O que os novos deputados querem mudar no país

Patrícia Gilvaz, Nathalie Oliveira, Sónia Ramos, Rui Tavares e Rita Matias. Cinco estreantes, cinco partidos, duas gerações na Assembleia da República que querem mudar leis, conceitos, populismos e abrir o país a novas realidades.
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Nathalie ou Natália? "Na certidão de nascimento francesa" é Nathalie, no cartão de cidadão português é Natália. "Mas não sou Natália para ninguém", desabafa a deputada do PS eleita pelo círculo da Europa. "O que aconteceu é que até 1983 todas as crianças, filhas de pais portugueses, que nasceram no estrangeiro, como eu em França, quando iam fazer o registo no consulado não podiam ter o nome do país de acolhimento, o que estava na certidão de nascimento. Tinha que ser tudo traduzido para português".

"Ainda pedi, aqui aos serviços, se podia aparecer Nathalie Oliveira, mas disseram que não, que não podia ser. Tenho que resolver isso na conservatória. Sabia que há milhares e milhares de portugueses de segunda geração com este problema? Pessoas a quem traduziram o nome? Esta é uma das coisas que gostava de ver resolvida, que a lei fosse alterada e que os trâmites para ficar com o nome de nascimento fossem gratuitos porque são muito caros. E isso não faz sentido", explica a estreante deputada de 44 anos.

Nathalie, que na ficha do Parlamento ainda continuará Natália, tem outro objetivo: mudar a lei eleitoral, "uniformizar as modalidades de voto, harmonizar o voto. E tinha de ser tudo: presencial, por correspondência e voto eletrónico". A deputada socialista confia na "vontade política" que diz existir "para mudar esta lei".

Um exemplo do anacronismo? Um português recenseado em Braga pode votar antecipadamente no consulado de Paris, o contrário já não é possível.

"Acredito que Portugal está em situação de ser vanguardista e de não ter medo de progredir rapidamente nesta matéria", afirma.

Outra das preocupações é conseguir estreitar as relações "entre quem está fora e quem está cá", porque "Portugal não nos conhece. Sinto que o país não está preocupado com quem vive fora, sente-se esse afastamento".

"Filha do salto", como gosta de dizer, quer, "além da representação democrática, garantir os direitos da segunda e terceira geração" de emigrantes. E isso é, numa palavra, afirma a deputada, garantir o "futuro".

O que mudou na vida de Patrícia Gilvaz, 24 anos, eleita deputada, pela primeira vez, pela Iniciativa Liberal? "Vir do Porto para Lisboa, sair de casa dos meus pais e toda aquela rotina diária de estar sozinha e ter de fazer tudo por mim".

A nova rotina é "casa-gabinete e gabinete-casa, mas aqui todos os dias são diferentes, o que, para mim, é ótimo porque não gosto de coisas monótonas".

A nova deputada admite que, por causa da idade, "pode haver esse olhar de uma certa descredibilização", mas que "com as várias intervenções que vou fazendo, com os temas que vou trazendo" gradualmente e de forma natural, "vou ocupando o meu espaço".

"Acabarão por se habituar. Sou uma pessoa diferente daquelas a que estavam habituados. Senti isso mais no início", revela.

"E sinceramente", assume, "estou cá com uma missão muito específica, que é a de trazer os problemas dos jovens para o Parlamento e é nisso que estou concentrada".

Ser jovem "dá-nos oportunidade de utilizar o conhecimento que temos dos desafios que nos são colocados todos os dias para trazermos uma visão diferente. Embora os deputados mais velhos possam compreender, não o sentem na pele e, por isso, é importante que haja representação jovem", explica.

Na agenda da deputada e advogada há três temas que considera essenciais: desemprego jovem, saúde mental e habitação.

"Os jovens não têm emprego no nosso país por este estar estagnado há demasiado tempo, a questão da saúde mental, porque é também uma pandemia que está a assolar a nossa sociedade, e a habitação jovem porque é um flagelo na nossa faixa etária: os jovens não conseguem adquirir casa", resume.

E ser liberal é o quê? Patrícia Gilvaz estabelece as diferenças dizendo que o PSD é um partido sem "coragem" para avançar com as reformas necessárias, sem "capacidade de lutar por elas e de as levar avante"; no PS vê a "incapacidade de perceberem que é preciso ir mais além e que não basta termos a preocupação de conter a dívida. É preciso investir, chamar investidores, é preciso reunirmos um conjunto de fatores para que o país se torne atrativo. Estão lá há demasiado tempo. Se olharmos para o panorama político dos últimos 20 anos, 18 foram governados pelo PS ou pela força da ala esquerda".

E iniciativa liberal? "Tem o espírito reformista de querer mudar tudo (...) Nós temos a energia e a vontade".

Rita Matias, 23 anos, passou dos bastidores do Chega - "estava sempre atrás da câmara, dava apoio ao Departamento de Comunicação, nas redes sociais, e agora estou à frente, o que muda tudo" - para o palco principal.

E aqui até a idade é observada como algo negativo, "mas isso não me intimida ou magoa de alguma forma. De facto, é o que sou e não tenho qualquer complexo com isso. Não sou a deputada com mais experiência profissional ou experiência de vida".

"Quando falo na Assembleia sobre os problemas dos jovens, não falo de cor, falo porque sei aquilo por que passei e que vejo os meus amigos e companheiros passarem", sublinha.

