Jorge Seguro Sanches: "Comissão de Inquérito à TAP tem de ser rigorosa, ir ao fundo das questões e ser rápida"
Preside à Comissão Parlamentar que vai analisar a polémica da TAP e diz-se "surpreendido" com a indemnização de Alexandra Reis. Atual deputado do PS e ex-secretário de Estado da Defesa recorda o caso do Hospital Militar de Belém, defende Gomes Cravinho e diz ter "muito orgulho de ter estado no Ministério da Defesa naquela altura".
Hoje a Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP poderá aprovar o relator. O DN sabe que ontem entrou nos serviços do Parlamento muita da documentação solicitada à companhia aérea, no seguimento da pressão para o cumprimento do prazo dos 10 dias, tendo sido recusado pela Comissão à TAP prorrogar o limite mais 35 dias para entregar informação.
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Há poucos dias a Comissão Parlamentar de Defesa chumbou um requerimento para serem ouvidas várias pessoas ainda sobre o processo do Hospital Militar de Belém (HMB), entre as quais Jorge Seguro Sanches, que foi secretário de Estado da Defesa e teve uma intervenção elogiada como exemplo do que deveria ter sido feito pelo próprio ministro. O senhor deputado fez questão de comparecer na reunião onde estava a ser discutido o requerimento e oferecer-se para ser ouvido. Como sabemos, isso não aconteceu porque o PS chumbou essa proposta. O que ainda não foi dito sobre este caso e o que gostaria de ter dito a esta Comissão de Defesa?
Este tema é uma questão de comunicação. Fui à comissão porque um dos partidos da Assembleia, neste caso o grupo parlamentar do Chega, apresentou um requerimento para ouvir um conjunto de pessoas e uma delas era eu. Sendo deputado, a única questão que tinha de fazer era estar presente, precisamente para dizer que um deputado nunca está longe da Assembleia da República (AR). Estava disponível para prestar esclarecimentos como, aliás, tive oportunidade de o fazer nessa Comissão Parlamentar de Defesa. E que penso terem sido satisfatórios para todos. O que penso que não faria sentido era que, havendo um requerimento que ia ser votado na Comissão Parlamentar de Defesa, eu, sendo deputado e estando na Assembleia da República, não ir lá e dizer o que queria dizer. O governo, nesta questão, fez o que tinha de ser feito, quer do ponto de vista jurisdicional - o que se prova pelo facto de decorrer um processo no Tribunal de Contas onde também está o Ministério Público (MP) - quer pelas notícias que tivemos de que foi aberto um processo pelo MP sobre as questões que foram elencadas na altura pelo governo. Isto significa que os processos seguiram nas duas formas de julgar as situações que estavam consideradas. Portanto, o que procurei dizer aos meus colegas deputados é que, por um lado, estou sempre disponível para prestar os esclarecimentos que possa dar sobre qualquer tema, mas por outro lado também procuro dar ali [na AR] alguns esclarecimentos. Aliás, foi um pouco isso que fiz em dezembro, quando em plenário da AR houve um debate sobre o mesmo tema e fiz uma interpelação à mesa, precisamente para explicar que o deputado que na altura estava a colocar questões ao ministro João Cravinho estava a laborar num pequeno erro. Isto é, que eu conhecia factos que não eram conhecidos. Portanto, se estou na AR acho que não vale a pena complicar as coisas, não vale a pena estar a apresentar requerimentos para comparecer 15 dias depois. Não é preciso, estou lá, um deputado tem essa obrigação, de prestar os esclarecimentos. Estamos a falar do mesmo órgão, somos todos colegas e vemo-nos todos os dias. Aliás, informalmente sempre partilhei com todos estas questões do Hospital Militar. Aquilo que fiz, nomeadamente os despachos que produzi que levaram à abertura da auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional - e mais tarde aquilo que foi a ação do Tribunal de Contas - foi feito em articulação entre mim e o ministro da Defesa João Gomes Cravinho.
Mas há uma situação em que, aparentemente, não houve essa articulação. Quando diz que o governo fez o que devia ter feito neste processo, julgo que não se estará a referir ao facto de o ex-diretor de Recursos da Defesa Nacional, quando já estava sob suspeita e quando o secretário de Estado já sabia que ele seria o responsável por essa derrapagem, ainda ter recebido um prémio e ter sido nomeado para presidente do Conselho de Administração de uma empresa da tutela da Defesa. Que explicação teve em relação a esta nomeação?
