Oposição exige renovação total: "Não podem ser os mesmos rostos tanto tempo"

Direção do partido é acusada de "perpetuação de poder", ausência de "democracia interna", "falta de demarcação em relação ao PS" e de impedir a "diversidade dentro do BE". A solução, dizem, é a renovação dos quadros do partido e da liderança.

"O Bloco perdeu a sua matriz. Há um esvaziamento dos seus princípios. Há uma perpetuação de poder. Alguma falta democracia interna."

Quatro ideias em resumo que levam Rui Cortes, membro da Mesa Nacional, e um dos elementos da Convergência [oposição interna], a defender a "renovação global dos deputados", a "renovação dos quadros" do partido e do "secretariado que se tem perpetuado no tempo".

No "estado atual do Bloco de Esquerda", até essa que "era uma das bandeiras do Bloco, a renovação dos deputados, se perdeu". "É essencial a renovação. A profissionalização política no Bloco não é boa, não é desejável. Não podem ser os mesmos rostos tanto tempo."

E Catarina Martins? "Não é a pessoa dela que está em causa." Mas se pede a renovação do partido, uma coisa implica a outra. "(...) Acaba por ser assim", responde.

No sábado, Catarina Martins recusou falar em quaisquer cenários de afastamento, justificando que "não teria nenhum sentido que [ela] falasse de candidaturas no dia de hoje. [Terão] outras oportunidades para o fazer."

Há, para além de "outros problemas", afirma Rui Cortes, uma "falta de demarcação em relação ao PS". E dá como exemplo os casos das mais recentes Eleições Autárquicas e Legislativas: "Era ver a Catarina [Martins] numa semana a dizer uma coisa e na semana seguinte a dizer outra. Ora namoro ao PS, ora crítica ao PS. É uma total indefinição."

O também professor catedrático na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, doutorado em Ciências Florestais, acusa ainda a direção de Catarina Martins de "tentar diminuir a diversidade dentro do BE" porque "se acomodaram".

"Sentem o perigo de perder o que adquiriram. A crispação vem daí. Tentam travar a diversidade ao restringir a participação na Convenção Nacional [marcada para 27 e 28 de maio] das várias sensibilidades que existem e que são críticas do que se passa. Em vez de reflexão perpetuam-se no poder", afirma.

O exemplo para justificar este "travão", garante, é "a decisão" do secretariado de "aumentar de 20 para 200 o número mínimo de subscritores" das moções - a moção alternativa, da Convergência [oposição interna], é divulgada dia 27 de fevereiro.

A líder do Bloco de Esquerda, por seu lado, garantiu logo após a reunião da Mesa Nacional que "os processos de Convenção são muito participados, vamos ter debates vários dentro do partido para criar moções de orientação e muito em breve, esse movimento estando a avançar, cá estaremos para todas as perguntas sobre isso, para apresentar os projetos para o Bloco, para o futuro".

E é assim porque, explicou, "é assim que deve ser. Hoje eu sou coordenadora da comissão política que está em funções, com todas as suas sensibilidades, com maiorias e minorias e é isso que represento".

Logo após a perda de mais de metade dos votos [de 500 mil para 244 mil] nas Eleições Legislativas, a redução de 19 para cinco deputados [Mariana Mortágua, Pedro Filipe Soares, Catarina Martins, José Soeiro e Joana Mortágua] e a perda do lugar de terceira força política [que ficou com o Chega], a oposição interna no BE tentou antecipar a Convenção Nacional, mas foi recusado - 130 militantes queriam analisar a situação do Bloco e até admitiam eleições internas.

Na altura foi dito, pela direção, que antecipar a Convenção, em cima dos resultados eleitorais, iria prejudicar os prazos regulamentares do debate interno, que seria um grande favor ao PS, que tinha acabado de ganhar a maioria absoluta.

Agora que a data está marcada ("a meses das Regionais da Madeira e a cerca de um ano das Europeias e das Regionais nos Açores. Curioso, não é?") e até porque "o Secretariado Nacional, que dirige o partido, recusa-se, até agora, a fazer o balanço do ciclo de derrotas eleitorais e a tirar consequências políticas", outro dirigente da oposição diz ser chegado o tempo de fazer "essa reflexão".

