Mudam-se os tempos, mudam-se os cercos, os centristas tentam manter a confiança
É no Palácio de Cristal, onde o CDS fez o primeiro congresso, a 25 e 26 de janeiro de 1975, com os militantes e os convidados estrangeiros cercados por militantes de extrema-esquerda, que os centristas vão assinalar o 50.º aniversário do partido. Mudaram-se os tempos, o PREC serve para debates parlamentares de pendor histórico, e os centristas anunciaram que “o evento assumirá o formato de um sunset”, com Nuno Melo a fazer o encerramento às 18.00 horas, mas a ameaça do cerco permanece. Só nada tem a ver com jovens, com barba por fazer, a gritar contra alegados fascistas.
Regressado neste ano à Assembleia da República e ao Governo, de onde tinha saído desde, respetivamente, 2022 e 2015, o CDS tem agora dois deputados (Paulo Núncio e João Almeida), um ministro (Nuno Melo) e dois secretários de Estado (Álvaro Castelo Branco e Telmo Correia). E ainda uma eurodeputada acabada de eleger (Ana Miguel Pedro), bem como dois deputados regionais nos Açores e outros tantos na Madeira. Mas apenas os dois últimos foram eleitos em lista própria, após o corte com o PSD de Miguel Albuquerque antes das eleições antecipadas de 26 de maio.
O receio de que o CDS se torne o complemento direto do PSD, parceiro de governação privilegiado ao longo de décadas - após uma curta experiência ao lado do PS, no II Governo Constitucional, os centristas juntaram-se aos sociais-democratas na Aliança Democrática, no pós-guterrismo, no pós-socratismo em tempos de troika e no atual Executivo de Luís Montenegro -, é um dos problemas que se colocam ao partido no momento em que atinge o meio século. Mesmo a nível autárquico, além de seis câmaras municipais mantidas em listas próprias (das quais três têm presidentes que não se podem recandidatar em 2025, por limitação de mandatos), o CDS é parceiro de coligação em 41 câmaras lideradas pelo PSD (incluindo Lisboa, Cascais, Braga, Coimbra, Aveiro e Faro) e ainda no Porto, onde apoia o movimento de cidadãos de Rui Moreira.
Apesar de considerar que as Autárquicas do próximo ano são “muito importantes para a afirmação própria do partido”, o ex-presidente centrista José Ribeiro e Castro vê como “natural que se repitam listas em coligação e listas próprias”. E, face a recorrentes menções ao risco de o CDS se tornar um equivalente ao que o PEV tem sido para o PCP, recorda que em 1980, após a morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa em Camarate, “era voz corrente que a Aliança Democrática (AD) seria institucionalizada”. Algo que admite ter sido uma possibilidade se a coligação Portugal à Frente tivesse podido governar após as Legislativas de 2015, em vez de ser substituída pela geringonça que arrancou o ciclo de António Costa.
“É um cenário que não se pode pôr de parte, mas enquanto for partido autónomo deve zelar pelas posições autónomas”, diz, reconhecendo o bom trabalho do atual grupo parlamentar para que tal objetivo se cumpra.
Por seu lado, o ex-ministro e dirigente centrista Pedro Mota Soares defende que, mesmo tendo recuperado a representação parlamentar integrado na AD, o CDS “está no Parlamento a representar eleitores por mérito próprio”.
Referindo-se ao desaire de 2022, quando a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos não elegeu qualquer deputado, pela primeira vez na história do partido, garante que “muitos valores não estiveram representados” na Assembleia da República.
Numa conjuntura em que o “partido democrata-cristão aberto a liberais e a conservadores”, como o descreve Mota Soares, tem o Chega e a Iniciativa Liberal (IL) a disputarem-lhe eleitorado, com os liberais a poderem alterar o equilíbrio de poder no centro-direita ao entrarem nas coligações autárquicas encabeçadas pelo PSD, o CDS necessita de manter o “espaço próprio na sociedade portuguesa”. “Faz falta à democracia, e ao pluralismo, um partido que preza a justiça social e a criação e distribuição de riqueza”, defende o ex-ministro.
De igual forma, Ribeiro e Castro advoga como estratégia de afirmação uma agenda centrada em temas ligados à família, trabalho, Saúde e Educação. Mas faz distinções entre os novos partidos, pois considera que a IL “até pode melhorar a cobertura do espaço político”, mas vê no Chega “um partido que não serve para nada”.
Arco da governação
Olhando para cinco décadas de história do CDS, Ribeiro e Castro parafraseia Ortega y Gasset, ao dizer que “os partidos são eles e as suas circunstâncias”, destacando no percurso de um CDS nascido para ser rigorosamente ao centro, a forma como derivou para a direita após a ilegalização de outros partidos durante o PREC. Por seu lado, Mota Soares destaca o voto contra a Constituição, por ter sido uma afirmação de que “Portugal não estava condenado a ser uma República na direção do socialismo”.
Outro património que os centristas acreditam ser um trunfo para combater os novos cercos é o estatuto de terceiro partido que mais governou Portugal, desde os seus primeiros ministros, no segundo Governo de Mário Soares, que o elevou ao “arco governativo”, até às muitas coligações com o PSD, tendo o atual líder, Nuno Melo, no Ministério da Defesa.
“Ao CDS nada foi dado e tudo foi conquistado”, diz Mota Soares, antecipando que assim continuará a ser.
Ministros do CDS
II Governo
Vítor Sá Machado (Negócios Estrangeiros)
Rui Pena (Reforma Administrativa)
Basílio Horta (Comércio e Turismo)
VI Governo
Freitas do Amaral (primeiro-ministro interino, vice-primeiro-ministro e Negócios Estrangeiros)
Adelino Amaro da Costa (Defesa)
Morais Leitão (Assuntos Sociais)
Basílio Horta (Comércio e Turismo)
João Porto (Habitação e Obras Públicas)
VII Governo
Basílio Horta (Adjunto do primeiro-ministro)
Azevedo Coutinho (Defesa)
Morais Leitão (Finanças e Plano)
Bayão Horta (Indústria e Energia)
Luís Barbosa (Habitação e Obras Públicas)
XV Governo
Paulo Portas (Estado e Defesa)
Celeste Cardona (Justiça)
Bagão Félix (Segurança Social e Trabalho)
XVI Governo
Paulo Portas (Estado, Defesa e Assuntos do Mar)
Bagão Félix (Finanças)
Luís Nobre Guedes (Ambiente e Ordenamento do Território)
Telmo Correia (Turismo)
XIX Governo
Paulo Portas (Vice-primeiro-ministro, Estado e Negócios Estrangeiros)
António Pires de Lima (Economia)
Assunção Cristas (Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território)
Pedro Mota Soares (Solidariedade e Segurança Social)
XX Governo
Paulo Portas (Vice-primeiro-ministro)
Miguel Morais Leitão (Economia)
Assunção Cristas (Agricultura e Mar)
Pedro Mota Soares (Solidariedade, Emprego e Segurança Social)
XXIV Governo
Nuno Melo (Defesa)