"Nunca pedi ou recebi pareceres jurídicos escritos"

O ministro da Defesa falava na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional onde está a ser ouvido, juntamente com o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior do Exército, sobre as suspeitas de tráfico de droga, ouro e diamantes envolvendo militares e ex-militares.
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O ministro da Defesa revelou esta sexta-feira que nunca pediu "pareceres jurídicos escritos" sobre que dados devia transmitir a outros órgãos de soberania sobre as suspeitas de tráfico envolvendo militares e que as informações que tinha era "insuficiente e débil".

"O que eu soube a partir de 08 de novembro teria merecido da minha parte, sem qualquer dúvida, um juízo claro quanto à necessidade de informar o primeiro-ministro e o Presidente da República. A informação que me foi dada no início de 2020 era de caráter ainda muito pontual e especulativo, matéria manifestamente insuficiente e débil para eu poder levar às instâncias superiores", justificou João Gomes Cravinho.

O ministro da Defesa falava na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional onde está a ser ouvido, juntamente com o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior do Exército, sobre as suspeitas de tráfico de droga, ouro e diamantes envolvendo militares e ex-militares.

O governante disse que nunca pediu ou recebeu quaisquer "pareceres jurídicos escritos" sobre que informação devia ou não transmitir a outros órgão de soberania sobre a matéria.

"Nunca pedi ou recebi pareceres jurídicos escritos. A minha atuação foi, no entanto, sempre orientada de acordo com um entendimento jurídico claro sobre aquilo que se impunha nestas circunstâncias de um caso restrito à conduta de dois militares, sendo primordial garantir a integridade da investigação judicial e o segredo de justiça", disse.

Gomes Cravinho apontou para "um descompasso muito significativo" entre aquilo que soube em 2020 e aquilo que passou a saber em "08 de novembro deste ano", sendo que, no início de 2020, as informações que tinha eram pontuais e especulativas.

"Não voltei a ter nenhuma informação sobre o assunto até 08 de novembro de 2021, dia em que soube através da comunicação social da Operação Miríade, envolvendo centenas de agentes judiciais e vasta alegada atividade criminosa", vincou.

No dia 09 de novembro, em Cabo Verde, o Presidente da República adiantou que não foi informado antes, pelo ministro da Defesa Nacional, do caso porque "pareceres jurídicos" assim concluíram, tratando-se de uma investigação judicial.

O PSD chegou mesmo a pedir ao Governo os pareceres que estiveram na base da opção de Cravinho, requerendo o seu acesso antes da audição parlamentar do governante, algo que não aconteceu.

Na opinião de João Gomes Cravinho, "a informação que foi recebida e encaminhada para a PJM [Polícia Judiciária Militar] não carecia de qualquer forma de tratamento político".

"Perante factos criminosos, sem relevância política, não considerei que se impusesse uma informação ao primeiro-ministro ou ao Presidente da República. Centrei a minha atuação no entendimento de que, perante um aparente caso de polícia, importava garantir que os factos fossem devidamente encaminhados para as autoridades competentes em sede judicial", sustentou.

O ministro da Defesa citou a Lei de Defesa Nacional, que no seu artigo 10º "estabelece que o Presidente da República tem o direito de ser "informado pelo Governo sobre a situação nas Forças Armadas".

"Procuro tudo fazer para corresponder, no âmbito das minhas competências, a esta responsabilidade. Como facilmente se depreende, o exercício deste dever requer uma constante reflexão sobre quais os temas que têm relevância suficiente para levar ao conhecimento do senhor primeiro-ministro e, através dele, ao senhor Presidente da República", sustentou.

Gomes Cravinho sublinhou que, "por ser um tema de relevância política, que nunca houve qualquer intenção de sonegar informação ao primeiro-ministro, ou de desrespeitar o direito do Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, a ser informado pelo Governo acerca da situação das Forças Armadas".

O ministro disse ainda que procurou agir "de forma pragmática e zelosa com o duplo objetivo de, por um lado, preservar a investigação da denúncia, e, por outro, preservar a imagem de Portugal e das Forças Armadas junto da ONU".