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Acho que não é uma questão de ter justificações ou deixar de ter. Aliás, esse processo não passou por mim, como ficou claro. Acho que todos olhamos para essa questão como algo que efetivamente nem está a ser apreciado. Estamos a apreciar a forma como, do ponto de vista administrativo - num momento muito complicado, já agora -, utilizámos um recurso do património do Estado, o antigo Hospital de Belém, para poder acolher centenas de pessoas para tratamento da covid. E, mais importante que qualquer outra discussão, é importante haver uma sobre como aquele património pode ser utilizado a favor dos portugueses.
E como é que pode ser utilizado a favor dos portugueses?
Um deputado não tem funções executivas, mas penso que há um desafio na área da Saúde que tem a ver com o seguinte: temos muitos doentes sociais que precisam de altas sociais nos hospitais e que, eventualmente, em cooperação com o setor social, podem ser instalados em espaços que neste momento não estão disponíveis.
Está a falar da terceira idade?
Poderia falar-se da terceira idade, na altura foi muito discutida a possibilidade de podermos utilizar aquele espaço como Unidade de Cuidados Continuados. Aliás, nessa altura trabalhava de forma muito próxima com o Instituto de Apoio Social das Forças Armadas e tentou-se trabalhar com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para que aquele espaço pudesse ser uma Unidade de Cuidados Continuados. Mas hoje até temos um desafio grande na área da Saúde e, já agora, partilho que atualmente na AR o ponto fundamental onde tenho trabalhado é na área da Saúde. Já fui presidente de um hospital e sou quadro do Ministério da Saúde e um dos desafios que acho que temos pela frente é perceber como é que conseguimos chegar de forma mais eficaz aquilo que são as necessidades dos portugueses no SNS. Temos o problema de muitas pessoas que permanecem nos hospitais já não estarem lá única e exclusivamente por razões de saúde, [mas porque] precisam de ter um apoio na área social. Depois, temos a dificuldade de como é que enquadramos essas pessoas para terem o apoio que necessitam, porque os lares e as IPSS não têm vagas para isso.
Talvez aqui [no Hospital Militar de Belém] esteja uma boa ideia. Evidentemente pode não ser o único caminho, mas é certamente um deles. Não estou a dizer que não devemos olhar para a situação, aliás, o governo olhou para ela ao remeter para o Tribunal de Contas e para o Ministério Público. Mas acho que, mais do que olharmos para aquilo que correu menos bem nesta obra, há algo que estamos obrigados a fazer, que é garantir que aquele imóvel, que é público, seja utilizado da melhor forma em favor de todos os portugueses. Esta é uma ideia que deixo, haverá outras, mas se temos pessoas que têm dificuldades em sair do hospital porque não têm uma casa para viver, não têm vagas nas IPSS, talvez esta seja uma boa solução. Claro que necessitamos de equipas, mas pode discutir-se. Até pode ser discutido no âmbito daquilo que é o apoio às Forças Armadas, isto foi algo que se deixou preparado para avançar, nomeadamente pelo ministro Gomes Cravinho, que tinha uma grande vontade de desenvolver este projeto.
Voltando à nomeação de Alberto Coelho, como e quando soube?
Tive conhecimento já depois de ter acontecido, mas também não era normal que tivesse conhecimento dela antes do ponto de vista formal, porque a IDD não dependia de mim, não estava na minha delegação de competências.
Mas o ministro disse que falavam regularmente e que este era um assunto que estava na sua tutela. E disse no Parlamento que não lhe tinha dito por acaso. Ficou confortável com esta explicação do ministro?
Mais do que avaliar como é que foi o meu sentimento na altura, sinto que aquilo que veio a acontecer a seguir me deu razão naquilo que foi a minha atuação em concreto com o ministro. Ou seja, o despacho que é conhecido e que avança para a auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional, e onde são identificadas as falhas administrativas - e eventualmente podem até ser outro tipo de falhas, até prova em contrário as pessoas são inocentes -, esse documento, foi articulado com o ministro. Nem sequer fiz essa proposta sem ter previamente articulado com o ministro, porque isso resultou da preocupação que ambos tínhamos de perceber quanto é que afinal custou e quanto é que ultrapassou a verba disponibilizada. Há uma grande discussão sobre este tema que é a questão de ter havido uma derrapagem, mas [também] houve na verba que foi identificada no início. E para mim, no início, até achei que não era necessário tanto valor. Mas o que houve da parte do governo foi atenção em relação à situação e chamar ao processo as entidades que têm competências para fazer essa avaliação. Mas, mais do que isso, acho que todos temos uma obrigação perante aquilo que é o património do Estado, nomeadamente até quando estamos a discutir políticas de habitação. O Estado tem uma obrigação de responder com aquilo que é o património de todos nós.
