Os altos representantes de Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola prestaram homenagem aos mortos no Tarrafal, 50 anos após a libertação dos presos.
Os altos representantes de Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola prestaram homenagem aos mortos no Tarrafal, 50 anos após a libertação dos presos.Nuno Veiga / Lusa

Marcelo visita Tarrafal e pede “cuidados permanentes” em defesa da democracia

Na cerimónia evocativa dos 50 anos da libertação do campo de trabalhos forçados, Marcelo Rebelo de Sousa deixou um “grande desafio”: garantir que no futuro não haja mais “campos de morte lenta” mas sim “liberdade”.
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O povo português “assume em plenitude a rejeição” do passado ligado ao campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, e abraça “a construção de um futuro diferente”. É este “o sinal da presença, em nome de Portugal” que Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, deixou durante a visita que fez ao Tarrafal, assinalando os 50 anos da libertação daquela antiga prisão do Estado Novo.

Visitando o campo ao lado dos presidentes de Cabo Verde (José Maria das Neves) e da Guiné-Bissau (Umaro Sissoco Embaló), bem como do ministro da Defesa angolano (João Ernesto dos Santos), o chefe de Estado português considerou importante não deixar cair no esquecimento aquilo que ali se passou no antigo regime. É esse o “grande desafio”: garantir que os “jovens de hoje e os de amanhã” possam saber o que “devem rejeitar sempre”. Esse futuro quer-se “de liberdade, onde não caibam campos de morte lenta”, disse numa referência a um dos nomes pelo qual o Tarrafal era conhecido (“Campo da Morte Lenta”).

Marcelo e os representantes das ex-colónias descerraram uma placa evocativa dos 50 anos da libertação do campo. Foto: Nuno Veiga / Lusa

Marcelo Rebelo de Sousa recordou também que o campo de concentração (criado em 1936) foi “inspirado nas mais sanguinárias ditaduras europeias” de então. Um lugar onde presos políticos “sofreram e morreram às mãos do que começou por ser uma ditadura portuguesa para os portugueses”, mas que depois se tornou “numa ditadura imperial colonial” que reprimiu também “os irmãos angolanos, guineenses e cabo-verdianos”. Com o campo agora transformado em museu, o Presidente manifestou o desejo de o querer “vivo” e reiterou: “Não há confusão possível entre opressão e liberdade, ditadura e democracia.”

Destacando ainda que “hoje são novos os desafios e horizontes, numa conjuntura mundial cada vez mais complicada”, Marcelo Rebelo de Sousa apelou a que se reforce a democracia. Preservá-la requer “cuidados permanentes”, para que “nunca mais se fale de campos de concentração”.

Durante a visita, Marcelo e os representantes das ex-colónias descerraram uma placa evocativa dos 50 anos da libertação do campo. Presentes estiveram 22 antigos presos políticos da segunda fase do Tarrafal (destinada a oprimir anticolonialistas). Um deles, Luís Fonseca, que foi secretário executivo da CPLP entre 2004 e 2008, recordou a prisão. Pretendia, segundo disse, fazer desaparecer os ideais de liberdade. Mas acabou por resultar em solidariedade, pensamento, poesia e até canções sobre o tema. Para que não haja mais “tarrafais” é importante que os mais novos visitem o antigo campo, agora transformado em Museu da Resistência. 

Ali, estiveram presas mais de 500 pessoas. Na primeira fase do campo (que prendia figuras antiregime), morreram 36 pessoas (32 dos quais portugueses que contestavam o Estado Novo). Encerrado em 1956, o Tarrafal viria a reabrir passados seis anos (em 1962), altura em que passou a prender anticolonialistas angolanos, guineenses e cabo-verdianos. Quatro (dois angolanos e outros tantos guineenses) morreram ali. Com o 25 de Abril, aconteceu a libertação do campo e dos presos políticos.

Reparações às colónias voltaram a ser referidas

Na véspera, Marcelo Rebelo de Sousa voltara ao tema das reparações históricas ligadas ao colonialismo, que defendeu e que causou polémica, sobretudo à direita. O Chega apresentou mesmo um voto de condenação contra o Presidente, que acusou de “trair a pátria”. Na cidade da Praia, em Cabo Verde, Marcelo considerou “evidente” estar em sintonia com o Governo sobre o tema. Em comunicado, o Executivo rejeitou fazer qualquer reparação pelo passado colonial, frisando que “não esteve e não em causa nenhum processo ou programa de ações específicas” com essa intenção. A estratégia é seguir a linha de governos anteriores, apostando em “gestos e programas de cooperação de reconhecimento da verdade histórica com isenção e imparcialidade”. 

Confrontado com isto, o Presidente disse ainda que o Governo tem “toda a razão em fazer um comunicado” sobre o assunto. “O apoio” que é dado, “a cooperação e as parcerias” entre países já representam uma reparação, que “está a ser e vai continuar a ser feita”, concordou Marcelo Rebelo de Sousa. Argumentou ainda que esta é “uma ideia antiga” e que “ao longo destes 50 anos” tem sido frutífera. O Presidente recusou ainda voltar atrás nas palavras. Foi um erro ter sugerido estas reparações? “Limitei-me a repetir o que disse na Assembleia da República.” E aceitou também as críticas, que disse serem algo inerente à democracia. “Estive 50 anos a comentar toda a gente e todos os factos da vida portuguesa. Como posso deixar de aceitar todas as críticas vindas de todas as pessoas?”, questionou.

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