"Mentir é uma característica vincada, intrínseca mesmo, faz parte do ADN do PS"

Líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Rodrigo Saraiva, afirma que o "problema do PS e de António Costa é que não dizem a verdade, passam a vida a mentir". O partido só aceita alianças pós-eleitorais com o PSD. Fundador diz que ainda falta "capacidade reformista" aos sociais-democratas de Montenegro.

Porque é que diz que não há nada de estrutural neste Orçamento do Estado?
Há um problema de ausência de reformas estruturais, de opções estruturais, e há um problema de opções do próprio orçamento. É um orçamento em que divergimos logo nas análises feitas. E mesmo nas opções que são tomadas neste Orçamento também temos fortes discordâncias. É um orçamento que está demasiado obcecado com a dívida, não tem um grande mal à partida, mas não responde à grande dúvida pública e política que é como se põe Portugal a crescer. E mesmo na questão de como gerir a dívida, também temos uma divergência. Porque se existissem políticas de crescimento, por exemplo, bastava crescermos 1% acima e alcançaríamos na mesma o objetivo de gestão da dívida que o orçamento prevê.

E quais são as propostas da Iniciativa Liberal?
Não acreditamos que seja possível recompor este orçamento, um orçamento que nasce socialista não vai acabar liberal. Tomámos como opção, e tornámos público, que não vamos contribuir para aquilo a que chamamos um campeonato de fita métrica de spam.

Não repetem as cento e tal propostas como no anterior?
Não vamos contribuir para isso, não vamos contribuir para aquela narrativa que o PS tenta transparecer de que é uma maioria dialogante. Se se poderia ser dado esse benefício da dúvida há seis meses atrás, estes últimos seis meses e o anterior processo orçamental, demonstraram que isso é falso.

Falso?
As medidas que foram aprovadas de outros partidos no último processo orçamental, praticamente não têm impacto orçamental, foram para inglês ver.

E medidas da Iniciativa Liberal?
Vão existir e depois, no final, veremos. Se o PS as aprovar, aí poderá dar um sinal de que poderá querer mexer estruturalmente em algumas áreas, porque as propostas que vamos apresentar mexem estruturalmente com o caminho a seguir.

Exemplos?
O exemplo maior disso é o do IRS.

A taxa única até ao quinto escalão?
Sim, desde que chegámos à Assembleia da República, nos últimos dois anos e meio, já fomos apresentando algumas alterações e adaptações. Vamos fazer ligeiras adaptações para responder a algumas desculpas para não votarem a favor dessa proposta.

Qual é o sentido que faz uma pessoa do primeiro escalão ser taxada de igual forma como a do quinto escalão? Onde está a progressividade?
A progressividade está nas isenções e na taxa média.

Explique como.
O impacto real de quem ganha 100 ou de quem ganha 1000 é diferente. As pessoas têm dito que estamos a tratar de igual forma, mas a nossa proposta-base não trata de igual forma os vários rendimentos. Cumpre o princípio constitucional da progressividade, tem uma taxa de 14,5 para os rendimentos mais baixos e os outros permanecem na taxa que existe.

Mas como é que há progressividade entre o primeiro e o quinto escalão se a taxa é exatamente a mesma?
Entre o primeiro e o quinto não há, vão ser tratados de igual forma como se de um único escalão se tratasse.

E faz sentido taxar da mesma forma quem ganha menos e quem ganha mais?
Mas o problema deste país é que, nos últimos anos, e não reformando estruturalmente, temos um salário mínimo cada vez mais próximo do salário médio. São famílias que estão a passar dificuldades, portanto, vamos continuar a querer tratar diferente aquilo que não o é? Não podemos continuar a achar que entre o primeiro e o quinto escalão há uma diferença abismal, porque não há. São todos portugueses que estão a passar dificuldades, portanto, tratar de igual forma em termos percentuais, não há problema.

