Nélson Silva: "O PAN não pode ficar refém do que outros partidos querem ou não fazer"

Crítico da atual direção e um dos 13 demissionários que, há um ano, deixaram a Comissão Política Nacional, o antigo deputado esteve à conversa com o DN. Candidato a porta-voz do partido quer devolver a democracia interna ao PAN, e diz ser necessário ter uma força política menos passiva na luta pelas causas que defende.

Nas últimas eleições, o PAN perdeu votos e passou de um grupo parlamentar para um único deputado (Inês Sousa Real). O que o leva a candidatar-se nesta fase?
De facto, os resultados das Legislativas são encarados por nós como um desaire muito grande. Encaramos também que houve uma falha em passar a mensagem do PAN. É uma mensagem fresca e os eventos têm-nos mostrado que as reivindicações que o partido faz há uma década fazem sentido. Tínhamos tudo para que nestas eleições pudéssemos manter pelo menos aquilo que tínhamos: um grupo parlamentar. Infelizmente, não foi o caso. Mais gritante, então, foi uma certa falta de responsabilização pelos resultados por parte da direção. Entretanto, em cima dos resultados das Legislativas, temos os problemas internos: a falta de democracia interna, e uma grande falta de estrutura de bases, que foi amputada por esta direção neste ano e meio, logo após as eleições. E face a isso, como democratas que somos, como pessoas que gostam e são apaixonadas pelo projeto político que o PAN tem para o país e, também, para Portugal no mundo, não podíamos estender pura e simplesmente a passadeira vermelha e deixar isto passar em branco. Assim, decidimos, em conjunto, candidatar-nos a este congresso. Obviamente, eu encabeço a lista mas sempre fiz questão de dizer que isto não é a lista do Nélson. O Nélson é o representante da lista. Por isso houve um escrutínio inicial, que o grupo fez. Ou seja, não foi por convite. Foi mesmo ao contrário.

Falou sobre a dificuldade em passar a mensagem. Na campanha eleitoral, houve ali, a certa altura, acusações de uma alegada colagem ao PS. Se o PS precisasse, o PAN podia ajudar. Na sua opinião, isso contribuiu para a queda eleitoral do partido?

Claro. Se formos ver - e nós ouvíamos isto em campanha -, de facto, qual é a diferença, nesse contexto, entre votar PS e PAN? Se o PAN não é uma alternativa ao PS, se o PAN não é uma alternativa ecologista ao PS como deveria ser; se a mensagem que está a ser passada é que "pode, sem dúvida alguma fazer parte de um governo PS", então para quê estamos a votar no PAN? E esse foi um grande erro na mensagem. Também consideramos que a ambição de ser governo em 2023 foi muito prematura e ajudou ao declínio logo após as autárquicas. Não cabe na cabeça de ninguém vir dizer que o PAN, em 2023, mesmo com um crescimento brutal, fizesse parte de um governo, a não ser que fosse levado para um governo. Acreditamos que esta dificuldade comunicacional confundiu muitos eleitores que, pura e simplesmente, preferiram votar PS. E o voto ecologista está lá. O Rui Tavares [eleito pelo Livre] concorreu nesta plataforma e conseguiu.

O próprio PAN também. Apesar da quebra, elege uma deputada.
Mas são os votos que nós perdemos. Perdemos muito eleitorado nas Legislativas de 2022. Muito pela falha em passar a mensagem. E a mensagem do PAN, continuo a dizer, é fresca e faz muita falta ao nosso país.

Há um ano houve também um conjunto de 13 demissionários que deixaram a Comissão Política, e do qual o Nélson fez parte. Há pessoas desse leque que fazem parte da lista? A escolha foi natural?
A grande maioria dessas pessoas estão na nossa lista. A escolha dos nomes foi muito simples. O movimento Mais PAN é orgânico, nasceu da tentativa de convocatória do congresso extraordinário que era para apurar responsabilidades e legitimar politicamente a direção, que com o resultado das Legislativas viu esgotada a sua moção global de estratégia. E também para corrigir a questão do chumbo dos estatutos pelo Tribunal Constitucional. É grave que um partido como o PAN ainda não o tenha conseguido fazer, mesmo que fosse só um congresso estatutário. O movimento Mais PAN surgiu daí, teve muitas pessoas que se foram juntando. Depois, a escolha dos nomes foi natural e simples porque muitas dessas pessoas estão no movimento desde o início desta corrente alternativa. Além disso, houve históricos do partido, que partilham da nossa mensagem e quiseram juntar-se à lista.

"Não cabe na cabeça de ninguém vir dizer que o PAN, em 2023, com um crescimento brutal, fizesse parte de um governo, a não ser que fosse levado para um governo."

