Parlamento chumba desclassificação de documentos da Guerra Colonial
Proposta do Bloco de Esquerda teve o voto contra do PS. PSD e Chega.
O Parlamento chumbou hoje o projeto do Bloco de Esquerda que recomendava ao Governo a desclassificação de todos os documentos militares até 1975, em particular os que respeitam à Guerra Colonial. A proposta teve os votos contra do PS, PSD e Chega, a abstenção da Iniciativa Liberal e o voto a favor da bancada bloquista, do PCP, PAN e Livre.
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Pelo PS o deputado Diogo Leão sustentou que o propósito da iniciativa do BE "é excelente, mas o projeto não se conforma com a realidade". A afirmação de que grande parte do acervo documental militar se encontra classificado "não corresponde à verdade", argumentou o parlamentar socialista. "No Arquivo Histórico Militar não há um único documento anterior a 1974 que se encontre ainda classificado. No Arquivo Histórico da Força Aérea a situação é absolutamente semelhante, todos os documentos relativos à Guerra Colonial já foram desclassificados e são passíveis de consulta. Só no Arquivo Histórico de Marinha é que subsistem alguns documentos classificados, mas a Comissão de Desclassificação de Documentos da Marinha Portuguesa já levou a cabo a desclassificação da vasta maioria dos documentos deste período histórico", referiu Diogo Leão. Outra realidade, sublinhou, "são os documentos NATO anteriores a 1975", mas neste caso o "Estado português não tem, de mote próprio e de forma unilateral, capacidade jurídica ou poderes para desclassificar estes documentos".
Justificando o voto contrário que, pouco depois, ditaria o chumbo da proposta do BE, Diogo Leão sustentou que "não se desmontam mitos, como o mito imperial, à custa de criar mitos contemporâneos, como é o mito de que a vasta maioria dos documentos militares são secretos quando, de facto, são uma absoluta minoria".
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Pelo PSD Pedro Roque afirmou a "consonância" dos sociais-democratas com o "espírito" do projeto, mas alertando para o "facto de esta matéria ter um enquadramento legal" que impede, por exemplo, a divulgação de documentos que contenham dados pessoais. "Existem regras claras sobre esta matéria pelo que projeto do BE carece de verdadeira utilidade", sustentou.
Patrícia Gilvaz, da IL, também defendeu que o seu partido não tem nenhuma objeção à divulgação de documentos históricos relativos à Guerra Colonial, mas questionou a intenção dos bloquistas: "Será reconstruir a História tendo como base um princípio de transparência ou contribuir para uma visão ideológica da História, esperando com isso encontrar novas formas de atacar as forças militares e fazer ruído?".
Pelo PCP, João Dias concordou com a necessidade de desclassificação dos documentos históricos, alertando também para a falta de recursos dos arquivos para tratar esta documentação. Rui Tavares, do Livre, defendeu que "não há debate maduro que se possa fazer acerca do passado sem acesso a documentos disponibilizados aos historiadores, aos professores, à academia, aos investigadores".
Já André Ventura (Chega) classificou a proposta dos bloquistas como uma "enorme irresponsabilidade" que "põe em risco a nossa História".
Na resposta a bloquista Joana Mortágua lembrou que os dados pessoais podem ser expurgados dos documentos e sublinhou a contradição das críticas ao projeto de resolução, visado simultaneamente "pela sua inutilidade e pelos seus perigos". "Nenhum país se constrói no presente e no futuro sem olhar para trás com verdade", referiu a deputada do BE - "Queremos acesso à verdade toda, para que as gerações futuras possam ter acesso à História baseada em factos e não em mitos".
Abrir os arquivos é um "imperativo histórico"
Invocando os 50 anos do massacre de Wiriyamu, o texto que foi hoje a votos sublinha a necessidade de desclassificação dos documentos militares anteriores a 1975 para que os portugueses tenham acesso "à informação relevante da História do país". As Forças Armadas "possuem nos seus Arquivos Históricos um importante acervo documental que reflete uma parte significativa da história recente" do país, em particular os que se referem à Guerra Colonial, refere o projeto, acrescentando que a "vasta maioria deste acervo ainda se encontra classificada, impedindo o seu acesso integral ou parcial a investigadores, jornalistas, académicos, estudantes".
Para o BE é um "imperativo histórico" abrir estes documentos para consulta, rejeitando qualquer "risco ou dano" para a "preservação da segurança interna e externa, bem como outros interesses fundamentais do Estado", dado que se reportam a um período histórico e a um "contexto político diametralmente distintos do presente".
"Avançar para a desclassificação deste acervo não só permitiria perceber os factos por detrás da Guerra Colonial, mas também repor a justiça para todas e todos aqueles que fizeram parte do contingente português e que foram afetados por este evento, incluindo os 8.831 mortos, 30 mil feridos, 4.500 mutilados, 14 mil deficientes físicos, e os mais 100 mil diagnosticados com perturbação de stress pós-traumático", sustenta o texto apresentado pelos bloquistas. Que avança ainda outro argumento: "Esta iniciativa tem um propósito essencial de desmontar a história singular, a ficção contada e recontada sobre esse período da história coletiva portuguesa, a qual tende a justificar a exploração, a barbárie, a violência, a opressão e o genocídio dos povos dos países ocupados do continente africano, através de uma narrativa de autorrepresentação benevolente da experiência ultramarina portuguesa e que subalterniza, infantiliza e inferioriza as civilizações e populações de modo a legitimar aquela intervenção imperialista".
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