O apagão do CDS. "Há todo um mundo entre o antes e pós grupo parlamentar"
Nuno Melo admite que sem eleitos no Parlamento a exposição mediática do partido é muito menor, mas considera isso "injusto" perante o protagonismo dado ao Livre. O antigo líder Manuel Monteiro lembra que só militantes com qualidade podem fazer o partido renascer.
Dia de Portugal. Nuno Melo cumpriu a tradição e fez a habitual visita à Feira de Agricultura de Santarém. Mas atrás do rasto do líder do CDS apenas foi a agência Lusa. Televisões, rádios e jornais nem vê-los. "Há todo um mundo no CDS repartido entre o antes e o pós grupo parlamentar", confessa ao DN o presidente centrista.
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Este quase "apagão" do CDS no espaço mediático tem uma razão demasiado óbvia: perdeu o palco parlamentar ao não ter eleito um único deputado nas últimas eleições legislativas de janeiro. A primeira vez que se confrontou com uma crise desta dimensão e que obriga a nova direção centrista a repensar toda a comunicação política para tentar chegar ao seu eleitorado.
"A política é comunicação e por muito que o CDS faça coisas importantes, desde o congresso de Guimarães, o resultado pode ser residual se não chegar às pessoas", afirma Nuno Melo, que deixa transparecer o quanto está a "ser duro" não ter o palco parlamentar. Aquele que permitia chegar sobretudo às televisões. "Na política ter televisão e prime-time continua a ser determinante. Essa é a maior dificuldade", considera.
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Embora conformado com a realidade, manifesta um sentimento de "injustiça" perante o peso relativo das forças políticas na comunicação social. Nuno Melo lembra que o CDS tem seis câmaras e está em várias outras em coligação como PSD; tal como está aliado aos sociais-democratas nos governos regionais dos Açores e da Madeira e tem um mandato no Parlamento Europeu, o seu próprio. Muito diferente, por exemplo de partidos como o Livre ou o PAN.
Acresce, sublinha o líder centrista, que o partido apesar de não ter eleito nenhum deputado em janeiro teve mais votos do que os partidos de Rui Tavares e de Inês Sousa Real, ambos eleitos para a Assembleia da República. O CDS conseguiu nas últimas legislativas 1,6% (89113 votos), o Livre 1,28% (71196 votos) e o PAN 1,58% (88127 votos). A eleição dos dois deputados das duas últimas forças explica-se pela concentração de votos em círculos com mais eleitos, ao contrário do CDS que foram mais dispersos.
"O CDS não ter mais cobertura por não ter um deputado como o Livre é profundamente injusto", frisa Nuno Melo. Para ultrapassar este "bloqueio" afirma que é preciso reinventar a comunicação e apostar nas redes sociais. "São as regras do jogo", que espera mais equilibradas na campanha para as eleições europeias, em 2024, já que detém um mandato no Parlamento Europeu.
O líder centrista garante que o partido está mobilizado e aposta muitas fichas na visibilidade pública dos seus quadros. Nuno Melo dá o exemplo da antiga deputada Isabel Galriça Neto, que marcou posição no recente debate sobre a eutanásia.
O carisma dos militantes
Para o antigo líder do partido Manuel Monteiro - que quando pegou ao CDS herdou a caricaturada bancada do "táxi", com apenas quatro deputados saídos das eleições de 1987 e cinco nas de 1991, e que a fez crescer para os 15 mandatos, com 9,1% nas legislativas de 1995 - "O CDS é um partido muito importante da democracia portuguesa, mas ao perder o Parlamento saiu do radar".
Refiliado no CDS, Monteiro afirma que as "dificuldades são imensas", mas frisa que "não totalmente novas". E explica o porquê: "Quando o CDS teve 4% e elegeu 4 deputados, durante a maioria absoluta de Cavaco Silva, e numa época em que só existia a RTP e a televisão era relevantíssima, o partido enfrentava nessa altura uma situação terrível para marcar presença nos noticiários".
Manuel Monteiro admite, no entanto, que a situação atual é mais drástica, mas insiste que naqueles anos de bancada reduzida a quatro mandatos o que fez a diferença para o partido se manter à tona foi a "qualidade e talento" dos deputados de então. Cita Adriano Moreira, Narana Coissoró, Luís Queiró e António Lobo Xavier. "Foram estas pessoas que com a sua empatia e brilho fizeram com que o CDS fosse atrás deles. Eram eles que punham o CDS no mapa", afirma.
