Luísa Salgueiro. "As mulheres não devem passar sempre a vez a quem está ao lado"
Primeira mulher a presidir à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro diz que ainda "não há os mesmos espaços de oportunidade".
Quando andava no ensino secundário, com a Câmara Municipal de Matosinhos ali ao lado, Luísa Salgueiro estava longe de imaginar que um dia se sentaria na cadeira de presidente do município. Na altura, pelos 15 anos, as atenções e o tempo da jovem estudante já estavam concentradas numa instituição pública, mas não era a sede do poder camarário. "Os meus colegas iam para o café, eu ia para o tribunal assistir a julgamentos", conta ao DN, ilustrando assim a sua "paixão pelo Direito desde pequena".
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Foi essa inclinação que a levou à licenciatura em Direito e à profissão de advogada mas, já na idade adulta, a política meteu-se pelo caminho. Luísa Salgueiro é presidente da Câmara Municipal de Matosinhos (a cumprir o segundo mandato) e é desde há uma semana presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) - a primeira mulher a exercer este cargo nos 47 anos que leva a democracia portuguesa. Uma circunstância, sublinha, que também "pesou" na hora de dizer sim ao convite do secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, pondo em prática uma frase que vai repetindo: "É importante, no momento em que são colocadas oportunidades às mulheres, não dizermos sempre que não. Há muita tendência para darmos o lugar, entender que para nós não é decisivo, passarmos a vez". "Mas as mulheres não devem passar sempre a vez a quem está ao lado, normalmente homens. Isso foi uma das razões que me levou a aceitar", diz a autarca, de 54 anos. Mesmo que no seu percurso político não identifique entraves específicos por ser mulher, e reconheça mudanças relevantes desde que deu os primeiros passos como vereadora, a antiga deputada e dirigente nacional do PS também sublinha que este é um mundo ainda muito masculino. "Não há os mesmos espaços de oportunidade. Os cargos político-partidários são muito decididos pelos partidos, que têm uma base de organização muito masculina. São abertos à participação, mas quando se chega ao topo, normalmente o espaço está ocupado por homens", afirma.
Luísa Salgueiro diz esperar que o facto de a ANMP ter agora uma mulher na liderança possa ajudar, "mesmo que timidamente", a infletir a situação atual no panorama autárquico - nas eleições de 26 de setembro, pela primeira vez desde 1985, caiu o número de mulheres eleitas para a presidência de autarquias. Em 2017 tinham sido 32, nas últimas eleições foram 29 - 9% no total dos 308 municípios nacionais. Ainda assim, recusa que o Poder Local seja um parente pobre entre os vários órgãos políticos no que à paridade diz respeito: "Há poucas presidentes de câmara, mas tem havido mais mulheres a participar noutros órgãos. Não chegam é ao topo, que é o mesmo que acontece noutros espaços, nas empresas. No momento de escolher o número um... Apesar de a base ir alargando e de haver mais participação, na liderança é sempre mais difícil".
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O cargo de maior exigência? "Presidente de câmara"
Luísa Salgueiro foi vereadora em Matosinhos durante 12 anos e deputada do PS na Assembleia da República noutros tantos: cumpriu três legislaturas. Diz guardar boas recordações do Parlamento, mas não tem dúvidas que o cargo de maior exigência, "incomparavelmente", é aquele que desempenha desde 2017. "O mundo autárquico, por si só, é muito exigente porque resulta de uma grande proximidade com os destinatários das nossas decisões. E no cargo de presidente da câmara é preciso ter um domínio de todos os temas, da área financeira ao planeamento, recursos humanos, transportes, tudo é nossa responsabilidade. Há uma expectativa muito maior e um escrutínio muito mais direto."
Avançar com a regionalização
A começar agora um mandato na presidência da ANMP que se prolongará até 2025, Luísa Salgueiro aponta como o "grande objetivo, em termos mais gerais, continuar a valorizar o poder local e o papel das autarquias". Já num plano mais concreto passa por "consolidar o processo de descentralização em curso, fazer com aconteça num quadro de dotação de recursos compatível e justo com as competências que estão a ser transferidas, e avançar para a regionalização".
Num "país muito centralista", mas que está a "fazer o seu caminho", a autarca destaca que, no congresso em que foi eleita "quer o Governo quer o Presidente da República estiveram em sintonia, no sentido de que [o referendo à regionalização] deve avançar neste mandato". Luísa Salgueiro admite que é um "tema polémico", que precisa de "trabalho, de ser bem explicado à população" para que possa passar num futuro referendo, mas insiste que este é um passo essencial: "O país precisa muito" da regionalização.
Já quanto à descentralização a nova líder da associação que reúne os municípios portugueses diz ter "muita dificuldade em concordar" com os autarcas que têm pedido o adiamento da transferência de competências para a esfera autárquica, nomeadamente na área da educação. "As fórmulas estão estabilizadas, as transferências de verbas são conhecidas, há muitos municípios que já têm há alguns anos essa transição em curso, acho que estamos em condições de prosseguir", defende a presidente da ANMP.
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