Milhares nas ruas de Lisboa. "Esta luta não vai parar"

No centro da capital, CGTP pediu melhores salários e condições de trabalho. Novo protesto está marcado para dia 28.

São 365 quilómetros aqueles que separam o centro de Guimarães do Marquês de Pombal, em Lisboa. Foi essa a distância que José da Cunha, 75 anos, percorreu para estar este sábado na capital. O som de fundo enquanto falamos não deixa dúvidas do que ali o traz. Os gritos de protesto, acompanhados do rufar dos tambores, ecoam no centro de Lisboa. Ouvem-se vários pedidos: "Queremos paz, pão e habitação"; "o custo de vida aumenta, o povo não aguenta"; "para o país avançar, o salário a aumentar".

As preocupações que trazem o antigo eletricista de Guimarães até Lisboa são as mesmas. Não é a primeira vez que marca presença numa manifestação deste género, diz. Mas "a falta de respeito por quem trabalha" motivou-o a sair de novo à rua. "Trabalhei durante vários anos, sempre com salários baixos. Sofri por antecipação, porque a reforma agora é também baixa e o custo de vida é insuportável", lamenta. Frisando que não é "especialista em economia", José da Cunha considera que o argumento do governo para não aumentar salários (iria agravar a crise inflacionista, segundo o Executivo) não é uma desculpa. "Não é retirando o ordenado ou encarecendo os combustíveis, por exemplo, que isto recupera. Pelo contrário, com a falta de dinheiro, a economia estagna". E tabelar preços de bens essenciais, por exemplo? "Para isso era preciso termos outro governo. Este - e os outros que o antecederam - não querem tabelar. Querem que o capital seja cada vez mais capital e os pobres mais pobres. E estamos nisto há muito tempo".


A manifestação deste sábado (um dia depois da greve da Função Pública), organizada pela CGTP, teve dois pontos de encontro: um para os trabalhadores da administração pública (Amoreiras); outro para os trabalhadores do setor privado (Saldanha). Os dois lados confluíram e uniram-se, depois, no Marquês de Pombal, de onde desceram até à Praça dos Restauradores.

Aos 30 anos, João Canas é candidato ao Doutoramento em Políticas Públicas, na Universidade de Aveiro. Mais jovem do que José, mas igualmente preocupado. "Há uma série de respostas políticas que não chegam e que deviam ser dadas perante certos problemas", diz. Tais como? "A habitação, os salários baixos ou a valorização do SNS, por exemplo."

"As respostas que nos dão são sempre as mesmas: ou agrava a espiral inflacionista, ou não há dinheiro porque se tem de pagar uma dívida que é completamente irrazoável e cujo limite está estabelecido no que o Banco Central Europeu quis. Essa bitola é sempre usada como justificação", critica. Tabelar preços, considera, "seria parte da solução", mas não resolveria tudo.

"Não precisam de apoio, precisam é de salários"

Antes dos Restauradores - no Marquês de Pombal e ao longo de toda a Avenida da Liberdade - várias foram as intervenções políticas feitas.

A primeira coube ao Bloco de Esquerda, pela coordenadora Catarina Martins. Ainda no Marquês, a líder bloquista acusou o governo de não ter cumprido o que prometeu. "Foi anunciado que havia acordos salariais para aumentos. No público, foi anunciado um aumento, mas afinal o que aumentou foi a massa salarial. E muito abaixo da inflação", apontou, atirando de seguida: "É preciso um país que respeite quem trabalha."

Logo ali ao lado, dois deputados do Chega, representado na manifestação da CGTP (central sindical tradicionalmente influenciada e associada ao PCP) por Bruno Nunes e Rui Paulo Sousa. Surpresa? "Não há", diz o primeiro. "O Chega não vem a uma manifestação da CGTP", clarifica, dizendo que o partido estava ali "ao lado do povo português", recusando eventuais acusações de oportunismo. Criticando o governo pela falta de respostas, Bruno Nunes defendeu que mais do que aumentar salários, é preciso "um controlo efetivo" do mercado. No final da declaração - em que foram deixadas críticas ao governo pela falta de resposta -, os deputados foram recebidos com muita contestação de quem por ali estava, incluindo insultos, e não se juntaram ao desfile.

A meio da marcha, junto ao Centro de Trabalho Vitória, na Avenida da Liberdade, foi a vez do secretário-geral do PCP falar. Considerando que "a emergência nacional" que é o aumento do salário "é uma batalha completamente ganha do ponto vista teórico", mas que "agora é preciso passá-la à prática", Paulo Raimundo fez exigências ao governo: "Direitos, dignidade e respeito". "O problema não é o apoio. O problema é que esta gente trabalha todos os dias, põe o país a funcionar, é deles que depende a economia e portanto eles não precisam de apoio, eles precisam é de salários, aquilo que merecem", apontou o líder comunista.

Já nos Restauradores, foi a vez de Isabel Camarinha, líder da CGTP, intervir. Num discurso de cerca de 20 minutos (num palco onde estava Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof), a sindicalista garantiu: "Esta luta não vai parar enquanto não tivermos garantidos o aumento dos salários e das pensões e as nossas reivindicações. Os problemas, necessidades e anseios dos trabalhadores não podem ficar à espera". Fonte da organização não avançou qualquer número de manifestantes, mas Isabel Camarinha apontava para "seguramente mais de 100 mil."

Antes, falara Gonçalo Paixão, em representação dos jovens trabalhadores, um movimento dentro da CGTP, que também deixou críticas ao Executivo - "basta de empobrecer a trabalhar" foi o mote da intervenção - e anunciou uma saída à rua deste movimento no próximo dia 28 de março.

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