Mariana Mortágua pressiona Pedro Nuno Santos com o "virar de página da maioria absoluta"

Mariana Mortágua pressiona Pedro Nuno Santos com o "virar de página da maioria absoluta"

Bloquista fez duras críticas ao "desastre" das políticas dos governos de António Costa na saúde e da habitação, com o secretário-geral do PS mais hábil a rebater as segundas do que as primeiras. Para o final ficou o "repto" de Mortágua para a estabilidade à esquerda que Santos dizia nunca ter sido feito.
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Na mesma noite em que o cantor Pedro Abrunhosa apontou "chico-espertice" ao Bloco de Esquerda por se ter apropriado do título da sua canção "Fazer o que Ainda não foi Feito" como slogan eleitoral, a coordenadora desse partido, Mariana Mortágua, terminou o debate com o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, a afirmar que não vai haver maioria absoluta a 10 de março, pelo que "a única hipótese de haver uma solução estável é haver um entendimento com a esquerda". No início, ao ser inquirido por João Adelino Faria sobre se evitava falar em coligações com os bloquistas por temer perder votos, o líder socialista dissera que não lhe foi feito "nenhum repto".

Apesar do apelo à convergência pós-eleitoral para acabar o debate, Mariana Mortágua entrou a matar na avaliação negativa do legado dos últimos anos de governação socialista, defendendo desde o primeiro momento a responsabilidade de a esquerda encontrar uma solução de estabilidade para o "virar da página" nas políticas da maioria absoluta no que toca à saúde, à habitação e aos salários.

Pouco se falou nesse terceiro vértice ao longo da meia hora seguinte, mas no que toca à saúde o diagnóstico da coordenadora do Bloco de Esquerda incluiu a palavra "desastre", consubstanciada em urgências fechadas, um Serviço Nacional de Saíde "dependente de tarefeiros e de horas extraordinárias" e com um milhão de portugueses desprovidos de médico de família. "O PS escolheu não atrair profissionais de saúde", disse Mortágua, acusando as políticas da maioria absoluta de "agravarem os problemas das pessoas".

Tão incisivas críticas ocorreram, diga-se de passagem, ainda antes da parte do debate que o moderador pretendia dedicar à saúde. Quando chegou esse momento, Pedro Nuno Santos quis ser conciliatório. "Não tenho dúvidas de que o PS e o Bloco de Esquerda querem defender o Serviço Nacional de Saúde", disse o secretário-geral socialista, para quem a salvação não passa apenas por melhorar as carreiras dos profissionais, mas também por mudanças organizacionais que resultem no reforço dos cuidados de saúde primários, em centros de saúde equipados com meios complementares de diagnóstico e num acréscimo de autonomia para os hospitais.

Sobre o que correu mal na governação socialista no sector da saúde, Santos contrapôs que "o Serviço Nacional de Saúde está a produzir mais do que nunca", mas precisa de se adaptar às necessidades de uma população cada vez mais envelhecida. E, instado pelo moderador do debate a dizer se exclui o regresso das parcerias público privados, nomeadamente se houver oportunidade de fazer um acordo com o Bloco de Esquerda, referiu que "não há dogmas" mas que acredita que o acréscimo de autonomia às administrações hospitalares públicas resultará também em bons resultados.

Implacável com o adversário, Mariana Mortágua acusou o programa eleitoral do PS de "ter poucas contas e poucas metas na saúde", avançando ela própria com alguns números, como os dez mil enfermeiros que considera estarem em falta ou os apenas 6% de médicos que recorreram ao regime de dedicação plena. Este voltou a ser comparado negativamente pela bloquista com a proposta do seu partido de avançar para a dedicação exclusiva, vista como essencial para atrair e reter profissionais de saúde, sem que precisem para isso de fazer mais horas extraordinárias.

Correu melhor ao secretário-geral do PS a parte do debate dedicada à habitação. Pedro Nuno Santos defendeu bem a impossibilidade de o acionista Estado obrigar a administração da Caixa Geral de Depósitos diminuir spreads para o alegado "efeito de arrastamento" aos outros bancos no crédito à habitação que tem sido exposto por Mariana Mortágua. E não se esqueceu de referir que os lucros do banco público resultam em dividendos para o Estado que, por sua vez, são utilizados na construção de habitação. 

No que toca à proibição de venda de casas a não residentes, apontada pela coordenadora bloquista como a forma de baixar os preços no mercado imobiliário português, Santos afirmou que o Bloco de Esquerda "diagnostica os problemas mas não apresenta boas soluções". No caso concreto, argumentou que não só as exceções da Dinamarca e de Malta - apontadas por Mortágua em debates anteriores - decorrem de derrogações de tratados europeus a que Portugal não pode aceder como acrescentou que, mesmo assim, os preços subiram em linha com a média da União Europeia nesses dois países.

Naquilo que pode ser interpretado como um desafio à posição de Pedro Abrunhosa, que pediu aos seus representantes legais que notifiquem o Bloco de Esquerda para retirar a frase de sua autoria de qualquer suporte político-publicitário, Mariana Mortágua defendeu "medidas para fazer o que não foi feito até agora", visto que "há uma geração inteira que não consegue pagar casa com o seu salário". E manteve as suas propostas para que Portugal "deixe de ficar à mercê de uma procura externa sem limites" no imobiliário.

No que toca à crise na justiça, nenhum dos líderes partidários se afastou do princípio de total independência do poder judicial, ainda que Mariana Mortágua tenha considerado "incompreensível" que possa haver arguidos detidos durante 21 dias, como aconteceu ao presidente da Câmara do Funchal e a dois empresários, ou que possa demorar dez anos entre o início de uma investigação e um julgamento. "A questão da morosidade tem que ser resolvida" e "não pode haver uma justiça para ricos e uma justiça para pobres", defendeu a bloquista.

Nesse ponto, Pedro Nuno Santos concordou em absoluto consigo, admitindo a necessidade de reforçar o apoio jurídico e reduzir custos processuais. Quanto á atuação do Ministério Público, disse ser "muito positivo" que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, tenha dado explicações sobre o que sucedeu na investigação a alegada corrupção na Madeira, defendendo ainda "uma clarificação do poder hierárquico" dentro do Ministério Público, sobretudo quando "caíram dois governos num prazo curto" no âmbito de investigações judiciais.

Para o final ficou a questão das necessidade de investir na defesa face às ameaças existentes em território europeu. Pedro Nuno Santos assumiu o compromisso dos países da NATO para ir até a 2% do Orçamento do Estado em gastos com o sector, mas aproveitando para modernizar a indústria portuguesa. Já Mariana Mortágua, sem nunca nomear a Aliança Atlântica, defendeu uma auditoria aos gastos com defesa e um reforço da cooperação a nível da União Europeia para esta "não se subjugar a interesses alheios".

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