Mariana Mortágua: “O socialismo do futuro é uma vida boa e o futuro é já”
No discurso de sábado, Francisco Louçã pedira união à esquerda contra Carlos Moedas (PSD), evocando, para pressionar o PS, a candidatura congregadora de Jorge Sampaio à câmara de Lisboa, em 1989. Este domingo, sem temer “a diluição” do partido ou o “abraço de urso dos socialistas”, alertas ouvidos na sala, os bloquistas que este fim-de-semana, no Porto, participaram na V Conferência Nacional do Bloco de Esquerda, aprovaram por larga maioria a estratégica defendida pelo ex-coordenador do partido, plasmada no documento apresentado pela direção a votos. Resumindo, o BE procurará alternativas ao PS e PSD nas autárquicas de 2025, mas mantém a abertura para uma coligação com os socialistas em Lisboa. “Vencer [Carlos] Moedas é uma obrigação se a esquerda quer dar a cidade de volta aos cidadãos. E lembro, por isso, Jorge Sampaio. Quando quis derrotar a direita, Sampaio fez três coisas: candidatou-se (e era o secretário-geral do PS), juntou toda a esquerda da cidade e apresentou um programa de 50 medidas por um ano, a começar por domesticar o imobiliário”, lembrou Louçã. Pediu aos seus que insistam, “como Sampaio insistiu”, caso o “PS continue a mostrar que não quer disputar a cidade”. Porque, defende, “para vencer é preciso unidade, protagonismo forte e um programa ainda mais forte”.
O documento que traça a estratégia a seguir nas próximas eleições autárquicas é claro: “Suportado em bases programáticas predefinidas em torno dos temas da habitação, do acesso a serviços públicos e da transformação climática, as concelhias do Bloco de Esquerda avaliarão as condições e proporão à Mesa Nacional coligações pré-eleitorais com outras forças progressistas, ecologistas e de esquerda”, lê-se no texto, que adianta já terem sido iniciados “diálogos concretos a nível concelhio”, nomeadamente com o Livre.
A questão não foi pacífica. Com os críticos a avisarem para a possibilidade de o partido se confundir com o Livre e o PS. “O que é que Lisboa tem que o resto do país não tem?”, interpelou Manuel Afonso, que integra a Mesa Nacional. “Da tropa especuladora que tomou a cidade de assalto, Moedas é o chefe”, mas tem “um fiel escudeiro, que é o PS”, acrescentou, em rima. E mais um alerta para o que pode vir a ser “um abraço de urso” dos socialistas, ou o perigo de “diluição política e descaracterização partidária” do BE. Mariana Mortágua tentou unir os dois pontos de vista: “Trabalharemos para que se juntem fontes diferentes, com a mesma clareza programática e nos objetivos, mas há uma coisa de que tenho certeza absoluta: a nossa fidelidade, a nossa lealdade é para com os milhares de pessoas que saem à rua pelo direito à habitação”. Assim, propõe um programa “para romper com a herança de Moedas e de Medina”. Foi no discurso de encerramento da Conferência , que decorreu sob o lema “Socialismo de Futuro”.
E socialismo?
“Não ficará na gaveta”, afirma-se no documento global ontem aprovado, que define o rumo estratégico do partido, frase que é um reparo ao PS pela viabilização do Orçamento do Estado para 2025. “O socialismo do futuro é a vida boa e o seu tempo é agora, o futuro é já, é o caminho que vamos percorrer para disputar tudo”, afirmou Mortágua. Pelo caminho ficou uma proposta alternativa, apresentada por uma ala crítica interna minoritária. Considera que o modelo atual “está esgotado, tanto no plano político como organizativo”, que “as viragens não explicadas de orientação e a prática interna dominante apontam para a decadência e para a degenerescência” e que a atual organização está “desmotivada e desmobilizada”.
A direção do BE, pelo seu lado, vê o partido “enraizado na luta popular”. Mariana Mortágua propôs-se a corrigir erros, e aos que temem que o partido “se confunda com o Livre ou o PS” negou a existência de uma “crise identitária.”
Quer um desenho?
“Se não percebeu, faço-lhe um desenho, dr. Ventura. O que ontem Portugal lhe disse é que o crime não compensa”. Mariana Mortágua referia-se à fraca participação de militantes do Chega num encontro convocado para Lisboa, por aquele partido, em resposta a uma manifestação de pesar, também na capital, pela morte de Odair Moniz às mãos de um polícia, ambos no sábado. Sobre o caso, já Catarina Martins, ex-coordenadora e atualmente eurodeputada, afirmara que BE está no “extremo mais justo”. “Tenho ouvido tantas vezes que há aqui um problema de dois extremos. Há quem diga que há o Chega num extremo, há o Bloco num outro extremo. Entendamo-nos: o Bloco está onde deve estar”, defendeu.
com Lusa