"O meu mandato europeu é uma ferramenta de liderança que considero inestimável"

O líder do CDS assume que é "importante" ter "palco europeu" a partir de 2024. Por outras palavras: o mais certo é ser ele o cabeça de lista nas eleições europeias. Objetivos? Manter o CDS nos governos da Madeira e Açores, bons resultados nas autárquicas e regressar ao Parlamento.
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O que é que o Nuno Melo fez aqui no Parlamento Europeu que beneficiou a vida dos portugueses?
Foi tanta coisa, são já muitos anos de muitos relatórios e outras iniciativas fora de caixa que ajudam muito a melhorar a vida dos portugueses. Olhe, por exemplo o relatório que permite ajudar a combater o impacto da guerra na Ucrânia para que pescadores, armadores, o setor da aquacultura, possam beneficiar dos fundos de pesca que estão ainda em ciclo. Estamos a falar de milhares de milhões de euros em todos os países. Podia referir, entre outras coisas, que neste momento a maior ação de promoção do setor agroalimentar português que acontece na Bélgica resulta de uma iniciativa minha com a CAP, chama-se "O Melhor de Portugal", ou o maior congresso de jovens agricultores que acontece na Europa é feito no Parlamento Europeu com o meu nome.

Se for interpelado na rua, é isso que responde?
Nas áreas da justiça e da segurança, em que trabalho muito, podia, por exemplo, falar da Ordem Europeia de Investigação, que permite que nos casos de investigações criminais que abrangem pessoas que operam em vários Estados - acabaram as fronteiras na União Europeia entre os países, mas na justiça as fronteiras continuam a existir - haja hoje uma interação das diferentes entidades de investigação criminal, pedindo dados, uns e outros, e reduzindo a burocracia. Podia referir-lhe o relatório de interoperabilidade que hoje, se já estivesse em funcionamento ao tempo, podia ter evitado atentados em França, na Alemanha, que vitimaram dezenas de pessoas.

Podia?
Podia porque permite que polícias ou setores de investigação de países possam ter acesso a informações que outras polícias de outros países têm e que, ao tempo, por exemplo, não tinham. Isto resultou que num atentado na Alemanha tenham morrido várias pessoas, porque não houve um alerta para um cidadão que tinha pedido asilo com múltiplas identidades falsas, mas como as autoridades belgas, francesas e alemãs não comunicavam entre si o atentado aconteceu. O mesmo se passou em Paris, com informações que existiam na polícia belga. Esse relatório de interoperabilidade é meu, será um sistema dirigido pelo Eurojust e é determinante no combate ao terrorismo.

E em 2024 vai ser candidato?
Não antecipo em dois anos um processo que ainda não se abriu. A seu tempo, o CDS terá as suas decisões próprias.

Então vamos por partes: tem um teste em 2023, na Madeira; dois testes em 2024, Açores e Europeias; em 2025 autárquicas e depois em 2026 as legislativas.
O que é facto é que o CDS está no governo regional dos Açores e da Madeira e gostaria de poder continuar a desempenhar o poder na Madeira. O CDS tem todas as razões para estar otimista, confiante ou motivado em relação às eleições regionais.

Autárquicas?
Os nossos presidentes de câmara têm dado boa conta de si e, na generalidade, nas autarquias que lideramos com o PSD os resultados também têm sido bons. E, portanto, não vivo em pânico nem traumatizado em relação ao futuro que se medirá nas urnas, porque acho que o CDS tem todas as razões para estar confiante.

E nas Europeias de 2024 vai liderar a lista?
Os processos têm de ser discutidos primeiro dentro dos partidos e divulgados mais tarde fora. Há coisas que são óbvias, enfim, não é a mesma coisa um presidente de um partido ter um palco parlamentar ou não ter. O mandato europeu resulta de um círculo que é nacional e europeu. Nessa medida, o meu mandato europeu é uma ferramenta de liderança que considero inestimável. Uma das razões que me levou a ser candidato à presidência do partido foi esta ferramenta europeia, foi saber que nenhum dos candidatos teria a possibilidade de desempenhar um mandato nacional ou europeu. Eu podia. Se é importante agora ter palco europeu, será importante a partir de 2024.

Isso é um sim?
Logo se verá, não me parece que seja o tempo de falar muito sobre isso.

Porquê?
Porque, como lhe digo, temos de ter um congresso antes. Há uma liderança que se vai discutir, há uma moção de estratégia global que terá de ser aprovada e os passos não se dão antes da concretização daquilo que são trâmites óbvios do funcionamento interno dos partidos, e desde logo do CDS.

Houve alguma reunificação com a sua chegada. Até onde é que isso pode chegar?
Há uma coisa que houve, e há, que é a minha preocupação em manter o partido unido, não falar para dentro, não me perder em avaliações de erros do passado e também a preocupação de trazer muitas pessoas que estavam fora, de abrir o partido a independentes.

E a questão financeira é um problema?
Naturalmente. Perder o grupo parlamentar implicou perder o essencial da subvenção financeira e nenhum partido vive sem recursos financeiros. Obviamente que as circunstâncias do CDS do ponto de vista financeiro são um bocadinho piores, para não dizer muito piores, do que eram antes de janeiro de 2022.

Como é que se contorna essa dificuldade?
Num partido, como numa empresa ou numa família, não se pode gastar aquilo que não se tem. Portanto, o que o CDS tem de fazer é perceber que hoje vive com menos dinheiro, vivendo com menos dinheiro tem de gastar menos dinheiro, o que significa também, necessariamente, reconduzir os encargos financeiros na medida do possível a montantes que sejam sustentáveis, e isso faz-se muito lentamente.