Está a dizer que o património do Estado tem de ser melhor utilizado também neste plano da habitação do governo?
Acho que sempre teve de ser melhor utilizado.
Mas por que é que não foi até agora?
Há uma dificuldade, a meu ver, que tem existido ao longo dos anos e que tem a ver com a seguinte situação: por exemplo, em articulação entre o Ministério das Finanças, o Ministério da Defesa e o Ministério da Habitação, estabeleceu-se um protocolo para que imóveis como o Hospital da Estrela, a Quinta da Alfarrobeira, a Estação Rádio-Naval, por exemplo, sejam imóveis em que, não saindo da alçada do Estado, sejam constituídos direitos de superfície. E que, portanto, possam ser utilizados, recebendo uma renda que é possível aplicar naquilo que é a atividade normal das Forças Armadas, mas continuando na esfera jurídica do Ministério da Defesa. Isto, a meu ver, foi uma das melhores medidas que foi tomada por nós quando estivemos no Ministério da Defesa, porque permitiu que se estipulasse o valor combinado entre os três ministérios com verbas do PRR de mais de 100 milhões de euros, que permitem nos próximos anos alimentar a área da Defesa em cerca de 20 milhões por ano. Depois, também acho que há grandes desafios que podem ser feitos com as autarquias, porque são elas que conhecem estas realidades e muitas vezes são elas que conhecem os imóveis que são do Estado e não estão a ser utilizados da melhor forma.
Mas não aconteceu até agora por falta de vontade política ou falta de vontade de quem está do lado da Defesa ou dos militares?
Não, não acho que essa situação tenha ocorrido. Até 2019, a situação típica era a realização de hastas públicas. A partir daí, este processo foi iniciado e permitiu criar este mecanismo, que acho que tem todas as condições para ser potenciado para os anos seguintes. Não quero arranjar desculpas, mas os anos de 2020 e 2021, e até 2022, foram anos atípicos pela pandemia. Mas há aqui um esforço enorme que tem de ser desenvolvido, nomeadamente através do levantamento do património do Estado, algo que todos nós nos batemos há muitos anos para que exista.
Por exemplo, a certa altura, uma senhora deputada identificou-me no seu município um imóvel que era muito importante para o desenvolvimento de uma atividade social naquela localidade, pelo que procurei saber junto do ministério qual era a situação do imóvel. A resposta que me foi dada foi muito curiosa: não sabiam que imóvel era. Depois, através dos registos, lá conseguimos identificar que aquele imóvel pertencia a um dos ramos das Forças Armadas e quando se identificou pediu-se uma avaliação. A avaliação foi exagerada e o município disse que por aquele valor não queria. Portanto, o Estado ficou com um imóvel sobre o qual não sabia o que ia fazer e que até se tinha esquecido que tinha. Temos de ter capacidade de alterar estas situações naquilo que é o património do Estado e acho até que existem verbas no PRR para este processo. Ao longo desta legislatura, tenho pelo menos a ambição de que algo seja feito em relação a estas questões.
"O que tinha acontecido [no Hospital Militar de Belém] excedia o que tinha sido o mandato. O mandato não foi aquele, era um valor mais baixo e as obras, se fossem mais elevadas, necessitavam de autorização da tutela. Não a teve, nem sequer foi proposta."
Só para fechar a a questão no HMB. Quando já se sabia da derrapagem, João Gomes Cravinho foi ao Parlamento dizer coisas como "é dinheiro que não se perde". Que lições se retira desta prestação e no que diz respeito à responsabilidade política e ao que transmite na perceção dos cidadãos?