"Temos de fazer um grande esforço para compensar o descrédito que a falta de democracia interna e um discurso político parlamentarista e sem horizonte estão a provocar. Na reunião de sábado da Mesa Nacional faltaram 40% dos membros eleitos na lista da Catarina Martins. Será sintomático?", questiona.

Antigos dirigentes, ouvidos pelo DN, admitem existir "dificuldades de enraizamento" do BE no eleitorado, um "desgaste na liderança de Catarina Martins e o "problema" de apresentar "propostas políticas que sejam lidas como uma luta que pode responder aos problemas do país", mas não defendem a saída desta direção.

"A rotação de caras não substitui projetos políticos. É verdade que está há muito tempo, é verdade que são os mesmos, mas as sondagens apontam para crescimento. E, além do mais, já em 2003 se dizia que o BE estava esgotado. É um estereótipo", afirmam.

Mariana Mortágua é deputada desde 2011; Pedro Filipe Soares e Catarina Martins estão no Parlamento desde 2009; José Soeiro é o mais antigo, é deputado desde 2005; e Joana Mortágua, a mais recente: entrou na Assembleia da República em 2015.

António Costa Pinto, politólogo e Investigador Coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, considera que o que se passou com o BE, e se está a passar, foi "a transformação num partido estruturado, menos ligado a ativismos particulares, deixou de ser um partido das causas pós-materialistas". Ou seja, explica, deixou de ser "esse partido de classe média, de descontentes com o PS, e alargou-se, foi construindo uma malha muito diferenciada. As causas foram, ao longo do tempo, sendo integradas, aprovadas" no Parlamento.

Essencialmente, defende o investigador, o Bloco de Esquerda "ficou mais moderado, foi-se consolidando como partido político e, como partido político, sabe que há limites, digamos assim, na sociedade portuguesa em aceitar algumas dinâmicas de um ativismo mais radical".

E, depois, há "uma menor ligação aos movimentos sociais". Prova disso, constata, é "a tentativa de Catarina Martins, e de outros do BE, em integrar qualquer manifestação. O caso dos professores, o sindicato S.T.O.P., por exemplo. Eles tentam automaticamente enquadrar politicamente essa dinâmica de movimentos sociais. E isso significa, repito, uma menor ligação aos movimentos sociais".

A "consolidação" do Bloco de Esquerda enquanto partido revela-se no "facto de não escapar a algumas tendências de consolidação dos partidos políticos [nomeadamente a normalização] independentemente da sua natureza".

Passou a ser um partido sem causas? Sofia Lopes, dos jovens do BE, diz não concordar com "essa definição" de um partido de causas, porque "é redutora do trabalho do Bloco". Como o define, então? "Um partido socialista. que se bate por causas feministas, por causas LGBT, eco-socialismo... É um partido de causas, mas mais do que isso."

Sofia Lopes justifica a queda eleitoral do BE com a "retórica de estabilidade do PS que conseguiu caricaturar o que é o Bloco e também o PCP. Esse discurso da estabilidade é assustador, mete um pouco de medo. Mas tenho agora, mais do que nunca, a certeza de que a nossa decisão de votar contra o Orçamento [em 2021, quando o chumbo provocou a queda do governo] estava correta".

Pedro Filipe Soares, em entrevista ao DN [outubro de 2022], dizia não ter "ideia de que a liderança de Catarina Martins tenha sido parte do nosso problema eleitoral (...). É uma grande mais-valia para o partido externamente. Internamente, teve e tem capacidade de diálogo que acho que a valoriza".

Nessa entrevista, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, comparou a longevidade da liderança de Costa para justificar que a questão do "desgaste" não se colocava. "Sinto na Catarina a mesma força de quando a conheci, ainda nem ela sonhava ser coordenadora do Bloco. Sinto a mesma força nas suas convicções e a mesma capacidade de criar noutros essas dinâmicas. António Costa está à frente do PS desde antes de 2014 e creio que ninguém tem colocado a questão nesses termos sobre António Costa", afirmou.

artur.cassiano@dn.pt

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