Quem?
Temos, por exemplo, um dos históricos do PAN, o Rui Alvarenga, que já fez parte de outras Comissões Políticas Nacionais, que pensa o partido. Tem ideias muito concretas sobre a estrutura do partido. E temos também pessoas muito influentes, como o caso de Rui Prudêncio, que não só foi funcionário do partido, como foi também uma das pessoas que mais contribuiu politicamente para o pensamento do PAN nos últimos anos. É uma pessoa muito acarinhada e respeitada. Temos também a Alexandra Miguel Gomes, muito conceituada na causa animal, que é uma das críticas que nos têm sido feitas e que nunca vou chegar a perceber. A causa animal sempre foi fundacional, vai ser sempre uma causa fundamental para o PAN. A única coisa que sempre dissemos é que temos de dar uma importância igual às outras causas e bandeiras que defendemos. A causa animal na nossa lista está muito bem representada, com ativistas legais e jurídicos dessa área.

O que precisa ser feito neste momento dentro do PAN?
Desde já, o mais imediato e urgente é repor a democracia interna do partido. Temos uma estrutura partidária que não convida a um ato transparente. Por exemplo, a nossa proposta de alteração dos estatutos, que acompanha a candidatura, visa um congresso em que a eleição do porta-voz e a eleição da Comissão Política Permanente (CPP) não abafem o tema do congresso. Defendemos que a eleição da CPP deve ser feita ou após ou pré-congresso. O congresso devia ser um sítio para discutir orientações estratégicas políticas, que não seja como em 2021, quando mais de metade do tempo foi passado a discutir pessoas e quem é familiar de quem na lista da Comissão Política Nacional (CPN) ou no Conselho de Jurisdição Nacional (CJN). O congresso deve ser para discutir política, estratégia, alterações estatutárias. E estar a remover a eleição de listas, porta-vozes, etc., é estar a retirar esse peso do congresso e, realmente, dar primazia àquilo que deve ser debatido. Outra alteração importante é que cada filiado deve ter um voto, que pode ser transferível. Num partido tão pequeno como o PAN, que tem poucos filiados em comparação com outros, não faz sentido estarmos a elaborar listas de delegados para estes votarem para CPN, CJN, etc. Os delegados fazem sentido, por exemplo, para votarem moções setoriais. Agora, para votar listas de CPP, CPN ou CJN? Deve ser por sufrágio universal.

Em entrevista ao DN, a outra candidata e atual porta-voz, Inês Sousa Real, afirmou que há espaço e abertura para dialogar com a vossa lista, caso seja essa a intenção. Como vê essa abertura? Está disponível para dialogar?

O PAN, tradicionalmente, e isto nas palavras da atual porta-voz, é um partido que sempre dialogou. E, como partido que sempre dialogou com outras forças partidárias e associações civis, internamente devia fazer o mesmo. A disponibilidade da nossa lista é sempre para dialogar. Sempre foi. Vejo com estranheza essa disponibilidade, mas abraço-a, quando neste último ano e meio não houve uma palavra da porta-voz nem dos membros da direção. Mas se agora houver esse interesse, estaremos aqui para abraçar a oportunidade.

Se for eleito, vai manter a deputada única? Como será feita a gestão desse ponto? Atualmente, a porta-voz é deputada e isso pode mudar.

Isso é uma questão que já me foi colocada noutras ocasiões e para mim é muito claro. Uma coisa é o partido político, é o PAN. O próximo mandato da CPN vai ter de ser virado para a estrutura do partido, para devolver o PAN às bases e dar-lhes força. Isso vai exigir muito foco. Outra coisa é a representação parlamentar do partido. Aquilo que estamos aqui a discutir é apenas o partido PAN. Já tivemos outras ocasiões em que os dirigentes partidários não estavam no Parlamento e tinham uma relação saudável com a sua representação parlamentar e eu estou convicto de que é isso que vai ser feito: a ponte de diálogo vai ser estar sempre aberta e vamos, de certeza absoluta, trabalhar em conjunto com a deputada do PAN.

"Já tivemos outras ocasiões em que os dirigentes partidários não estavam no Parlamento e tinham uma relação saudável com a sua representação parlamentar e estou convicto de que é isso que vai ser feito."

O que faz falta em termos de propostas concretas na área animal, por exemplo? O que falta ao PAN?
O que temos visto do PAN ultimamente, neste ano e picos, é uma espécie de falta de estratégia política concreta. Temos uma ideologia muito particular, muito especial, que é a ecologia. E partindo dessa linha orientadora política, podemos definir um conjunto de propostas, seja para a causa animal, seja para justiça social ou até de nível financeiro. É uma direção em que o PAN tem de começar a caminhar, fazendo propostas nessa linha orientadora e não quase ad hoc como temos visto nos últimos tempos. Enquanto deputado único, o André Silva tinha uma linha orientadora política e tinha propostas que davam primazia a essa linha. Entretanto o PAN evoluiu a nível do seu pensamento. Temos agora um pensamento ecologista um pouco mais estruturado, que nos dá azo a fazer e a propor, por exemplo, a reforma fiscal efetivamente verde, que apoie os pequenos e médios empresários, que apoie as famílias, que aumente os rendimentos das famílias e, até, que prepare o país para as alterações climáticas e para a Revolução Industrial 4.0 - que continua aí em força e vai automatizar muitos setores. Obviamente que o PAN está na linha da frente com a sua ideologia política para fazer propostas realmente disruptivas, irreverentes e inovadoras neste sentido. É isso que falta ao PAN.