Qual é o impacto que isso terá na coleta do IRS?
As nossas propostas têm sempre partido desse pressuposto e temos estado a adaptar alguns pormenores, mas quando submetermos a proposta diremos qual será o impacto orçamental que terá.

Mas não há muitas contas a fazer ou há?
Se há coisa de que a Iniciativa Liberal não pode ser acusada é de não apresentar contas de impacto orçamental nas propostas que apresenta.

E qual é?
Estamos a adaptar a proposta e, portanto, temos de adaptar também as contas [o impacto estimado pela IL para 2022 era de 2 mil milhões de euros] que estavam feitas para a primeira proposta.

Adaptar o quê?
É adaptar as percentagens, as taxas marginais dos restantes escalões serão ajustadas para que nas taxas médias estes escalões não sejam prejudicados, nem haja ganhos nos maiores salários e depois o impacto que isso terá a nível orçamental. Sempre que apresentámos propostas, quer em programas eleitorais, quer na Assembleia da República, apresentámos sempre contas e definimos o impacto orçamental que essas propostas teriam. Acho muito bem que perguntem, mas perguntem a todos, porque normalmente essa pergunta só é feita a quem defende baixa de impostos.

Estou a entrevistá-lo a si, não os outros.
Há pessoas que defendem aumento de despesa e nunca lhes perguntam qual será o impacto orçamental disso. Quando começar o período de apresentação de propostas do Orçamento do Estado, apresentaremos essa e iremos também apresentar outras.

Quantas?
Estamos a falar entre uma e duas dúzias de propostas, não mais que isso.

Defendem um sistema misto para a Segurança Social. Como é que isso se faz?
O sistema atual de Segurança Social não é sustentável, há vários estudos nacionais e internacionais que já o demonstraram. Penso que só o BE continua a negar isso. A primeira coisa que defendemos é que, mesmo quem defende a manutenção do sistema atual, diga a verdade. Como vimos neste último decreto do Governo das propostas de emergência do Famílias Primeiro, na questão das pensões, mentiram. Mentiram no IVA da eletricidade e mentiram nas pensões.

Onde está a mentira?
O IVA da eletricidade não era para toda a gente, era só num escalão e para alguns consumos e nas pensões nunca assumiram que estavam a cortar pensões, nem o impacto que isto teria em 2023. Mentiram ou não quiseram dizer a verdade, é um eufemismo. A primeira coisa que devia acontecer era dizerem a verdade e assumirem, porque nós não temos nenhum problema em dizer que o sistema atual é insustentável.

E como é a vossa proposta?
O sistema que temos significa que a contribuição individual de todos os portugueses vai para um bolo global que depois é distribuído. O que defendemos, à semelhança do que acontece noutros países, é um sistema em que há uma parte em que obrigatoriamente cada um dos portugueses tem de fazer um sistema de poupança da sua própria reforma, e esse ele sabe que é a garantia do seu rendimento futuro, e a outra parte decide se também a quer pôr na poupança ou não. A terceira parte vai para um bolo global.

Três parcelas?
Exatamente, uma parcela global, uma parcela para o próprio e a terceira a pessoa decide no momento se quer ficar com aquele rendimento ou se quer colocá-lo na sua poupança.

Qual é o impacto imediato nas contas da segurança social?
Das várias reformas que defendemos, esta é talvez a que tem mais custos financeiros e orçamentais imediatos e ao longo do tempo. Tem de haver um período de transição e é necessário fazer as contas certinhas para perceber qual é esse período.

O que significa que o Estado só fica com um terço?
Pode ser metade ou pode ser um terço, são pormenores a ver. Falamos em três como possibilidade e como exemplo, mas há uma parte que fica para o bolo global e a outra parte é a reforma de cada pessoa e cada um faz a sua escolha.

Tem um impacto de um terço ou de 50%, mediante as opções?
Sim, mediante as opções. Se os outros partidos também reconhecessem que o atual sistema é insustentável e entrassem num processo de encontrar uma alternativa, haveria margem de manobra para que todos pudessem chegar a um ponto comum para encontrar um novo sistema, com um período de transição definido.

