Marcelo quer "unir". Entre vitórias e derrotas, todos contra Ventura
O Presidente eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu que os portugueses lhe vão exigir mais neste mandato. Os seus opositores atiraram-se todos contra Ventura, que surfou a "onda avassaladora" de extrema-direita.
"Eu tenho determinação e quando há determinação tudo é fácil." Foi assim que à chegada à Faculdade de Direito, onde fez o discurso da noite eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa comentou o modo como vai encarar os próximos cinco anos em Belém, no que será o segundo mandato.
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O Presidente agora reeleito disse ter a consciência de que a renovação de confiança dos cidadãos não é um "cheque em branco", mas que lhe vão exigir mais neste mandato, sobretudo num momento tão grave como o da pandemia. Marcelo fez a súmula do que precisa de ser: "Um Presidente de todos e de cada um; um Presidente que estabiliza, que une, que não seja de uns contra os outros, os maus, que não seja de fação, que não desista da justiça social."
Projetou ainda que tudo irá fazer para que haja uma revisão legislativa, nomeadamente para permitir o voto por correspondência dos emigrantes, que ficaram impedidos de votar por vários constrangimentos. Marcelo quer "persuadir quem pode elaborar leis a ponderar a revisão antes de novas eleições daquilo que se concluiu dever ser revisto, para ajustar a situações como a vivida" e isto "para ultrapassar objeções ao voto postal ou por correspondência, objeções essas que tanto penalizaram os votantes, em especial os nossos compatriotas espalhados pelo mundo".
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"Compreendi este outro sinal e insistirei para que seja finalmente acolhido", prometeu.
"Um Presidente de todos e de cada um; um Presidente que estabiliza, que une, que não seja de uns contra os outros, os maus, que não seja de fação, que não desista da justiça social"
A candidata socialista, mas não apoiada pelo PS, Ana Gomes, usou a hora de assumir o segundo lugar nas presidenciais para atacar André Ventura e a direção do PS, que quase acusou de ter contribuído para o bom resultado da extrema-direita. Ela própria disse que tudo fará para ajudar Marcelo Rebelo de Sousa, "o candidato da direita democrática", neste segundo mandato, "a reforçar a democracia e a não dar argumentos aos que a querem destruir e que conseguiram tirar votos ao PSD e ao CDS".
Ana Gomes reconheceu que falhou o objetivo de levar a uma segunda volta, mas sublinhou que a sua candidatura "deu expressão ao socialismo democrático e à social-democracia". Uma candidatura que, disse, se não tivesse acontecido levaria "muitos a lamentar ainda mais a progressão da extrema-direita".
"Lamento a não comparência do meu partido, o PS, que deu a vitória ao candidato de direita"
Atacou depois o PS e o governo, que acusou de desvalorizar as eleições presidenciais, o primeiro ao não apresentar nenhum candidato a combate, o segundo porque "não quis facultar" os meios para que os cidadãos confinados pela pandemia e a diáspora, "de uma forma indigna", pudessem votar.
"Lamento a não comparência do meu partido, o PS, que deu a vitória ao candidato de direita", disse a candidata, que acusou a direção socialista, numa farpa direta a António Costa e Carlos César, de "ter diluído as fronteiras entre a direita e a esquerda" ao apoiar Marcelo Rebelo de Sousa nestas eleições.
André Ventura, que foi atacado por todos os outros candidatos - à exceção de Marcelo, que nunca o quis afrontar diretamente, embora o tivesse indiretamente visado -, chegou triunfante ao hotel em Lisboa para cantar a "reconfiguração da direita em Portugal" e a "avassaladora força antissistema" que cresceu no país e que está pronta "para as batalhas futuras". "Esmaguei a extrema-esquerda!", gritou e contabilizou: "Tive mais votos do que o PCP, o BE e a IL juntos." E gritou ainda mais: "Esmaguei o João Ferreira no Alentejo, no Alentejo!"
"Tive mais votos do que o PCP, o BE e a IL juntos."
Mas como André Ventura tinha prometido demitir-se se ficasse atrás de Ana Gomes, a quem voltou a dizer que " é do pior que há em Portugal, que anda colada às minorias que exploram Portugal", quis cumprir e vai devolver a palavra aos militantes do Chega para saber se querem que continue à frente do partido.
