João Oliveira na terra que já foi comunista, “sem desespero nem facilitações”
Bom dia, somos do PCP, e estamos aqui a apresentar as nossas propostas para ver se melhoram as condições de trabalho e a vida”. João Oliveira, primeiro candidato do partido ao Parlamento Europeu, repete o discurso com voz pausada e sorriso aberto, de cada vez que alguém sai na portaria da Crisal - uma das fábricas da Marinha Grande que continua a produzir vidro, e onde trabalham cerca de 300 pessoas. Entrega um pequeno panfleto com frente e verso, onde o PCP diz ao que vem: aumentar salários e pensões, salvar o SNS e assegurar a todos o direito à saúde, garantir o direito à habitação, entre outros. E mesmo que em matéria de direitos todos estejam interessados em alcançar, sabe que no que toca aos deveres, nomeadamente o cívico, do voto, os tempos não são famosos para o partido. Ali, na Marinha Grande, onde o PCP já foi poder, e o concelho considerado um bastião comunista, há muito que começou a ser ultrapassado: primeiro pela esquerda (PS e BE) e agora pela direita.
Nas legislativas de março, o Chega - que lhe mordera os calcanhares da votação em 2022 - ultrapassou-o com uma vantagem de 13 pontos percentuais. Entre os 22.269 votantes, o partido mais votado foi o PS (29,84%), mas logo seguido do Chega (20,05%) e da coligação PSD/CDS (19,43%). A CDU (PCP/PEV) ficou assim em 4º lugar nas eleições, com apenas 6,40% da votação.
Ainda assim, a luta continua. À hora marcada, dois homens de meia idade aproximam-se da fábrica, antes da chegada de João Oliveira, que já vinha de uma cerâmica em Alcobaça. Cada um traz consigo uma bandeira enrolada, um deles carrega uma coluna de som, outro um microfone, que afinal não vai ser preciso.
Hão de juntar-se a eles mais alguns elementos do partido, como Etelvina Rosa, antiga dirigente sindical. Conhece como poucos a massa operária da terra onde nasceu e vive há 68 anos, onde acompanhou greves, falências e insolvências, e assistiu à transformação da sociedade, a partir do momento em que os trabalhadores passaram a ser “colaboradores”, e os quadros de pessoal das indústrias se fazem muito à conta do trabalho temporário. “Esses não querem saber do sindicato para nada. Até têm medo de aceitar um papel”, conta ao DN Hilário Barros, o delegado sindical da Crisal, torneiro mecânico de profissão, há 10 anos ao serviço naquela fábrica. À medida que vão saindo os colegas, alguns cumprimentam-no.
Há anos que o partido começara a perder terreno, em linha com o quadro geral do país, e isso nota-se no meio laboral. Por isso as expetativas para a saída da fábrica nesta sexta-feira não eram muito elevadas. A maioria dos trabalhadores aceita o panfleto, e os que o recusam não mostram, em geral, qualquer animosidade. À exceção de um pequeno grupo de mulheres, que é mais explícito. Filipe Norte, único funcionário do partido na Marinha Grande, conhece bem o registo: “basta a da frente dizer que não, quem vem atrás faz o mesmo”. No panfleto está escrito o que se vai ouvindo numa gravação, através da coluna de som: “passadas as eleições os problemas permanecem. Os salários e pensões de reforma continuam curtos, a habitação inacessível para muitos, enquanto os grupos económicos lucram 25 milhões por dia”. A voz da gravação alterna com a música. Ouve-se Zeca Afonso cantar o “Grândola”, e de vez em quando Luís Varatojo (Luta Livre) e o “Panela de Pressão”.
A última vez que João Oliveira esteve na Marinha Grande envolveu também “alguma poesia”, como o próprio gosta de lembrar. Foi a 18 de janeiro, para assinalar os 90 anos da revolta. Hoje as circunstâncias eram outras, com ligação à realidade atual. Olha para aquela terra como “um exemplo daquilo que Portugal pode ser, mas hoje não é: podia encarar o seu futuro, aproveitando as suas potencialidades e os seus recursos, pondo-os verdadeiramente ao serviço do seu desenvolvimento, e da forma como ambas têm sido desaproveitadas; como temos vindo a perder capacidade produtiva, em função de dois fatores que contribuem para isso - políticas nacionais nesse sentido, e por outro lado imposições e orientações da União Europeia”.
Ver para além das votações
O candidato do PCP às eleições europeias sabe bem a terra que pisa. “Mais do que ficarmos agarrados ao passado com algum sentimento de amargura, temos que olhar para esse desafio com o olhar que a experiência do nosso partido nos dá. Isso resultado sobretudo daquilo que é a vida, concreta”, afirma ao DN João Oliveira, já depois da visita, na sala de convívio do Centro de Trabalho do PCP, no centro da Marinha Grande. Recorda que “na revolta de 18 de janeiro de 1934, não havia propriamente uma perspetiva florescente para os trabalhadores e para a população da Marinha Grande. E foi com aquele exemplo de coragem e determinação que se criaram as raízes que viriam a dar ‘uns anitos depois’ aquilo que temos ali naquela fotografia, no 1º de maio de 74”. Aponta para uma tela gigante que reproduz um mar de gente, nas ruas da cidade, naquela que foi a verdadeira celebração do 25 de abril. Sabe que os tempos são outros, conhece bem os resultados das eleições. “Se olharmos para os resultados eleitorais como critério de avaliação social, só vemos uma pequeníssima parte”, afirma.
“Quando olhamos para as ações de luta dos trabalhadores, que exigem coragem, no dia a dia (para fazer uma greve, um abaixo-assinado, ir à discussão com os patrões); quando os pequenos e médios empresários se organizam e procuram encontrar soluções para os seus problemas, quando as populações se organizam para lutar por um centro de saúde que não funciona, essa dimensão da dinâmica social não é expressa do ponto de vista eleitoral”, acredita. De resto, fala de uma transformação da dinâmica económica, intimamente ligada ao retrato social. E diz-se pronto para encarar de frente essa realidade que temos hoje, “sem desespero nem facilitações”. Até porque está convicto de que “a tradição política dessa dinâmica social que se vai gerando, a partir da luta dos trabalhadores e da população, em muitas circunstâncias só aparece muito tempo depois”.