Marcelo descarta hipótese de dissolver o Parlamento

O Presidente da República deixou avisos à oposição, mas também ao Executivo de António Costa. Considerou que "o Governo não pode dar por garantido" que a maioria absoluta "é o seguro de vida para não haver dissolução".
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Marcelo Rebelo de Sousa descartou esta segunda-feira a hipótese de dissolver o Parlamento, tendo em conta os mais recentes casos que envolvem o Governo, nomeadamente, relacionados com a TAP. Ainda assim, o Presidente da República deixa alguns recados ao executivo de António Costa mas também à oposição garantindo que não está refém de ninguém.

O chefe de Estado explicou que um cenário de dissolução da Assembleia da República e de eleições antecipadas significaria "quatro meses, se não for mais, de paragem", o que se traduziria numa "situação muito difícil" na vida económica, na aplicação dos fundos. "Não faz sentido, neste ambiente, falar, periodicamente, de dissolução", afirmou, referindo-se à guerra na Ucrânia, à conjuntura de crise financeira económica com inflação alta e também à execução em curso dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Após a inauguração do Centro Interpretativo de homenagem ao soldado Milhões, herói da I Guerra Mundial, em Valongo de Milhais, Murça, c​​​​​onsiderou, no entanto, ser muito" importante para a oposição mostrar que é alternativa".

"Os portugueses nas sondagens, todas, têm dito mais ou menos o mesmo, que é: 'acham que a governação não está a ser o que desejam e, por isso, o Governo cai. Acham que a situação é difícil, que pode continuar difícil ou piorar. Acham que não há alternativa, neste momento, e acham, portanto, que não deve haver a dissolução, que não deve haver uma crise política a juntar àquela que existe'", referiu.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, o "grande desafio da oposição é o de transformar aquilo que é o somatório dos números" numa "alternativa política", de modo a que seja "uma realidade suficientemente forte para os portugueses dizerem: no futuro temos esta alternativa".

Já do lado do Governo, o "desafio é, obviamente, tentar evitar situações que, aos olhos dos portugueses", sejam de "desgaste" do Executivo e das instituições, disse Marcelo, admitindo que na semana passada houve uma situação de desgaste a propósito da TAP, um tema que considera "sensível".

Descartou uma dissolução da Assembleia da República, mas criticou a reunião entre elementos de Governo, PS e gestão da TAP em véspera de uma audição parlamentar, em janeiro.

"Não saiu bem aos olhos dos portugueses a ideia de haver uma iniciativa reunindo deputados, Governo e gestão da TAP para preparar o que seria a intervenção parlamentar", em janeiro. "Mal comparado - eu sou professor - seria um professor fazer uma preparação de um exame com os alunos que vai examinar", afirmou.

"Isso eu penso que foi um desgaste para as intuições desnecessário, eu acho que desnecessário. E aquilo que é legítimo pedir ao Governo é não só que faça por governar mais rápido e melhor - eu tenho insistido nisso, melhor e mais rápido - e que esteja atento a estas situações que têm um desgaste muito superior aos factos em termos de imagem", disse.

"No mesmo modo que a oposição não pode dar por garantido que o Presidente empurrado, empurrado, empurrado há de um dia dar a dissolução - é melhor não dar isso como garantido, Presidente não é refém da oposição -, mas também o Governo também não pode dar por garantido que porque tem maioria absoluta isso é o seguro de vida para não haver dissolução", defendeu.

"A questão é muito simples: o Presidente não está nem no bolso da oposição nem no bolso do Governo, está no bolso dele. E é live e independente em decidir", sublinhou Marcelo.

"Não faz sentido estar a falar em dissolução de dois em dois meses. Faz sentido a oposição aparecer como alternativa aos olhos dos portugueses e o Governo governar bem para não haver o risco de se desgastar, de tal maneira que deita fora as vantagens de ter maioria", avisou.

"A função do Presidente é estar atento, independente no seu juízo olhando para o bem do país num determinado momento", explicou.

Marcelo lembrou ainda que "é legítimo pedir ao Governo que faça por governar melhor".

O chefe de Estado disse que os portugueses esperam que o Executivo de Costa "governe mais e melhor, e que não haja situações de desgaste desnecessário das instituições". E reiterou que "a oposição tem de mostrar que é uma alternativa". Para Marcelo, "obviamente não é".

Sobre o Governo, Marcelo disse ainda que "tem de justificar que essa maioria é operacional para ir até ao fim do mandato".

Marcelo Rebelo de Sousa afastou também a possibilidade de convocar o Conselho de Estado por causa das polémicas relacionadas com a TAP. A próxima reunião do seu órgão político de consulta está prevista para junho, com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, como convidada, para discutir a situação europeia e internacional, adiantou.

Confrontado com a opinião do conselheiro de Estado Luís Marques Mendes de que os episódios atuais são mais graves do que as circunstâncias que levaram à dissolução do parlamento pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio, e interrogado se a conjuntura económica atual é o fator decisivo, o chefe de Estado respondeu que "é tudo diferente na situação num caso e noutro, tudo".

"Primeiro, o Presidente Sampaio estava no fim do mandato -- eu não estou no fim do mandato. Em segundo lugar, não havia guerra, nem havia a inflação que temos agora nem a situação que conhecemos, não havia os fundos europeus, com esta dimensão e com um prazo tão curto para utilizar -- portanto, logo nisso é outro mundo. Depois, acontecia que a maioria era uma maioria liderada por um primeiro-ministro que não tinha ido a votos [Santana Lopes], tinha substituído aquele que tinha idos a voto [Durão Barroso] -- aqui é um primeiro-ministro que foi a votos", assinalou.

De acordo com o Presidente da República, por outro lado, aquando da dissolução decidida no fim de 2004 "havia uma alternativa óbvia, havia um partido hegemónico à esquerda", o PS, enquanto "neste momento não há uma alternativa óbvia em termos políticos".

"Se somarem isso tudo, não há paralelo", concluiu.

Para ilustrar o seu papel no atual quadro político, Marcelo Rebelo de Sousa recorreu a uma conversa recente "com uns populares daqueles assim terra a terra" que, segundo relatou, o aconselharam a ir "puxando as orelhas de acordo com as circunstâncias" e a "quando entender que é justo ir chamando a atenção", mas "nada de eleições agora".

"É uma expressão muito popular, puxar as orelhas, mas é isso a função do Presidente", concordou.

O Presidente deve "estar atento" e "ouve aquilo que as oposições têm a dizer, ouve aquilo que o Governo tem a dizer", mas "tem de ser independente no seu juízo e olhar para aquilo que é o bem do país num determinado momento", sustentou.

O chefe de Estado voltou ainda a negar que tenha pedido para adiar em seu favor um voo da TAP: "Nunca me passou pela cabeça essa ideia que seria simultaneamente estúpida e egoísta. Estúpida porque só um político muito estúpido ia sacrificar 200 pessoas por causa de partir um dia mais cedo ou um dia mais tarde numa visita que se reajusta facilmente", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente acrescentou que seria também uma ideia egoísta e que, por causa disso, a Presidência da República "nunca contactou ninguém sobre isso".

Com Lusa

Notícia atualizada às 17:55

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