Marisa Matias foi a primeira a assumir que não tinha alcançado os resultados que esperava, ainda decorria a contagem dos votos. "Fiquei longe dos objetivos." Disparou de imediato contra "as aldrabices" de André Ventura, num alerta à reconfiguração da direita, perante os resultados do líder do Chega nestas eleições. "Há muitos eleitores de direita que votaram num candidato de extrema-direita."
Questionada pelos jornalistas sobre se tivesse desistido a favor da sua "amiga" Ana Gomes não poderia ter forçado uma segunda volta, voltou a insistir: "Não, as candidaturas à esquerda somaram". E antecipou uma pergunta com resposta dentro: "Se me perguntarem por que é que a esquerda não somou mais, essa pergunta terá de dirigir ao PS". A candidata apoiada pelo Bloco criticava assim o facto do partido de António Costa não ter dado apoio à socialista Ana Gomes.
"Há muitos eleitores de direita que votaram num candidato de extrema-direita"
Marisa, que em 2016 tinha obtido um excelente resultado de 10% e agora deu uma queda para os 3,9% prometeu aos seus eleitores e aos do Bloco de Esquerda, que manterá toda a força nos combates que irá travar, entre os quais a luta pelo Serviço Nacional de Saúde e seus profissionais, "que é a melhor arma contra a pandemia". E tudo fazer por um "país solidário, que respeita quem trabalha e decente em que a igualdade não seja letra morta".
O outro candidato à esquerda, apoiado pelo PCP e pelos Verdes, João Ferreira, que nestas presidenciais conseguiu ficar à frente de Marisa, também elegeu o combate aos "projetos antidemocráticos e de confronto à Constituição". O candidato nunca mencionou o nome de André Ventura, mas a mensagem foi para ele. O candidato de extrema-direita ultrapassou-o em todo o Alentejo.
Nesta batalha contra os tais "projetos antidemocráticos" o candidato comunista contará com todos os que o apoiaram, incluindo de outros partidos, como Isabel Moreira, deputada do PS.
"O nosso compromisso foi sempre um sereno debate de ideias"
Aquele que é tido como o futuro sucessor de Jerónimo de Sousa na liderança do PSD, afirmou que a sua candidatura a Belém trouxe um contributo singular, que "irá perdurar", de "demonstrar a centralidade da Constituição da República, que tem um acervo de direitos políticos, económicos, sociais e ambientais", que são a resposta para os problemas dos portugueses. "O nosso compromisso foi sempre um sereno debate de ideias", disse João Ferreira. A sua prestação nos debates televisivos foi considerada pelos analistas políticos e comentadores como melhor do que a de Marisa e o resultado eleitoral pareceu refletir isso mesmo.
À direita, e apesar de ficar em penúltimo, Tiago Gonçalves pode cantar uma vitória feita de mais votos do que o partido que ajudou a fundar e que o apoiou teve nas legislativas de 2019 (de 1,9% dos votos). "Com este resultado sinalizámos o crescimento da onda liberal, um crescimento sustentado do espaço liberal."
"Com este resultado sinalizámos o crescimento da onda liberal, um crescimento sustentado do espaço liberal"
O candidato demarcou-se também da outra direita, a de Ventura, e mais uma vez sem o nomear. "Não alinhamos nos discursos dos que querem pôr uns contra os outros. O extremismo seja ele qual for não vencerá e não será opção ao socialismo que também queremos combater." Sobre o seu futuro político, nomeadamente sobre a hipótese de vir a ser candidato do Iniciativa Liberal, que ajudou a fundar, nas próximas legislativas, deixou a porta aberta: "Estarei sempre disponível para tornar Portugal mais liberal"..
"É uma honra ter ficado em segundo em Rans"
Na garagem da casa do irmão, onde fez a declaração da noite eleitoral, Vitorino Silva convidou Marcelo Rebelo de Sousa a visitar Rans, a sua terra, onde ficou atrás do Presidente eleito. "Desta vez concorri contra o Presidente, é uma luta desigual", justificou assim que nem os seus conterrâneos o tenham escolhido em primeiro. "É uma honra ter ficado em segundo em Rans", declarou o também recandidato a Belém.