A nova deputada do Chega diz sentir-se mais à vontade nos "temas relacionados com a juventude, porque ainda sou jovem - a envelhecer muito rápido neste contexto, mas ainda sou -, sobre questões relacionadas com as mulheres, também porque o sou e por termos perspetivas diferentes daquelas que são as mais consensuais hoje em dia. Mas também não me limito muito: aliás, estou na Comissão do Ambiente que é um tema que não é natural em mim".

Já não-natural, diz, é "percebermos que nada é aprovado simplesmente porque vem do Chega". Mas depois, assegura, "há muitas propostas que são repescadas, mudam uma vírgula e já são aprovadas, embora o sentido fosse exatamente o mesmo. Gostava de ver este cerco sanitário ultrapassado".

Conservadora de direita, católica praticante, antifeminista. É isto que a define? "Tudo sim, exceto o antifeminismo". Rita Matias explica, no seu entender, que o "feminismo é um movimento que deu algumas conquistas sociais às mulheres - e não tenho qualquer desejo de retrocesso nessas conquistas -, mas é justo reconhecer que a sociedade caminhava nesse sentido e, portanto, estas conquistas não são exclusivamente destes movimentos. O maior antagonismo é por ser um movimento de índole marxista, um movimento que separa a sociedade entre nós e os outros".

E acrescenta: "Não poderia desejar aos outros o que não desejo para mim, o lugar da mulher é onde ela quiser". Citou uma frase de um cartaz do PS Madeira? "Qualquer relógio parado está certo duas vezes ao dia", responde.

Na vida de Sónia Ramos, 48 anos, "mudou muita coisa, mudou a rotina familiar, mudou o grau de responsabilidade". O que se repete é sentir que as mulheres são "muito mais sufragadas do que um homem no seu desempenho político. Estamos muito mais na berlinda do que os homens na política, qualquer deslize, qualquer lapso é avaliado de forma mais crítica do que se for um homem em igualdade de circunstâncias".

A nova deputada do PSD, líder da distrital de Évora "até final do ano" e única mulher a liderar uma distrital social-democrata, considera este facto "sintomático" da pouca participação "das mulheres na política e na vida cívica".

A alentejana, que "por um acaso" nasceu no Feijó, na Margem Sul, e que desde os 10 anos vive em Montemor-o-Novo, considera determinante mudar a lei eleitoral porque "não há Estado sem território e, portanto, o território tem de ser considerado na representação da Assembleia da República".

"O Alentejo é um terço do país, não pode ter oito deputados a representar os seus interesses na Assembleia da República. É uma situação absolutamente injusta e absolutamente desproporcional e uma das grandes batalhas da minha vida e dentro do PSD é a alteração desta lei eleitoral, porque precisamos de representantes do nosso território na Assembleia da República, para mudar alguma coisa", justifica.

A solução, defende, é ter "um número fixo de deputados por círculo eleitoral. Podemos manter os círculos eleitorais existentes, mas que cada um tenha um número fixo de deputados que represente o território".

E não apenas no Parlamento, a questão tem de ser equacionada para as autarquias. Se nada for feito, afirma, "daqui a 30 anos vamos ter a maior parte das câmaras do Alentejo com cinco vereadores. Isto, obviamente, diminui a variedade política que é necessária dentro das câmaras, reduz as verbas e tudo isto se vai repercutir na eleição para deputados".

Objetivos? "Gostaria de ver alterada a lei eleitoral, de ver criado um estatuto para cidades médias, cidades do interior certificadas com uma série de requisitos que as tornem atrativas para fixar a população. É um desígnio nacional, temos de ter a capacidade de levar pessoas para o interior do país".

Rui Tavares, 50 anos, antigo eurodeputado, agora eleito deputado pelo Livre, diz sentir "falta de uma coisa que aqui não me parece ser habitual, que é ver entregar projetos de resolução ou propostas de lei entre deputados de vários partidos ou grupos políticos". O que era habitual no Parlamento Europeu é diferente aqui onde a "lógica é mais cada partido entregar por si coisas que são pouquíssimo diferentes, ou que andam à procura de ter uma diferença, ou então são matérias consensuais".

Na Assembleia da República há um lado "tribal ritualizado". Ou seja, "o Parlamento é um lugar de dissonância, e é bom que o seja, mas encenar discordância e não deixar passar para fora que às vezes também concordamos é o que faz com que a política portuguesa seja tão coreografada".

Outra das diferenças é a de que "aqui os deputados estão mais inseridos na hierarquia partidária e têm menos autonomia e responsabilidade individual. As pessoas muitas vezes, em privado, trazem e discutem ideias, gostam de coisas que apresentámos e dizem-nos que votaram contra, mas que daqui a uns anos vão ser assuntos muito discutidos. Já me aconteceu encontrar um deputado de um dos grandes partidos no parque infantil com as netas e eu com o meu filho mais velho e dizer-me que a história do rendimento básico incondicional, daqui a uns anos, estarão todos a apresentar propostas do género".

Daqui a quatro anos, Rui Tavares espera ver realizadas "algumas das ideias novas [do Livre] e noutras promover o debate acerca delas, porque é assim que tiramos o debate público do monopólio dos populistas".

"Vimos isso durante a campanha eleitoral quando estávamos a falar do rendimento básico incondicional, que é nitidamente algo para discutir com um horizonte de mais largo prazo. Uma vez perguntaram-me para que é que servia e a minha resposta foi que serviu como cura para a prisão perpétua, porque a certa altura estava toda a gente a falar na prisão perpétua - tema que ficou encerrado nas eleições de 1865", explica.

E "isso já está a acontecer", porque "estamos a falar da semana de quatro dias, estamos a falar e a implementar o alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica".

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