O "guru" de Montenegro em busca de uma "saída limpa"

A liderança de Miranda Sarmento está a criar "desagrados" e "tensões" entre deputados e "desconfortos" na direção do partido que fala em "guerras antigas" do tempo de Rui Rio. O líder parlamentar admite sair se perder a confiança da "maioria dos deputados". A soma de "casos" pode levar a uma saída "elegante" depois do Verão.
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"Não tenho comentário a fazer". Joaquim Miranda Sarmento prefere o silêncio. O líder parlamentar do PSD - que já esteve com Rui Rio no Conselho Estratégico Nacional do partido e coordenou juntamente com David Justino (antigo deputado, ministro da Educação do governo de Durão Barroso, antigo consultor do presidente Cavaco Silva para os Assuntos Sociais e ex-vice de Rui Rio) o programa eleitoral do PSD e também a moção de estratégia de Luís Montenegro na candidatura à liderança do PSD - recusa falar sobre o "cenário" da sua saída "elegante" da direção da bancada parlamentar, depois do Verão, sem "beliscar" o partido [entenda-se: Montenegro] e o grupo parlamentar.

A frase, que deixa todos os cenários em aberto, é entendida por deputados como a "certeza" de que Miranda Sarmento "está de saída, caso contrário tinha sido objetivo na resposta".

Fonte próxima da direção do partido e da direção do grupo parlamentar prefere, nesta altura, abordar, confirmando, a "saída limpa" de Miranda Sarmento desta forma: "Se não podes dizer a verdade, cala-te, não mintas. E eu como não posso dizer a verdade, calo-me."

"Há vozes [no parlamento] que o contestam? Há. Há desconforto? Há. Há desacertos? Há. Há desagrados? Há. Há mau ambiente? Há", confirma fonte parlamentar social-democrata que recusa que as criticas ao "desempenho" de Miranda Sarmento possam ser imputadas a deputados ligados ao anterior líder do partido [com a intenção de fragilizar Montenegro] porque "toda a gente sabe que se há alguém que gosta do Sarmento são os do Rio, é natural".

"É transversal a todos, aos que comentam e falam abertamente nos corredores do Parlamento e aos que calam na esperança de que isto melhore", acrescenta.

Os mais próximos da direção tentam esvaziar a "polémica" argumentando que as "divergências são naturais", que Miranda Sarmento é "uma pessoa especial com características de personalidade muito próprias", e que, como no caso da "precipitação" de que o PSD ia votar a favor das propostas do Chega e da IL para a constituição de uma comissão de inquérito ao SIS [que apanhou de surpresa deputados e até parte da direção do partido] obrigando Montenegro a apenas dizer, horas depois, que admitia um inquérito parlamentar se não houvesse respostas aceitáveis de António Costa, o que existiu foram somente "pensamentos diferentes".

Uma "precipitação desnecessária", disse ao DN fonte do partido. E desnecessária porque "matérias destas não podem ser tratadas assim na praça pública".

"É trabalho de líder [do partido]. Às vezes acontece ter que resolver coisas dessas", sustenta fonte próxima da direção.

E neste caso, como não houve reunião da bancada parlamentar, a indicação para aprovar as iniciativas do Chega e da IL seguiu por e-mail.

"Recordo que em declarações minhas nas jornadas parlamentares eu já tinha dado indicação que o mais provável era o PSD votar favoravelmente. Sendo assim, não posso abrir nenhuma exceção relativamente à disciplina de voto", escreveu Miranda Sarmento.

Nenhum deputado do PSD quebrou a disciplina de voto, mas foram anunciadas dez declarações de voto escritas: André Coelho Lima, Carlos Eduardo Reis, José Silvano, Fernando Negrão, Tiago Moreira de Sá, António Prôa, António Maló de Abreu, António Topa Gomes, João Dias Coelho e Maria Emília Apolinário.

Porém, as surpresas - como a da deputada Sara Madruga da Costa que "esvaziou o discurso do Luís [Montenegro] ao colocar no Público [a 23 de maio, durante as jornadas parlamentares do PSD] uma notícia sobre a descriminalização das drogas sintéticas" - foram "muitas mais".

"Todos nós já assistimos a várias, todos nós fomos apanhados de surpresa noutras situações como, por exemplo, esta das escolhas para a entidade reguladora da comunicação social. Nem a direção sabia nem fomos consultados", afirma fonte parlamentar.