Temos de levar até às últimas consequências aquilo que foi a auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional. Penso que o Tribunal de Contas teve todos os elementos para tomar essas decisões e, aliás, foram abertos outros processos sobre isso. Do ponto de vista político, após uma dúvida ser identificada pelos próprios membros do governo, o ministro e eu, avançou-se para essas ações e essas questões foram remetidas para as instâncias próprias. Se depois no fim do processo todo chegamos à conclusão de que algo não correu bem do ponto de vista criminal, não acho que o governo tenha deixado de fazer aquilo que era necessário fazer: remeter para quem tinha competência para fazer essa avaliação. Desse ponto de vista, penso que houve uma mudança da forma de gerir nos anos em que eu e o ministro estivemos na Defesa. Ou seja, não se fez aquilo que muitas vezes se fazia, em que se aceitava o facto como consumado. Pelo contrário, achou-se que aquilo que tinha acontecido excedia aquilo que tinha sido o mandato. O mandato não foi aquele, era um valor substancialmente mais baixo e as obras se fossem mais elevadas necessitavam de autorização da tutela. Não a teve, nem sequer foi proposto. Portanto, com base nos elementos que tínhamos, numa situação de pandemia, acho que o Ministério da Defesa foi além daquilo que era normal fazer. Tenho muito orgulho de ter estado no Ministério da Defesa naquela altura, porque fez-se muito mais do que era expectável que se fizesse numa situação de pandemia.
Mas se no final da história o ministro Gomes Cravinho foi promovido a ministro dos Negócios Estrangeiros e Jorge Seguro Sanches não foi reconduzido como secretário de Estado, acha que houve algum tipo de penalização pela forma como se diferenciou no ministério na condução deste assunto?
Não, estou na AR com muito gosto e tive o gosto de ter trabalhado com pessoas muito boas, portanto, fazemos parte de equipas nas quais sentimos que estamos envolvidos. E a minha ida para a Assembleia faz parte de um processo que acho extraordinariamente digno. Os deputados devem ser considerados como alguém que tem muito mais para fazer. Por exemplo, quando agora estamos a falar de uma comissão de inquérito, não penso que o assunto seja menos importante do que aqueles com que lidei quando estive no governo.
A ministra da Defesa disse ao DN que deve haver um plano de ação de sensibilização ao combate à corrupção e que, eventualmente, este caso do hospital pode servir para prevenir eficazmente situações como esta no futuro. Que lições retira daqui?
É verdade que cumpri o serviço militar obrigatório em 1988 e 1989, é um percurso que tenho muito gosto em ter feito, mas depois volto ao Ministério da Defesa em 2019 de uma forma que me orgulha. Concorri para inspetor-geral da Defesa Nacional e, portanto, a minha função é essa e só depois é que o ministro João Cravinho me convidou para secretário de Estado. Tendo esta sensibilidade de ter sido inspetor, acho que em toda a Administração Pública temos de ser muito mais exigentes na forma como nos relacionamos com o interesse público. Devemos ter atuações éticas muito mais exigentes uns com os outros. Mais do que estarmos apenas a olhar para aquilo que é a lei, acho que a missão de serviço público e a missão política nos exige mais do que isso. No Ministério da Defesa, no caso da Direção-Geral de Recursos, bati-me muito para que fossem aprovadas normas de controlo interno do bom funcionamento. Tenho um orgulho enorme pela forma como consegui trabalhar, pela forma como os militares deram tudo ao nosso país e, neste caso, ao combate à pandemia. Não queria que houvesse aqui uma ideia de que no Ministério da Defesa não existem essas regras e de que os procedimentos não são cumpridos, porque são. E a meu ver, são até de forma muito mais rigorosa em muitas situações. Este tema do combate à corrupção é algo que nos deve unir a todos, em todas as áreas, sendo que volto a dizer que ninguém é condenado antes de haver uma sentença judicial. Do ponto de vista das irregularidades administrativas era claro que existiam. Foram identificadas e remetidas ao Tribunal de Contas, que fez também a sua parte com o MP. Hoje olhamos para este processo sabendo que não correu da forma como todos gostaríamos, ninguém queria que isto fosse assim, mas fizemos aquilo que era necessário em função da informação que tínhamos na altura.
Nos cargos por onde já passou tem fama de ser um político firme na defesa do interesse público. Quando é escolhido para presidir à Comissão de Inquérito da TAP proposta pelo Bloco de Esquerda, o que faz questão de garantir aos portugueses?
