Nova geringonça? Entre "o que o PS estará disposto a fazer" e a "experiência acumulada de combate à direita"
A perspetiva de uma nova geringonça e as posições que os partidos em torno do PS terão no pós-legislativas vincaram as diferenças entre Inês de Sousa Real e Paulo Raimundo, protagonistas do primeiro debate eleitoral desta terça-feira, na RTP3, que apesar disso seria candidato destacado ao Nobel da Paz caso a Academia Sueca prestasse atenção à não raramente sulfúrica política portuguesa.
A porta-voz do PAN encarregou-se de virar a interrogação do moderador João Adelino Faria, contrapondo que "a pergunta que se impõe é o que o PS estará disposto a fazer pelas causas que representamos", numa resposta requerida a Pedro Nuno Santos e rematada com a necessidade de acordos escritos. Já o secretário-geral do PCP, que se estreava nestes compromissos de líder partidário, evitou comprometer-se antes de se conhecer "a correlação de forças que sairá destas eleições", e aproveitou o estatuto centenário do seu partido para dizer que "não há força política com mais experiência acumulada de combate à direita".
O debate arrancou com sorrisos e um agradecimento da porta-voz do PAN - que se apresentou no estúdio de braço ao peito, devido a uma queda - à "cordialidade" com que o secretário-geral do PCP se dispôs a adiar. Tal não foi necessário, pelo que depois de Paulo Raimundo desejar as melhoras à interlocutora, os dois líderes arrancaram pela regulamentação do lobbying. Seria o maior ponto de divergência, sem o grau de discórdia atingido na véspera entre Sousa Real e André Ventura.
Enquanto a deputada única defendeu que essa é a melhor forma de "pôr os cidadãos a saber com quem se sentam os decisores políticos", chegando a dizer que com tal legislação "teríamos sabido com quem João Galamba se reuniu" no caso do data center de Sines investigado pela Operação Influencer, o líder comunista defendeu que no âmago da corrupção "estão as grandes negociatas". Nomeadamente a privatização da ANA, na qual, segundo Raimundo, "alguém se abotoou", defendendo que a regulamentação "não altera em nada o que se passa nas portas giratórias" se o poder político "não se libertar da subjugação em relação ao poder económico".
As diferentes visões do mundo entre os líderes partidários também foram patentes na parte do debate dedicada à revolta dos agricultores. Inês de Sousa Real recusou que as propostas ambientais expliquem as dificuldades dos produtores, defendendo apoios à produção biológica em vez de descida de impostos sobre fertilizantes e pesticidas e colocando em causa "quotas de água cega" que não levem em conta a diferença entre pequenos e médios agricultores e quem tem culturas intensivas, mas Paulo Raimundo centrou-se na "ditadura da grande distribuição", sem esquecer os aumentos dos combustíveis e das rações. E dirigiu-se a um tradicional segmento do eleitorado comunista, postulando que "não há ninguém que goste mais da terra do que os agricultores".
Nos problemas do sector da saúde, que afetam cada vez mais portugueses, Inês de Sousa Real defendeu que "ninguém deve ficar numa lista de espera por preconceito ideológico", mas apressou-se a esclarecer que o PAN recusa as parcerias público-privadas, preferindo que o Estado suporte consultas e cirurgias nos privados enquanto não resolver as insuficiências do Serviço Nacional de Saúde, o que implica reverter o apelo à emigração de profissionais de saúde com melhores condições salariais e de condições de vida. Por seu lado, Paulo Raimundo reconheceu que "se alguém disser que vai resolver o problema amanhã está a mentir", o que não o inibiu de dizer que será possível "acarinhar e reter médicos e enfermeiros", indo buscá-los aos privados com um reforço salarial. "Tem sido impossível, mas não é impossível", rematou.
No que toca à sobrevivência dos respetivos partidos, que em 2022 sofreram fortes reduções nos grupos parlamentares, ficando o PCP reduzido a meia-dúzia e o PAN devolvido a apenas um, como no tempo do porta-voz André Silva (que anunciou nesta terça-feira a desfiliação do partido, descrevendo-o como " profundamente irresponsável"), sendo neste caso uma, ambos coincidiram no otimismo. Tal como no debate com Ventura, Sousa Real disse que o PAN "parte como o partido da oposição que mais medidas conseguiu fazer aprovar", destacando a aplicação de 90 milhões de euros da taxa de carbono nos passes sociais. E descreveu o partido como "força útil para a democracia e para as vidas dos eleitores", realçando que foi possível eleger deputados nos Açores e na Madeira. Já Paulo Raimundo marcou distâncias em relação às sondagens e preferiu dizer que "os resultados demonstram que a CDU cresceu nos Açores e na Madeira". Ainda que, no primeiro caso, os comunistas tenham voltado a ficar à porta da Assembleia Legislativa Regional, por apenas 85 votos.