Um dos "casos" mais recentes de "tensão" foi o facto de Miranda Sarmento ter "anulado", por ser "extemporâneo", o requerimento do coordenador do PSD na Comissão de Saúde, Rui Cristina, e pelos deputados Pedro Melo Lopes e João Dias Coelho que pediam a audição parlamentar urgente do ex-diretor de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), Diogo Ayres de Campos, e o Conselho de Administração do mesmo centro.

E há o caso do "idiota útil", expressão de Carlos Eduardo Reis que se sentiu usado por Miranda Sarmento ter levado a Operação Tutti-Frutti para o debate no parlamento com o primeiro-ministro.

Na reunião do grupo parlamentar, o deputado falando diretamente para o seu líder parlamentar disse não estar "disponível para ser o idiota útil e muito menos sangrado na comunicação social porque dá jeito tirar dois ministros do Governo para haver eleições antecipadas".

Na listagem de "polémicas" é recordado ainda o momento em que Miranda Sarmento deu indicação aos deputados para votarem no candidato do Chega para vice-presidente da Assembleia da República. Perante o coro de criticas admitiu - ou, como dizem os mais críticos: "foi obrigado a admitir" - que era aquela a vontade de Luís Montenegro.

Se de fontes próximas da direção do partido, o contra-argumento é o de que são "meia dúzia" de deputados que "não fazem o grupo parlamentar" e que é "especulação" por "guerras antigas" [referência aos tempos de Rio], há na direção do grupo parlamentar, diz fonte próxima, quem assuma que o "desagrado alastra" e que na São Caetano à Lapa se prepara uma "saída limpa" para Miranda Sarmento.

"Quando o presidente do clube vem à sala de imprensa dizer que o treinador não está em causa, nós sabemos o que isso significa: é porque o treinador está, de facto, em causa. Está de pedra e cal? Se estivesse não era preciso dizê-lo. É mais um sinal de fragilidade do que de força", argumenta fonte parlamentar.

Das poucas vezes em que abordou a sua saída de líder parlamentar, a mais recente foi na Rádio Renascença, a 2 de junho, Miranda Sarmento foi muito claro ao dizer que bastaria uma simples conta de somar para abandonar a liderança: "Não há quem tenha maior desapego por este lugar do que eu. Mas enquanto sentir que a esmagadora maioria dos meus colegas confia em mim, e sinto isso, serei líder parlamentar. No dia em que a maioria dos meus colegas não confiar em mim, então aí não tenho condições". Ao DN, e só passaram 26 dias, a resposta já é outra: "Não tenho comentário a fazer."

Ora, segundo as contas das fontes próximas da direção os que "não confiam" no líder da bancada parlamentar "são meia dúzia". Os "que não confiam" fazem outras contas: "É transversal a todos".

No meio da polémica, há quem recorde que este tipo de "desconfianças não é inédito, longe disso" e que até Paulo Rangel, atual vice-presidente do partido e eurodeputado, foi alvo de pedidos de demissão quando "ainda tinha poucas semanas de líder parlamentar". Nessa altura, Miguel Relvas e Marco António Costa "não hesitaram na tentativa de o fragilizar".

A retirada de Miranda Sarmento, seja por opção própria, "por cansaço" ou por "sugestão" de Montenegro, "obriga necessariamente" a que "não seja maltratado na saída" porque "fez o melhor que pôde. O partido tem que ter essa gratidão por quem dá a cara, ainda que não consiga os resultados que se esperavam", espera fonte parlamentar.

Ou, como diz um deputado: "Ele fez um esforço. Há que respeitar isso."

Para que não haja "nem melindres nem humilhações" devia ser colocado onde pode "estar como peixe na água: no Parlamento Europeu para mais tarde vir para o governo", defende fonte próxima do direção do grupo parlamentar.

Há, aliás, um "argumento suplementar que é o facto de o PS, nomeadamente o [António] Costa ter encontrado e explorado o ponto fraco do [Miranda] Sarmento".

No último debate do Estado da Nação, o primeiro-ministro usou um livro que o líder parlamentar do PSD publicou em 2019 para o "destratar" dizendo que defende o "congelamento dos salários", das "prestações sociais", uma "redução do investimento nas autarquias e nas regiões para os valores de 2016", a "aplicação da coleta mínima do IRC para as 302 mil empresas que não estão obrigadas ao pagamento de IRC", a "criação de um IRS mínimo de 40 euros para os 2 milhões e meio de portugueses que estão isentos da coleta por estarem abaixo do mínimo de existência".

E a conclusão de Costa? "Este é o pensamento económico e fiscal do velho novo revelho PSD".

