandes partidos pudessem governar sozinhos e, por isso, tem todas as condições para que partidos mais pequenos não se afirmem". A análise é de Jorge Fernandes, politólogo e investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. "Temos um país e praticamente dois sistemas eleitorais distintos: em Lisboa, Porto e outros grandes centros, os pequenos partidos conseguem ganhar votos - algo que, nos círculos mais pequenos, é praticamente impossível e que acaba por ser penalizador", acrescenta.

Olhando para a composição do Parlamento desde 1976 - o primeiro ano pós-25 de Abril em que houve eleições legislativas pela primeira vez por sufrágio universal depois da queda do Estado Novo -, a afirmação de Jorge Fernandes tem fundamento: praticamente todos os pequenos partidos que surgiram ao longo da história foram efémeros. O Partido Renovador Democrático (PRD), liderado por Hermínio Martinho, acaba por ser a exceção que confirma a regra. Fundado em 1985 num contexto social de austeridade aplicada pelo governo de Bloco Central de PS (liderado por Mário Soares) e PSD (com Mota Pinto como líder), o partido consegue eleger, nas Legislativas desse ano, 45 deputados - um número que nunca mais alcançou (nas eleições seguintes, em 1987, já com Ramalho Eanes como líder partidário, conseguiu apenas quatro lugares no hemiciclo; em 1991, desapareceu do Parlamento).

A exceção - que ainda se mantém até hoje - parece ser o Bloco de Esquerda, que desde a fundação, em 1999, nunca mais saiu do Parlamento.

Paula do Espírito Santo, politóloga e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) remete a explicação destes fenómenos para a conjuntura socioeconómica de cada eleição. "Mais do que o sistema, a explicação reside nos contextos específicos, que acabam por permitir o aparecimento de partidos que possam romper com o paradigma e com o poder instalado", explica.

Perante isto, quais as hipóteses de Iniciativa Liberal e Chega - dois dos três partidos mais recentes no Parlamento (o outro é o Livre) - se afirmarem, não desaparecendo do hemiciclo? Para António Costa Pinto, investigador no ICS, as probabilidades de sucesso são grandes. "Mais do que o sistema eleitoral, importa perceber os condicionalismos à esquerda e à direita. O PS há anos que tem partidos à sua esquerda; o PSD só agora começa a ter à direita", constata. "Olhando até para a Europa, diria que a tendência é essa: o voto mais antipartidário e antissistema, fruto também de dinâmicas eleitorais. Quem capitaliza? Os partidos mais à direita", acrescenta. Com isto, conclui, "as maiorias absolutas vão passar a ser cada vez mais difíceis".

O novo presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, no discurso eleitoral na noite de domingo, focou-se também nesta questão, anunciando que o partido vai propor uma alteração ao sistema eleitoral. A intenção é que passe a existir um círculo de compensação nacional que beneficie e valorize, sobretudo, os votos nas regiões que menos deputados elegem.

Estendendo a análise à política europeia, há exemplos recentes de partidos ditos tradicionais que praticamente desapareceram no contexto específico de cada país. O PASOK, na Grécia, é um desses casos. Até 2012, os sociais-democratas, de esquerda, dividiam as intenções de voto com o Nova Democracia, de direita. O equilíbrio foi perturbado com a entrada em cena de novas forças políticas como o Syriza, da esquerda radical.

As probabilidades de acontecer algo semelhante em Portugal são ainda pequenas, segundo Paula do Espírito Santo. Sobretudo devido a um fator: "Ambos os partidos estão em consolidação."

Na opinião de Riccardo Marchi, professor e investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, "quer a Iniciativa Liberal, quer o Chega aproveitaram uma certa crise da direita e foram buscar votos à abstenção. Mas são partidos ainda em consolidação", analisa.

Já António Costa Pinto tem outra visão, sobretudo no caso da Iniciativa Liberal. "Não querendo colocar um sentido literal na comparação, a IL acaba por ser um partido que substitui o CDS na direita, até porque têm algumas linhas em comum", considera. No entanto, Jorge Fernandes tem dúvidas na capacidade dos liberais se afirmarem como uma terceira força à direita. "A IL teve um crescimento forte, mas duvido que tenha capacidade para continuar com essa trajetória. Há sempre uma resiliência dos grandes partidos", diz.

Nas últimas legislativas, Chega e Iniciativa Liberal tiveram, juntos, 12,13% (ou 653 987) dos votos. Para os politólogos ouvidos pelo DN, isto torna claro que para governar, o PSD terá sempre de se coligar com um destes partidos (ou com ambos, eventualmente).

Desde que foram criados, a Iniciativa Liberal e o Chega têm tido posturas diferentes no que às lideranças diz respeito. Se, por um lado, André Ventura lidera o Chega desde a fundação do partido em 2019, na Iniciativa Liberal, o caso é diferente. No domingo os liberais elegeram o seu quarto líder desde 2017.

"O Chega é um partido pessoalizado, centrado à volta de Ventura", analisa António Costa Pinto. Já Riccardo Marchi - especialista nos estudos de partidos de direita mais radical - refere que, com isto, "o Chega não consegue criar correntes de oposição fortes. Qualquer movimento de oposição que surja é praticamente mitigado". Por isso, diz Paula do Espírito Santo, "é um partido à imagem do seu líder, como acontecia com o Partido Renovador Democrático, de Ramalho Eanes. Ao contrário da IL, que é um partido mais de ideias e não de rostos", algo com que Jorge Fernandes concorda: "A IL acaba por ter uma densidade política diferente que é transversal ao partido."

Lideranças: Criados com sensivelmente dois anos de diferença (IL em 2017; Chega em 2019), os dois partidos têm tido posturas diferentes naquilo que diz respeito às mudanças internas. Se, por um lado, André Ventura se mantém à frente do Chega desde a sua fundação, o caso é diferente na IL: os liberais elegeram no domingo o quarto líder (o primeiro foi Miguel Ferreira da Silva, fundador, seguindo-se depois Carlos Guimarães Pinto e João Cotrim Figueiredo, a quem sucede agora Rui Rocha).

Legislativas: Em ambos os casos, a primeira corrida eleitoral foi às eleições de 2019, em que ambos conseguiram eleger um deputado (Cotrim Figueiredo na IL e André Ventura no Chega). No espaço de dois anos, os partidos passaram a ter grupos parlamentares com 8 (no caso da IL) e 12 deputados (no caso do Chega).

Presidenciais Nas últimas eleições para a Presidência da República (em 2021), André Ventura concorreu diretamente ao cargo de Presidente, ficando em terceiro lugar (conseguindo 11,90%). Um resultado bastante diferente do candidato da IL: foi penúltimo, com 3,22% dos votos.

Militantes: Os partidos deram também um salto significativo em número de filiados: segundo os últimos dados, a Iniciativa Liberal terá cerca de 6 mil membros; o Chega, no último congresso nacional (2021), dizia ter cerca de 40 mil militantes.

Posturas: Tanto à esquerda como à direita, as diferenças no posicionamento ideológico são assinaladas. Se, por um lado, o Chega é visto como sendo mais populista, extremista e até anti-democrático; a IL acaba por ser vista como um partido democrático que defende a diminuição do impacto do Estado na vida das pessoas, por exemplo. Tanto é que o PSD não exclui uma coligação pós-eleitoral com a IL - algo que não será igual com o Chega.

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