Qual é a vantagem desse sistema?
É termos um sistema sustentável e garantir reformas e pensões a cada uma das pessoas.

Porque é que é mais sustentável?
Porque o atual é insustentável, vai rebentar, não vai haver dinheiro para reformas nem pensões. O novo sistema será diferente, será sustentável, e garante que à partida os portugueses sabem que há um valor que é seu em que ninguém mexe.

Mas é menor o volume de dinheiro a entrar no Estado.
Sim, mas isso vai garantir que há mais dinheiro no bolso das pessoas e essa é sempre a nossa preocupação. Há outros países dados como bons exemplos nas políticas sociais e fiscais que têm este sistema, como a Holanda e alguns dos países nórdicos.

Qual é a política de alianças da Iniciativa Liberal?
É um debate que certamente terá de existir, mas a minha visão à data de hoje é que no espectro parlamentar, há um partido com quem vejo ser possível sentarmo-nos e trabalharmos para construir uma alternativa ao PS, que é o PSD. Isso não quer dizer que seja numa lógica pré-eleitoral, porque não estou a ver num horizonte próximo que a Iniciativa Liberal, sobretudo em termos legislativos, venha a estar num processo de coligação pré-eleitoral.

O PSD é o único parceiro que a Iniciativa Liberal coloca na equação?
Da atual representação parlamentar, sim.

A mesma lógica aplica-se nas eleições da Madeira em 2023 e dos Açores em 2024?
Não é possível fazer analogias diretas entre as legislativas nacionais para assuntos regionais que têm as suas dinâmicas próprias. Se nos Açores o papel da Iniciativa Liberal foi fundamental na construção de uma alternativa a um poder praticamente de maioria absoluta, durante 24 anos, do Partido Socialista, na Madeira a Iniciativa Liberal está em oposição a um regime de quase 50 anos do PSD.

Até faria sentido uma coligação pré-eleitoral nos Açores dadas as circunstâncias atuais?
Não, também não acredito que haja isso, porque aí aplica-se o princípio que temos de que cada um vai às eleições com o seu perfil, com as suas convicções, com as suas soluções e com o seu programa.

Na Madeira, em tese, a Iniciativa Liberal até poderia ter uma coligação pós-eleitoral com o PS para derrubar o PSD?
Tenho fortíssimas dúvidas disso. O cenário é diferente na relação com o PSD, mas o problema na Madeira é que todos os outros têm o socialismo dentro de si e nós somos uma oposição ao socialismo.

Mesmo havendo a possibilidade de destituir o PSD do poder ao fim de quase 50 anos?
Para trocar para algo pior?

Seria algo pior?
Sim, na Madeira também. No continente, não haja dúvidas de que só há uma alternativa ao Governo do PS com um PSD e uma Iniciativa Liberal com força para isso acontecer.

Seria possível haver um acordo pré-eleitoral que envolvesse PSD, Iniciativa Liberal e Chega?
Não, não, de todo. Fico estupefacto como é que nos continuam a perguntar isso, aliás, João Cotrim Figueiredo já o repetiu várias vezes, não é possível de todo. Volto a dizer que fico estupefacto que nos continuem a perguntar isso, quando já dissemos que isso não vai acontecer.

Linha vermelha em definitivo?
Sim, não há outro cenário. Com um partido como o PSD pode haver diversos cenários e também depende das lideranças que vai tendo, por exemplo, um PSD com Luís Montenegro está a demonstrar que tem diferenças da liderança de Rui Rio.

Quais são as diferenças entre o PSD de Rio e o PSD de Montenegro?
Mais acutilante agora, mais energético também, mas para outras diferenças tem de ser dar tempo a esta nova liderança do PSD. Aquilo que desejamos é que o PSD volte a demonstrar a vontade reformista que já teve noutros tempos da história política portuguesa. E para o conseguir, tem de fazer um exercício interno de reduzir ou acabar com a dependência que há dos aparelhos e das lógicas internas, como se viu recentemente no município de Lisboa.

