Ministro obriga IGAI a publicar dados de crimes cometidos por polícias e condenações

José Luís Carneiro exige mais transparência nas decisões disciplinares contra polícias e entende que a Inspeção-Geral da Administração Interna deve publicar na íntegra todas as decisões de processos instaurados e divulgar informação estatística detalhada sobre os ilícitos disciplinares e criminais cometidos.
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Quantos polícias condenados por crimes graves continuam ao serviço? Quantos foram expulsos por ter sofrido condenações e por que tipo de crimes? Que sanções disciplinares lhe foram decretadas? Qual a fundamentação das decisões da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI)?

Todas estas questões, que o DN já tinha levantado e em relação às quais não havia dados públicos, podem vir a ter, finalmente, resposta.

Numa medida inédita, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, decidiu ordenar à IGAI, dirigida desde 2019 pela juíza desembargadora Anabela Cabral Ferreira, que passe a publicar toda a informação relativa às suas decisões, bem como dados estatísticos detalhados sobre os ilícitos criminais cometidos por polícias e suas condenações relacionadas com os factos dos processos disciplinares.

Num despacho a que o DN teve acesso, José Luís Carneiro determina que, salvaguardados "os princípios e normas relativos à proteção dos segredos, da reserva da intimidade da vida privada e familiar e do tratamento de dados pessoais", a IGAI deve publicar "na íntegra, no seu sítio oficial na internet, todas as decisões disciplinares proferidas em processos disciplinares por si instruídos", sendo que deve ser disponibilizada publicamente essa informação a contar de 1 de janeiro de 2022.

A IGAI, criada em 1996 para fiscalizar as polícias tuteladas pelo ministério da Administração Interna (MAI), será ainda obrigada, também a partir da data referida, a divulgar na sua página da internet "a informação estatística relativa à atividade por si desenvolvida em matéria disciplinar".

Estes dados estatísticos, principalmente os que dizem respeito às questões criminais, vão ter detalhes que nunca tinham sido antes divulgados e que o Ministro considerou "informação estatística relevante":

1. Número de processos criminais pendentes no Ministério Público ou em Tribunal
associados a processos disciplinares (por anos e entidades MAI);

2. Número de condenados em processos criminais associados a processos
disciplinares (por anos e entidades MAI);

3. Número e tipos de ilícitos disciplinares (por anos e entidades MAI, de acordo
com o catálogo constante dos vários regimes disciplinares);

4. Número e tipos de ilícitos criminais associados aos ilícitos disciplinares (por
anos e entidades MAI, de acordo com o catálogo constante do Código Penal e
da legislação penal extravagante);

5. Número e tipos de penas disciplinares (por anos e entidades MAI);

6. Número e tipos de penas criminais associadas a processos disciplinares (por anos e entidades MAI);

7. Número e tipos de penas disciplinares acessórias (por anos e entidades MAI);

8. Número e tipos de penas criminais acessórias associadas a processos
disciplinares (por anos e entidades MAI);

9. Número e tipos de medidas cautelares disciplinares (por anos e entidades MAI);

10. Número e tipos de medidas de coação criminais associadas a processos
disciplinares (por anos e entidades MAI);

11. Número de processos arquivados (por anos e entidades MAI), bem como as
causas do respetivo arquivamento.

O ministro da Administração Interna não só quer ver divulgadas todas as decisões, como obriga também a IGAI a publicar a "taxa de resolução processual dos processos disciplinares (por anos e entidades MAI), assim como a duração de cada processo por "intervalos temporais".

Além da ausência de dados relativa aos ilícitos criminais, principalmente aqueles mais graves ocorridos no exercício de funções (caso esquadra de Alfragide / Cova da Moura em relação ao qual polícias condenados não foram alvo de sanções disciplinares), a IGAI também não publica, nem facilita acesso, a processos disciplinares individuais, que a lei determina serem públicos a partir da acusação ou arquivamento. Apenas coloca alguns, raros, online, sem que se perceba o critério.

Chamado ao parlamento para responder a perguntas dos deputados a propósito do discurso de ódio nas forças de segurança (na sequência da publicação das reportagens do Consórcio de Jornalismo de Investigação sobre comentários e posts de polícias em grupos fechados nas redes sociais), José Luís Carneiro também foi questionado por deputados sobre esta matéria.

No preâmbulo do despacho, José Luís Carneiro invoca "os princípios constitucionais democrático-participativos e da justiça", bem como "o princípio da transparência administrativa, com refrações nos princípios da colaboração da Administração com os particulares e da participação dos particulares na gestão da Administração".

Lembra que estes princípios "implicam que a Administração comunique aos cidadãos o sentido das suas decisões, promovendo a sua compreensão e aceitação pelos administrados, a confiança dos cidadãos na imparcialidade da Administração e, em último caso, a legitimação da atividade administrativa".

Sublinha que "o direito de acesso à informação procedimental por parte dos interessados e o direito de acesso à informação administrativa, incluindo por não interessados, são direitos fundamentais dos administrados, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias" concretizados na "Lei de Acesso aos Documentos Administrativos".

Finalmente, dá o exemplo do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, a nível nacional; do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a nível internacional, os quais "num exercício de prestação de contas da atividade judicial, têm uma longa tradição de publicação nos seus sítios na internet de decisões judiciais de diversa índole".

Na mesma linha, nota ainda José Luís Carneiro, "a Procuradoria-Geral da República publica no seu sítio na internet as decisões do Conselho Superior do Ministério Público proferidas em matéria disciplinar".

É preciso zelar "pela aplicação, monitorização e sancionamento das atitudes [que dentro das polícias] atentem contra os valores fundamentais", porque "estamos a falar daquilo que é um dos princípios fundamentais do Estado de direito - a função da segurança, que é um dos primeiros objetivos do contrato político entre os cidadãos e o Estado", tinha dito o ministro da Administração Interna na já referida audição parlamentar.

Tomou agora medidas para que o escrutínio sobre a ação do Estado em relação a esses comportamentos possa ser feito.

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