Ainda no fim de semana passado, o secretário-geral do PS voltou à carga, durante as jornadas parlamentares socialistas, ao acusar o PSD e o seu "guru" de darem o "dito pelo não dito" e defenderem agora a baixa do IRS quando, há dois anos, era Rio líder do partido, a opção era a baixa do IRC, remetendo a quebra no IRS "se as contas estivessem bem", lá para 2025 ou 2026".

Os sociais-democratas, insistiu, podem "dar o dito por não dito", mas "o guru" económico de Rui Rio, do "PSD mau", é o mesmo de Montenegro e do "PSD bom": o economista e líder parlamentar Miranda Sarmento

Os "alertas" do agora líder da bancada parlamentar social-democrata começaram em 2016, em artigos na imprensa; em 2019 "muitos deles" foram "vertidos" e foram a votos no programa eleitoral do PSD [nas eleições PS obteve 36,34% do sufrágio, PSD conseguiu 27,76%]; e em 2022, de novo, enfrentaram novas Eleições Legislativas [PS ganha maioria absoluta com 41,37% dos votos, PSD com 27,67% perde dois deputados] e nova avaliação.

Em As Crónicas de um País Estagnado, Miranda Sarmento explica, o que é no seu entender, a "realidade" e a "pouca vontade" dos socialistas procurando contrariar as teses do PS argumentado que "o país está estagnado há 20 anos, tem uma economia pouco competitiva, baixos níveis de produtividade. E essa estagnação económica tem consequências: estagnação de rendimentos, salários baixos e o facto de termos sido ultrapassados por vários países do leste da Europa, que eram bastante mais pobres que Portugal há 20, 25 anos (...) e é também o facto de nos últimos anos, sobretudo entre 2016 e 2019, se ter criado uma ilusão no país de que as contas públicas estavam equilibradas e que tínhamos atingido um equilíbrio nas nossas Finanças Públicas".

"Ora aqui está o perfil ideal, ser ministro das Finanças de um governo nosso. Mas isso ainda vai demorar pelo menos três anos e no Parlamento não se pode esperar tanto tempo", resume fonte parlamentar.

DestaquedestaqueO "perfil técnico" e "pouco político" por comparação com todos os 32 anteriores líderes parlamentares é apontado como justificação para o "fraco desempenho" de Miranda Sarmento.

Joaquim Morais Sarmento é o 33.º líder parlamentar social-democrata. Um das "fraquezas" do seu "desempenho", alegam os que defendem a sua saída, está no perfil "pouco político para um lugar tão político".

E a lista de nomes, sustentam, concorre para essa "comparação negativa" com o passado do partido.

Carlos Mota Pinto foi presidente do grupo parlamentar, primeiro-ministro e presidente do PSD. Barbosa de Melo, um dos fundadores, foi por duas vezes líder parlamentar e mais tarde presidente da Assembleia da República. Sá Carneiro foi fundador do partido, secretário-geral, presidente do PSD, primeiro-ministro, ministro e líder parlamentar. Moura Guedes foi deputado, governador civil de Lisboa e líder parlamentar. Silva Marques foi presidente de câmara, deputado e em 1995 presidente do grupo parlamentar. Marques Mendes, por exemplo, foi secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ministro-adjunto do primeiro-ministro, ministro dos Assuntos Parlamentares, deputado, presidente do PSD e líder parlamentar. A lista de nomes inclui Magalhães Mota, Menéres Pimentel, Pedro Roseta, Manuel Pereira, Vítor Crespo, Fernando Condesso, António Capucho, Correia Afonso, Montalvão Machado, Duarte Lima, Pacheco Pereira, Fernando Nogueira, Manuela Ferreira Leite, Guilherme Silva, Luís Marques Guedes, Santana Lopes, Paulo Rangel, António Montalvão Machado, Aguiar-Branco, Miguel Macedo, Luís Montenegro, Hugo Soares, Fernando Negrão, Rui Rio, Adão e Silva e Paulo Mota Pinto.

Desta lista, 10 foram presidentes do PSD, quatro foram primeiros-ministros, dois foram presidentes da Assembleia da República e um foi Presidente da República.

João Moura, presidente da Distrital de Santarém e vice-presidente da bancada parlamentar, e Paulo Rios de Oliveira, também vice da bancada parlamentar, são dois nomes falados para a sucessão de Miranda Sarmento.

Oficialmente a direção do partido desvaloriza as "divergências" e o cenário de saída do líder parlamentar por "não ser tema", mas não deixa de admitir o "desconforto" por algumas das polémicas.

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