"A tentativa de aproveitamento político deste caso, desvia-nos do essencial, nomeadamente do reconhecimento de que as instituições funcionaram, com tranquilidade e reserva e respeitando a necessária separação de poderes", rematou.

A Polícia Judiciária executou, a 08 de novembro, 100 mandados de busca e fez 11 detenções, incluindo militares, um advogado, um agente da PSP e um guarda da GNR, no âmbito da Operação Miríade.

Em causa está a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais e que "se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas", com vista ao branqueamento de capitais.

Na altura, em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares portugueses em missões da ONU na República Centro-Africana podem ter sido utilizados como "correios" no tráfico de diamantes, ouro e droga, adiantando que o caso foi reportado em dezembro de 2019.

Após o primeiro interrogatório judicial, o ex-militar e alegado líder da rede criminosa e o seu suposto "braço-direito" ficaram em prisão preventiva.

O chefe das Forças Armadas defendeu esta sexta-feira que "será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se" os factos que desencadearam a Operação Miríade e assegurou que "aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes" serão "sancionadas".

Reagindo a uma pergunta do deputado do Bloco de Esquerda João Vasconcelos, que interrogou se a reputação das Forças Armadas é posta em causa pela Operação Miríade e se a missão na República Centro-Africana está em risco, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) referiu que, há três dias, foi fornecida pela primeira vez "a informação dos nomes" dos militares envolvidos no processo, sendo que a maioria são ex-militares, apesar de haver alguns envolvidos "ainda em serviço".

Nesse sentido, o almirante António Silva Ribeiro salientou que não se pode "confundir aquilo que são as competências" dos comandos com os "comportamentos desviantes de uma dúzia de militares".

"Se se está a falar dos comandos e alguns militares dos comandos que cometeram eventualmente crimes, não podemos ao mesmo tempo deixar de enfatizar o extraordinário trabalho que essa força tem feito na RCA e ao serviço da humanidade", afirmou.

O CEMGFA argumentou que intervenção dos comandos na República Centro-Africana transformou "completamente o panorama operacional do país", com uma presença que disse ter ficado pautada pelo "serviço daquilo que são os valores fundamentais da liberdade e da tranquilidade das populações".

Apesar de elogiar o trabalho destes militares, Silva Ribeiro garantiu que "aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes, serão evidentemente punidas" e informou que já solicitou ao Ministério Público que faça chegar às Forças Armadas as "comunicações" e "indícios que tem" para que seja dado início aos "procedimentos disciplinares".

Interpelado ainda pelo deputado socialista Diogo Leão sobre as medidas que foram tomadas para reforçar o controlo das bagagens transportadas pelas Forças Armadas, o CEMGFA salientou que todas as aeronaves mobilizadas ao serviço das Forças Nacionais Destacadas são sujeitas a uma revista cinotécnica (com cães) sendo que, sempre que há indícios de ilícitos criminais, a PJ, PJM, Autoridade Tributária e o SEF são chamados.

"Estou convencido de que com isso, com o incremento dos controlos que estamos a fazer (...) nós podemos de facto garantir que será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se estes factos que são gravíssimos, mas que em nada deslustram o património histórico, patriótico dos comandos", indicou.

Abordando também a reputação das Forças Armadas portuguesas, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Nunes da Fonseca, salientou que não deve haver uma "extrapolação desproporcionada do que aconteceu", referindo que se "houver dez militares que não tiveram atitudes corretas" na República Centro-Africana, num universo de 1.707 militares, isso "não deslustra de modo nenhum a imagem" da instituição.

"A imagem poderá ter ficado desfocada, mas se nos cingirmos aos factos, a imagem rapidamente será focada. (...) O civismo, o patriotismo, os valores éticos também fazem parte da condição militar e ficámos constrangidos com este acontecido, mas o anseio é que esta situação seja rapidamente esclarecida para servir de exemplo do que não podia ter acontecido", disse.

O CEMGFA e o CEME falavam no âmbito de uma audição na Comissão de Defesa Nacional, onde também participa o ministro da Defesa, sobre as suspeitas de tráfico de droga, ouro e diamantes envolvendo militares e ex-militares na República Centro-Africana.

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