Quer exemplificar alguma?
Há uma medida no PAN, por exemplo, que foi aprovada em congresso, se não me engano em 2015, que é o projeto-piloto do Rendimento Básico Incondicional (RBI). Isto é algo que o partido já disse que quer seguir, e o PAN devia batalhar por isso. O RBI pode ser feito em várias fases e, por exemplo, numa primeira fase, por que não abordar as pessoas que vão ficar com os seus rendimentos reduzidos ou vão perder empregos devido à automação ou à inteligência artificial? Isso parece-me uma proposta inovadora, irreverente, e é uma proposta que até já foi aprovada em congresso. Então porque não levar isto para a frente?

E há espaço para essas propostas mais fora da caixa? Claro que temos um contexto de maioria absoluta, mas o IVA Zero foi aprovado recentemente e era algo pelo qual o PAN lutava.
O IVA Zero é algo que já no mandato passado o grupo parlamentar tentou fazer várias vezes. Sempre nos foi barrado pelo governo. Isso é uma vitória do partido que temos de celebrar. De facto, o PAN, como partido, conseguiu essa vitória, que é algo que já reivindicava desde os tempos do André Silva. Por isso, é bom perceber que, pouco a pouco, o PAN consegue até ter algumas destas vitórias mesmo com uma maioria absoluta [do PS]. No entanto, não é por os outros partidos acharem ou não darem essa abertura ao PAN que o partido deve limitar a sua estratégia política e a sua mensagem. Devemos sempre, sim, dialogar, chegar a consensos, chegar a acordos. Sem dúvida alguma. Mas , num contexto de maioria absoluta, em que temos uma proposta real para o país, não podemos ficar reféns daquilo que os outros partidos querem ou não fazer. Devemos batalhar pelas nossas propostas, levá-las a escrutínio e cada partido deve, depois, posicionar-se e pronunciar-se sobre a mesma. E é esse posicionamento que o PAN devia ter no Parlamento.

Que horizonte vê para o PAN até final da Legislatura e para lá desse prazo? O facto de haver duas listas candidatas à direção é um sinal de vitalidade e democracia interna?
Mencionou muito bem que o facto de ter duas listas a congresso é um sinal de vitalidade interna do PAN. Para conseguirmos chegar a duas listas no PAN houve muitos obstáculos que nós, enquanto militantes, não devíamos ter que enfrentar e que nos foram colocados pela direção. Vou dizer um: a última versão do regulamento de admissão de filiados, em janeiro, dá poder discricionário à direção que pode prender até seis meses, sem dar qualquer motivo, o processo de alguém que se quer filiar no PAN. Obviamente, este tipo de obstáculos foi algo que a nossa lista teve de ultrapassar e é um grande sinal de vitalidade que demos ao país, de maturidade, e espero que o último congresso de lista única no PAN tenha sido em 2021. E, desde já, independentemente dos resultados do congresso de 20 de maio, convido a que, no próximo, os filiados do PAN façam mais do que duas listas, que façam quatro. Temos uma alteração de estatutos que vai ajudar a simplificar esse processo, que vai abrir o PAN à sociedade. Mas, antes de mais, é preciso abrir o PAN aos filiados. Temos também prevista a criação do Conselho Nacional, que é uma entidade fiscalizadora do trabalho da direção e do trabalho político do partido. É absolutamente fundamental ter um órgão deste género entre congressos. Para finalizar, uma proposta que para nós também é muito importante é o reconhecimento e dar autonomia às regiões autónomas, dar-lhes dignidade dentro do partido, visto que isso é uma bandeira que o PAN sempre teve. Isso tem de estar patente, temos de começar a ser, de facto, um partido que defende para fora o que fazemos cá dentro. Se não for assim, que exemplo estamos a dar ao país?

Para terminar: que expectativa leva para o congresso de maio?
A expectativa é ganhar, claro, ter a maioria dos votos. Todos na nossa lista - e mesmo os que não estão - acreditamos convictamente que as pessoas do PAN vão saber distinguir entre o que é uma mera comunicação de nicho e o que é um projeto realmente alternativo, irreverente e disruptivo, que o PAN já foi e que queremos que o PAN se torne outra vez. Acreditamos e confiamos que os militantes do PAN vão ter esse discernimento e dar a vitória à nossa lista. Depois poderemos iniciar um trabalho de diálogo, porque, repare, a próxima CPN vai ter duas visões para o partido e até duas visões para o posicionamento do partido no país [os estatutos obrigam a que este órgão seja ocupado proporcionalmente em relação aos votos]. Isso é muito importante, é de louvar. Só isso já é uma vitória, que consideramos nossa porque fomos nós que nos chegámos à frente para este combate político são, como deve ser. A nível de futuro, acho que o PAN tem muito para dar e crescer. Um partido com bases fortes, com propostas irreverentes, e que volte a ser de referência no nosso país. Um partido com influência. O meu desejo é claramente esse e confiamos nos militantes do PAN, obviamente.

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