O que é ter uma capacidade reformista?
Vontade de reformar. Houve um exemplo muito recente na Assembleia da República, chegou uma petição para o ensino superior politécnico passar a ser considerado ensino superior politécnico universitário e ter condições para poder dar doutoramentos. Só houve um partido a votar contra isso e foi o PSD e perguntamo-nos porquê? Cedeu ao lobby dos reitores? Porque é que não votou a favor disso se é uma reforma?

Percebeu a razão?
Não, não consegui perceber. Este é um exemplo bastante recente nesta legislatura dessa incapacidade reformista do PSD, uma capacidade que o PSD perdeu. E capacidade reformista é combater corporativismos, é combater o centralismo, é combater o paternalismo, é combater o imobilismo. Os portugueses estão cansados de centralismo, de paternalismo e de imobilismo, e por isso é natural que vejam na Iniciativa Liberal uma alternativa ao estado das coisas.

Esses são os defeitos de PSD e PS?
Sim, claramente. Podemos fazer uma análise deste Governo e dos últimos seis meses, mas não podemos deixar de analisar os últimos sete anos em que o primeiro-ministro é o mesmo. Nem podemos deixar de analisar governos PS que governaram Portugal 20 anos dos últimos 27. O PS gosta muito de sacudir a água do capote e atribuir responsabilidades a terceiros ou a fenómenos fora do país. Facilmente se agarra a acontecimentos externos para desculpar a sua incapacidade ou a sua falta de vontade de fazer reformas.

E o fenómeno internacional da Liz Truss, não deixa a Iniciativa Liberal preocupada?
Não percebo porquê, aquilo que a Liz Truss fez não era algo que faríamos. O que é que ela fez, pergunto eu? Foi aumentar despesa e foi o impacto de reduzir impostos e aumentar despesa que deu o problema que deu.

Aquela receita nunca seria aplicada pela Iniciativa Liberal?
​​​​​​​Não. O que se viu foi um número propagandístico de António Costa que alguns replicam como se fossem uns papagaios do regime. Aquilo não se aplica, nunca viram nem vão ver a Iniciativa Liberal a apresentar aquilo que foi apresentado no Reino Unido.

Onde é que está o erro ali?
No aumento de despesa. Aliás, António Costa que gosta muito dessas comparações internacionais, deveria ir ver o discurso do seu primo britânico, o líder do Labor, que defendeu no seu último discurso baixar impostos. Convém mesmo que António Costa leia o Financial Times e que não se limite a levantar o Financial Times quando algum assessor lhe diz para o fazer. Convém que leia, que se informe do que se passa nos outros países.

Ficou incomodado?
Incomoda-me que tenhamos um primeiro-ministro a fazer estes números num debate parlamentar que é pouco sério. Mais uma vez, ainda há pouco disse isto relativamente à Segurança Social, o problema do PS e de António Costa é que não dizem a verdade. Passam a vida a mentir, tal como na Segurança Social e nestes números de debate parlamentar. Uma das características do PS é não falar a verdade, isto é um eufemismo para mentir. O PS mente e o último decreto de combate à inflação foi notório. Fomos os primeiros, nem foi preciso mais de cinco minutos, a dizer que o PS está a mentir e nas horas seguintes fomos muito ativos em demonstrá-lo. E ficou claro nos dois ou três dias seguintes que estavam a mentir na questão das pensões.

É uma característica?
Mentir é uma característica vincada, intrínseca mesmo, faz parte do ADN do PS. Por isso, não se podem desresponsabilizar de governarem, ou desgovernarem, Portugal em 20 dos últimos 27 anos. Talvez por isso não deva ser indiferente que nos últimos 27 anos, outros países europeus que aplicaram políticas liberais, ultrapassaram Portugal nos rankings económicos todos. As coisas não são por acaso.

artur.cassiano@dn.pt

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