Contas certas. Parece o lema da governação socialista.
A governação socialista é uma tragédia. Mas é uma tragédia porque o que temos hoje é uma governação de início de ciclo que se mostra já velha, gasta e assente numa desunião que não pode dar bom resultado. Nós não temos um governo, temos uma agência de comunicação.

Isso é o quê?
Que se avaliem as circunstâncias do país, o que recebe hoje é uma justiça que funciona muito mal, que se transformou, inclusivamente, num problema económico quando litígios básicos, como a cobrança de dívidas, demoram anos a ser resolvidos. Não falo já na litigância administrativa. Uma saúde que mostra o SNS no pior dos momentos da nossa democracia, que está por um fio e que vive assente em proclamações ideológicas através de uma ministra que não dá conta do recado. Um SNS que vive do sacrifício dos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros e técnicos, miseravelmente pagos. A continuar assim, e note que as eleições foram em janeiro de 2022, duvido que este governo aguente quatro anos.

E o CDS está presente ou anda nas arrumações de casa?
Está muito presente a diferentes níveis. O CDS só dará a volta se conseguir mostrar ao país que, por um lado, tem quadros muito capazes, e que, por outro lado, identifica problemas mas tem ideias muito concretas para resolver esses problemas. Ou seja, o CDS não pode ser um partido de protesto, como haverá outros, o CDS não é um partido de protesto.

É o quê?
É um partido antigo que ajudou a fundar e a consolidar a democracia portuguesa com pergaminhos do poder local, à Assembleia da República, a muitos governos e no Parlamento Europeu.

É ou foi?
É, e repare que eu abri o partido a independentes, criei grupos programáticos e inaugurámos esta iniciativa que tem sido muito útil, das Conversas no Caldas, onde estes problemas são identificados e depois, através dos melhores - alguns militantes e outros independentes -, permitem dar soluções para o país.

Nomes?
O Paulo Núncio, o professor Nogueira Leite, o engenheiro Luís Mira, o Adolfo Mesquita Nunes, o Dr. Francisco Calheiros, que é o presidente da Confederação do Turismo, o Dr. José Theotónio, que é o presidente do conselho de administração do Grupo Pestana, o António Correia, a Cecília Meireles, o Miguel Morais Leitão, o Telmo Correia, o Dr. João Pedro Tavares, que é o número dois da Accenture Portugal, o Dr. Nuno Bobone, que foi até há dias o presidente da Confederação do Comércio e Indústria de Portugal, o Dr. José Luís da Cruz Vilaça, que foi juiz dos tribunais das comunidades, a Isabel Galriça Neto, o Dr. João Varandas Fernandes, que gere um dos maiores hospitais, etc. Quero um partido que me tem como um primus inter pares, mas que tem em cada um destes pares pessoas de grande categoria e de grande capacidade.

E é suficiente? É assim que o CDS se torna permanente?
Há um antes e um depois de janeiro de 2022. A partir de janeiro de 2022, passámos a ter partidos que eram irrelevantes na AR e passámos a ter o CDS, um partido médio que não tem deputados. Todavia, com muitos mais votos do que alguns partidos que elegeram um deputado para a AR e que não têm nada disto que o CDS é. Neste momento, há partidos na AR com um deputado, que, por via de terem um deputado, têm a atenção da comunicação social. No entanto, têm muito menos votos do que o CDS, não têm um membro de assembleia de freguesia numa junta de freguesia, não têm grupo parlamentar europeu, não têm uma câmara municipal, não têm nada. Mas têm um deputado. Nós temos presidentes de junta, membros de assembleias de freguesias, governando muitas autarquias sozinhos - temos, neste momento, seis -, mais de 40 com o PSD, governando com o movimento independente do Rui Moreira a Câmara Municipal do Porto, tendo uma delegação no Parlamento Europeu, estando nos governos regionais dos Açores e da Madeira.

Legislativas 2026. Qual é o mínimo para si?
É fundamental que o CDS volte à AR. Acho que há uma noção geral de que o CDS faz falta a Portugal, há uma disponibilidade muito nítida de devolver o CDS ao Parlamento.

Mas qual é o mínimo? Voltar pode ser apenas um deputado.
Neste momento, a quatro anos, estar a consagrar cenários não só seria um exercício de insensatez, como um ato temerário. Quem, como eu, está na política há muitos anos sabe que cada circunstância...

Tem receio que lhe venham cobrar que disse que queria quatro deputados e depois só teve um?
Não, não tenho receio nenhum, mas costumo objetivar perspetivas em cenários que sejam sólidos. E nenhum cenário sobre dimensões de grupos parlamentares, quando um dia voltarmos ao Parlamento, será sólido sem pelo caminho saber o que vai acontecer em eleições regionais, autárquicas...

Regressar com o que for será bom, é isso?
O CDS tem de ter um grupo parlamentar, e essa é uma ambição importante.

Assim já são pelo menos dois...
Desejo que esse grupo parlamentar seja tão relevante quanto possível e farei tudo para que o CDS volte aos seus melhores tempos. Também acho, devo ser franco, que não acontecerá de uma vez só. O CDS tem de ser muito persistente, os seus agentes têm de ter muita crença em si e no que o CDS representa e trabalhar muito para que o CDS, gradualmente, vá ganhando, do ponto de vista parlamentar, a representação que em tempos teve.

artur.cassiano@dn.pt

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