A Comissão de Inquérito é proposta pelo Bloco de Esquerda, mas foi o PS que me indicou para a presidir. Acho que o papel do presidente é o mais fácil de todos, porque só tem de garantir que a comissão tem todas as condições para cumprir a sua missão.
No caso da TAP e da sua Comissão de Inquérito, estamos a falar de um ativo muito importante do país que tem sido reforçado nos últimos anos, precisamente com esse interesse do Estado em que a empresa tinha de estar operacional.
Dito isto, e havendo uma Comissão de Inquérito, parece-me que o fundamental é termos todas as condições para apurar os factos controversos que estão identificados, assim como acho muito importante conseguir fazê-lo em tempo útil e de forma que dignifique o Parlamento.
A Comissão de Inquérito só dará dez dias para o envio da informação em casos fundamentados. Por que é que terá sido recusado este pedido da companhia aérea para prorrogar o prazo por 35 dias?
Porque pareceu-nos que o prazo é manifestamente excessivo para todos os documentos que pedimos.
Há aqui um sentido de urgência em dar uma resposta aos portugueses sobre o que se passou?
Sim, temos 90 dias para cumprir a nossa missão, até dia 23 de maio. A não ser que partamos do princípio de que o prazo é para prorrogar, mas não, os prazos são para ser cumpridos.
O prazo dos dez dias é o que está estabelecido no regime jurídico dos inquéritos parlamentares, que é possível ser prorrogado pela comissão desde que haja um fundamento para isso.
A comissão debruçou-se sobre essa questão e decidiu que o prazo é efetivamente de dez dias, podendo ser prorrogado em mais dez dias, desde que haja fundamento para tal.
Ninguém vai pôr em causa que isto não signifique que temos uma missão de urgência em dar respostas aos portugueses, não vamos estar a arrastar. Claro que tem de haver bom senso.
Pareceu-lhe que a TAP estava a tentar ganhar tempo?
Não, não me parece isso. É colocado um pouco em causa que a Comissão de Inquérito pudesse ter acesso a alguns documentos, mas não: a comissão tem acesso a todos os documentos e garante que é a própria que identifica como dá acesso aos deputados.
Aliás, é por isso que a Comissão de Inquérito tem um estatuto muito semelhante àquilo que são as instâncias jurisdicionais em Portugal.
Todos votaram a favor dessa decisão dos dez dias, menos o Chega. Percebeu porquê?
Penso que a decisão do Chega tinha a ver com o facto de achar que não devíamos dar mais esses dez dias. Há situações em que se podem justificar os dez dias, não valia a pena estarmos a ser objetivamente inflexíveis.
Não foi, então, uma divergência ideológica, mas sim processual?
Não, aliás, sinto que há muito bom espírito entre todos os grupos parlamentares, no sentido em que a comissão tenha todos os meios para começar a trabalhar.
Como referiu, a Comissão de Inquérito deverá durar 90 dias. O que espera que possa sair daí?
Acima de tudo, acho que a Comissão de Inquérito tem de dignificar o papel do Parlamento nesta questão. Por outro lado, tem de identificar as questões mais controversas e que têm vindo a ser discutidas, mas também penso que há outro desafio.
Isto é, se identificarmos situações em que de alguma forma alguma questão não correu como devia, acho que a AR também tem uma responsabilidade de elaborar propostas, no sentido de criar mecanismos que no futuro evitem situações que possamos ter identificado que não correram da melhor forma.
Fiz parte de comissões de inquérito noutras legislaturas, ao Envelope Nove e ao BPN, e nas duas houve propostas legislativas e de alteração de procedimentos que acabaram por ser positivas.
Mas, mais importante que isso, a AR tem de se dignificar e ter um papel muito significativo no sentido do esclarecimento das dúvidas que os portugueses tenham sobre esta situação.
Ouviu a conferência de imprensa de Medina e Galamba. Na sua opinião, qual terá sido a principal pergunta que não teve uma resposta clara?
Acho que não me devo pronunciar, porque ao presidente da Comissão de Inquérito deve exigir-se uma imparcialidade em relação a estas questões, nomeadamente só fazê-lo em função daquilo que esteja colocado na comissão através dos depoimentos ou dos documentos.
Ficou surpreendido com o valor da indemnização a Alexandra Reis?
