Jovens delinquentes nas Forças Armadas? É “anedota” que “não resolve” carências
Integrar jovens delinquentes nas Forças Armadas (FA), uma ideia avançada por Nuno Melo, ministro da Defesa, como medida punitiva, e transformá-las “num reformatório”, bem como, eventualmente “contratar estrangeiros” são “soluções que desresponsabilizam os cidadãos nacionais”. É uma discussão que, “de certo modo, branqueia a irresponsabilidade e a imaturidade dos responsáveis políticos”. E para debater medidas desta natureza, o general Pinto Ramalho garante: “Não estou disponível para este peditório.”
Discutir o tema, diz o general, “desresponsabiliza os responsáveis políticos de um debate sério entre a sociedade civil e as entidades políticas, que têm responsabilidade para ponderar esta matéria”. “Os militares”, que “normalmente têm uma palavra a dizer sobre isto”, devem ser incluídos na discussão. Algo que “não está a ser feito” e “nem sequer se quer proporcionar”. Há apenas “propostas”, que elencam “umas soluções ad hoc, não-estudadas, não-previstas”, que não ferem a “sensibilidade dos eleitorados”.
Ouvido pelo DN em reação à ideia, Francisco Proença Garcia, professor e antigo vice-coordenador para a Defesa no Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, defende que “a condição militar e o servir devem ser tornados mais atrativos”. Só assim se conseguirão “cativar e reter os jovens para uma eventual carreira ou experiência de vida”. “A tónica deve ser por aí”, reitera, acrescentando pensar que “o atual Governo procura essa solução e deverá apresentar propostas em breve.” O também coronel do Exército na reforma relembra que servir as Forças Armadas deve ser uma “questão de honra e não de punição”.
A ideia foi deixada pelo ministro no dia 26 de abril, durante a abertura da iniciativa Universidade Europa, do PSD. Nesse dia, afirmou que estes jovens deviam “cumprir Serviço Militar” para se poderem tornar “cidadãos melhores”, em vez de serem colocados em instituições que são “escola para o crime”. As declarações causaram polémica, mas, passados dois dias, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, veio a público manifestar o seu apoio: “Temos de admitir que o Governo quer implementar todas as soluções, adaptá-las aos atuais contextos que, como sabem, são exigentes.”
Ao DN, o ministro da Defesa clarificou que se refere “apenas a pequenos delitos” e a “jovens institucionalizados por factos menores”. A inclusão seria “mediante avaliação prévia pelas Forças Armadas”, naquilo que “só poderia ser uma espécie de protocolo experimental”. Isto significa que não se tratou de um anúncio de qualquer medida, apenas de uma ideia.
Ainda assim, asseverou, as FA são “uma escola de valores” que podiam vir a ser incutidos a estes jovens, que “pouco ou mal” os receberam durante o “seu processo formativo, muitas vezes por défice familiar”. Com estes novos valores, “o percurso nas suas vidas teria um grande potencial ressocializador e poderia realmente fazer a diferença em relação ao futuro”.
Em comunicado emitido ao início da noite, o ministro reiterou que não referiu “qualquer medida”, e que “em nenhum momento se referiram os temos, a forma, o modelo ou o tempo” do que se pretende. Trata-se, lê-se, de uma “reflexão” para uma “via não explorada”.
Questionado sobre isto durante a visita oficial a Cabo Verde, o Presidente da República recusou comentar o assunto.
Ouvidas pelo DN, fontes militares classificam esta possível medida punitiva como uma “ideia sui generis” , que “parece uma anedota”.
Sargentos falam em “ideia peregrina”
Quem está no setor discorda da medida, que não está, sequer, prevista no Programa do Governo.
Esta terça-feira, a Associação Nacional de Sargentos considerou que esta é uma “ideia peregrina” e “absurda”. À Lusa, António Lima Coelho, presidente da associação, reiterou que as FA “não são um estabelecimento correcional, nem são uma instituição de reinserção social”.
Francisco Proença Garcia concorda e diz que, sendo “excelentes escolas de cidadania”, as FA não devem ser - nem são - “estabelecimentos correcionais”. Esta não é, segundo uma das fontes militares ouvidas pelo DN, “a solução” para as carências do setor. “Não é daí que vêm os 4 ou 5 mil praças que se precisam, com certeza”, critica, relembrando até que uma das condições para servir nas FA é “ter o Registo Criminal limpo”.
Segundo dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (de março de 2024), existiam um total de 136 jovens internados. O tipo mais comum de crime registado foi a ofensa à integridade física simples (com um total de 65 registos), seguindo-se a ofensa à integridade física grave (com 54) e ameaça e coação (com 53).
Ou seja: tendo em conta as carências identificadas pelos ramos militares, este valor fica muito longe do necessário para colmatar estas necessidades.
IL quer ouvir Nuno Melo no Parlamento
Na sequência da polémica, a Iniciativa Liberal (IL) entregou um requerimento no Parlamento para ouvir Nuno Melo. Referindo ainda que Margarida Blasco disse que o ministro da Defesa “falou em nome de todo o Governo”, a IL recorda que Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados, também admitiu esta possibilidade (dizendo que esta “poderá ser preconizada (...) como pena substitutiva, em vez do pagamento de uma pena pecuniária”).
Por isso, “é imperativo esclarecer as declarações proferidas pelo ministro da Defesa e secundadas pela ministra da Administração Interna, de forma a clarificar qual o compromisso do Governo com a utilização do ingresso nas Forças Armadas enquanto pena e, se sim, em que termos esta solução está a ser considerada”, lê-se no documento dos liberais.
O que propõe o Programa do Governo?
Olhando para as linhas gerais da governação PSD-CDS, há desde logo um facto que salta à vista: a medida proposta por Nuno Melo não está contemplada. Lê-se, no entanto (e sem se especificar como), que há o compromisso de “estudar outras formas de recrutamento voluntário”.
Assumindo que é necessária “uma melhoria significativa das condições salariais em geral”, o Programa do Governo não contempla, também, a inclusão do Serviço Militar Obrigatório. O Executivo tem ainda como objetivo ”reforçar os incentivos para os militares contratados”, bem como “ponderar o alargamento do Apoio Social Complementar aos militares em regime de voluntariado, contrato e contrato especial”. O ministro já disse estar disponível “para prestar todos os esclarecimentos” no Parlamento.