E sentencia: "As coisas têm de passar por aí. Neste momento não é o partido que pode protagonizar as pessoas, são as pessoas que podem protagonizar o partido. Se revisitarmos a história percebemos que são as pessoas que pelo seu prestígio profissional, intelectual e social que podem recuperar o CDS."
Manuel Monteiro mostra-se convicto de que Nuno Melo "está consciente disto" e "procura criar um grupo de pessoas determinadas a protagonizar o pensamento do partido" no espaço mediático. As estruturas, concelhias e distritais "são importantes" internamente , mas são pessoas como "Galriça Neto", as conhecidas e conceituadas nas suas áreas "que podem ajudar a alterar o atual quadro das coisas".
"O presidente do CDS sabe que, dentro do meu quadro de obrigações, estou disponível", afirma Manuel Monteiro quando questionado se é dos ativos dispostos a dar a cara pelo partido. "Não há espaço para outro tipo de atitude", conclui.
Desleixo comunicativo?
"Pensava que o apagão ia ainda ser maior", confessa o antigo deputado centrista Diogo Feio. Ficou agradado de ver a cobertura do congresso de Guimarães, onde Nuno Melo foi eleito, e as entrevistas ao líder que se sucederam, bem como o tratamento mediático de algumas iniciativas posteriores.
"Estarei preocupado se o CDS não for ouvido em momentos chave", diz Diogo Feio e aponta às próximas eleições europeias e o debate do Orçamento do Estado de 2023.
Mas o facto de a comunicação social desinvestir num partido sem assento parlamentar obriga, na opinião do antigo deputado, a "dar uma maior atenção e reação aos temas do dia, com uma comunicação estruturada, que fale para o espaço de centro-direita em Portugal".
Sublinha também que o partido tem um conjunto de pessoas reconhecidas, que são ouvidas nos fóruns de debate e que são uma mais-valia para transmitir as ideias democratas-cristãs.
Todo o otimismo do antigo deputado centrista não o impede de reconhecer que "é difícil ser um partido extraparlamentar, que não consegue rivalizar com os que estão na Assembleia da República no combate político".
O politólogo José Adelino Maltez não vê uma alteração substantiva da presença mediática das figuras do CDS. Considera, contudo, que "o CDS não os federa como marca".
Adelino Maltez entende que "há uma fase de adaptação" do partido às novas circunstâncias de estar arredado do radar parlamentar e que tem de recuperar os canais de comunicação. "Há modelos novos, eram políticos batidos na política parlamentar mas sem esse palco há desleixo comunicativo", considera. Afirma ainda que "o CDS tem de procurar o microfone e não esperar que o microfone vá ter com ele. Tem de haver um choque comunicativo para chegar às pessoas".
Momentos altos e baixos
Freitas do Amaral
O fundador do partido regressou à liderança em 1988, na sequência de resultados desastrosos nas legislativas de 1987, que reduziram a bancada a 4 deputados. Nas de 1991, só conseguiu mais um e também saiu da presidência do partido.
Manuel Monteiro
Com a saída de Freitas, Manuel Monteiro é eleito presidente do CDS em 1992 e um ano depois junta o PP à sigla e consegue nas legislativas de 1995 uma bancada de 15 deputados, com 8,3%. Sai em 1998 após mau resultado nas eleições autárquicas.
Paulo Portas
Portas conquista o CDS em 1998 e no ano seguinte consegue manter a bancada nos 15 deputados. Alia-se ao PSD de Durão para formar governo em 2002, com 14 deputados. Demite-se em 2005, com 12 deputados na bancada, sucede-lhe Ribeiro e Castro, e regressa em 2007 para nas legislativas de 2009 conseguir 21 mandatos na AR e 24 nas de 2011. Nas de 2015 foi a votos coligado com o PSD.
Assunção Cristas
A primeira mulher a liderar o partido, em 2016, só enfrenta legislativas em 2019 e o embate é grande. Apenas consegue 4,2% e o regresso a uma bancada de 5 deputados. Demite-se na sequência dessas eleições.
Francisco Rodrigues dos Santos
O ex-líder da Juventude Popular conquista a liderança do CDS em janeiro de 2020. Prometia recuperar o fôlego do partido e mais mandatos na Assembleia da República, mas nas últimas legislativas de janeiro o CDS desaparecia completamente do Parlamento, ao ter obtido apenas 1,6% dos votos. Só lhe restou sair.
paulasa@dn.pt
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