Acho que qualquer português ficou. Nenhum de nós, especialmente quando estamos a falar de entidades que prestam serviços públicos, espera que haja situações que ultrapassem aquilo que é o bom senso.
Aliás, é por isso que há esta discussão. Temos um problema para resolver e para perceber o que se passa, mas a nossa obrigação é dar um contributo para que estas situações não voltem a acontecer ou se acontecerem sejam muito diferentes.
Na sua opinião, a Comissão de Inquérito terá de apurar tudo o que Medina não esclareceu na conferência de imprensa?
Não vou fazer essa leitura porque, como digo, é com base na comissão que nos devemos pronunciar sobre estas questões, não com base no que vem na comunicação social.
Certamente daqui a umas semanas, quanto terminar a Comissão de Inquérito, se me convidarem virei cá e darei a minha opinião.
No caso do despedimento da CEO da TAP, o argumento do despedimento com justa causa faz sentido, no seu entender? Tem pernas para andar ou acabaremos todos a pagar uma indemnização?
Não conheço elementos suficientes, além de como cidadão ter acedido ao relatório da Inspeção-Geral de Finanças e aos documentos e tê-los consultado por espírito de curiosidade. Ao presidente da Comissão de Inquérito não se pode exigir uma opinião sobre algo que ainda não está na comissão.
E a opinião pessoal quer dar?
Como disse, sou inspetor de carreira e tenho um grande apreço pelo trabalho da Inspeção-Geral de Finanças, pareceu-me que o relatório veio na linha do que é hábito a Inspeção-Geral de Finanças fazer.
O Presidente da República disse em recente entrevista que o caso TAP "deixa marca no governo" e que foi usada "uma forma juridicamente abstrusa". Concorda com a opinião do Presidente?
Quem sou eu para discordar da opinião do senhor Presidente? Tudo deixa marca, como é evidente, mas sobre isso queria dizer que uma legislatura em que o partido que apoia o governo tem maioria absoluta, é sempre uma maratona.
Temos dias em que as coisas não estão a correr tão bem e há dias em que as coisas até correm melhor do que esperávamos. É com esse espírito que os socialistas olham para o futuro, com um enorme sentido de responsabilidade.
Os portugueses deram-nos maioria absoluta, temos um programa para cumprir, e é claro que a guerra na Ucrânia mudou o quadro em que nos movemos, assim como os efeitos que tem ao nível da inflação e das dificuldades.
Tenho falado com bastantes membros de governo dos países a Leste e os níveis de preocupação desses países são incomparavelmente superiores aos que vivemos em Portugal todos os dias.
Independentemente disto nos ter afetado o quadro em que nos estávamos a mover, temos de ser muito firmes em conseguir que, ao fim dos quatro anos, o PS tenha o mandato cumprido e que corresponda às ambições dos portugueses. Mas temos algo a melhorar, como é evidente.
O Presidente da República afirmou também que o caso da TAP é como uma TAC, que deixa radiações no corpo que são irreversíveis. Concorda?
A TAC deixa algumas, mas não são assim tantas. Não acho isso, como disse, penso que é preciso melhorar, é preciso cumprir, é preciso ser mais concretizador, são os objetivos que temos de ter pela frente.
Temos fundos europeus para executar, temos PRR para executar e temos de estar preparados para o fazer. Os portugueses depositaram essa esperança no PS depois de o Orçamento ter sido chumbado e de ter havido uma grande dúvida sobre qual seria o resultado eleitoral.
O que os portugueses quiseram dizer foi que há um partido que tem um programa e uma liderança que lhes parecia a melhor. Quiseram apostar no PS e dar-lhe quatro anos para executar o programa.
É aí que o PS não tem espaço para não fazer bem o que tem para fazer e estamos a fazê-lo.
O que vai fazer na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP para que a montanha não vá parir um rato?
Farei tudo aquilo que puder. Como é evidente, o presidente é só o presidente, é alguém que tira ou dá palavra e ajuda a gerir o tempo. Temos 90 dias, temos uma agenda ambiciosa de trabalhos e vamos fazer tudo para cumprir os nossos objetivos.
Não sei se viram o El País que fez um artigo sobre a TAP e coloca isto como um problema que temos sobre um ativo do país. Portanto, aquilo que tivermos de fazer, tem de ser feito de forma rigorosa e até ao fundo das questões, mas temos de ser rápidos.
Porquê arrastar uma situação que não correu bem? Isso não serve a ninguém, nomeadamente ao interesse público.
Como presidente, se conseguir dar contributos nesse sentido, farei alguma parte do meu trabalho, mas é evidente que os senhores deputados que estão presentes têm todos uma responsabilidade para com o país e com a AR e sinto que vamos conseguir levar a bom porto estes objetivos, independentemente das divergências que possam existir.

Jorge Seguro Sanches entrevistado por Rosália Amorim e Valentina Marcelino (à dta.)
© Gerardo Santos / Global Imagens
A propósito da maioria absoluta e da confiança que os portugueses depositaram no PS, julga que, não só devido à guerra na Ucrânia, mas principalmente por todos os casos que vieram a público, que este ano foi um ano perdido?
Não, não foi um ano perdido. Queria chamar à atenção para os objetivos que foram alcançados ao nível da concertação social, por exemplo, mas isso não chega, é preciso concretizar.
Os portugueses estão muito ávidos de um espírito de concretização e nós temos os meios para isso. Temos um governo que está formado com esse objetivo, temos uma maioria no parlamento e temos recursos financeiros.
É verdade que também temos um quadro de alguma instabilidade que tem a ver com a guerra, mas isto também pode ser uma grande oportunidade. Olhando para o setor da Energia, Portugal e Espanha são dois países que pelas suas características nacionais têm um potencial enorme para colocarem de forma mais forte na agenda europeia as renováveis.
Portanto, temos de continuar a ser muito firmes naquilo que foram compromissos assumidos em 2018 e que antes já tinham sido feitos, nomeadamente no governo de Passos Coelhos em 2014, que no Conselho Europeu conseguiu que as interligações fossem colocadas na agenda, mas que depois foram concretizadas pelo PS em 2018 na Cimeira de Lisboa.
Muito recentemente, avançou-se com o primeiro-ministro António Costa, com o presidente Macron e com o presidente Sanchéz para a interligação de gás natural ou de hidrogénio verde que é, aliás, o que está em cima da mesa.
São projetos absolutamente extraordinários para Portugal e não nos podemos desviar desse foco.
Já o muro dos Pirenéus continua a ser difícil de ultrapassar.
Sempre foi, mas as interligações por via marítima são muito interessantes e conseguiram-se financiamentos para elas.
Isto é muito importante porque nos permite que não só Portugal e Espanha possam colocar a energia renovável que produzem no centro da Europa, mas também nos permite que nos períodos em que não temos produção de energia ir comprá-la ao centro da Europa a preços muito mais baratos.
Mas esse corredor, que deveria passar nos Pirenéus, não faria toda a diferença? Há aqui uma falta de vontade política de França?
Acima de tudo, a questão de França não coloco ao nível da falta de vontade do atual governo francês. Sempre senti, nomeadamente no regulamento europeu aprovado em dezembro de 2017 na negociação do pacote Clean Energy, que foi fechado tudo o que havia para fechar.
E há objetivos no regulamento que são vinculativos, são lei, que foram assinados com o governo francês de Macron. Portanto, não consinto essa dificuldade, mas França tem uma dificuldade na rede, especialmente no sul de França e eles precisam de fazer reforços.
Não está preocupado?
Não estou preocupado com isso, temos é de ser capazes de avançar mais nas questões das interligações e ao longo dos anos Portugal tem feito esse trabalho.
E a questão que surgiu, nomeadamente com o Nord Stream e com as dificuldades que a Alemanha passou a ter com a ligação à Rússia, são uma grande oportunidade para colocarmos na agenda aquilo que é a produção renovável em Portugal, acelerarmos os licenciamentos, nomeadamente nas áreas ambientais.
É preciso acelerarmos os processos, fecharmos a terceira interligação do gás no Douro que foi chumbada na Agência Portuguesa de Ambiente e é preciso voltar a reativá-la para a questão do hidrogénio verde ter capacidade de escoamento.
São grandes objetivos e o ministro Duarte Cordeiro tem trabalhado muito bem nos últimos meses.
Todos esses temas tocam o PRR. Está preocupado com as taxas de execução?
As informações que tenho não são no sentido de que haja uma preocupação. Agora, dizer-lhe que não estou preocupado seria irresponsável.
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