Nos primeiros contactos com o Governo, em julho, o Livre disse que tinha uma visão diametralmente oposta à da AD em muitos assuntos, mas não deixou claro que votaria contra o Orçamento do Estado para 2025. Desde então houve dados novos que justifiquem uma posição definitiva? Ou decidiram esperar pela reunião com o Governo que tem lugar esta terça-feira?Não tivemos contactos posteriores por parte do Governo e não podemos indicar sentido de voto sobre algo que não conhecemos. Mas sabemos que Livre e AD têm visões diametralmente opostas e, portanto, dificilmente o Livre viabilizaria um Orçamento da AD. Seria uma grande surpresa, que sabemos que não irá acontecer..Em julho, Rui Tavares falou num rio muito grande que vos separa. Qual seria a travessia possível?Seria necessário que o Governo estivesse empenhado em fazer as pontes e com vontade de discutir medidas de ordem de grandeza estrutural e que mudassem o país. E não foi isso que aconteceu na primeira reunião. Falou-se de várias medidas, mas o Governo claramente não tinha ou não deu indicações de as querer acompanhar. Quando pré-anuncia medidas como a descida do IRC no próximo ano e nos seguintes, a que se soma o IRS Jovem e outras medidas que, entretanto, anunciou ou implementou, sabemos que o Orçamento já está muito condicionado. Entendemos que os três mil milhões de euros que existem de folga, pois o Governo está a abdicar deles em receitas fiscais, beneficiando sobretudo as grandes empresas e quem tem mais rendimentos, poderiam ser aplicados de forma muito mais estrutural, que ajudasse muito mais pessoas e, sobretudo, que ajudasse muito mais quem tem menores rendimentos. Sabemos que isso é que faz o país crescer e traz maior crescimento, no sentido não só económico, mas também de redução das desigualdades e de aumento do bem-estar..Portanto, não antevê uma aproximação do orçamento social e ecológico que o Livre advoga?Vamos ver, pois temos um Parlamento em que os partidos que suportam o Governo não têm maioria. O Livre vai apresentar propostas, assim como os outros parti- dos, e, dependendo da configuração das votações das propostas de alteração, pode ser que várias sejam aprovadas. O Orçamento que sai da Assembleia da República é diferente daquele que o Governo apresenta. Nesse sentido, o Livre pode ter a expectativa de ter várias propostas aprovadas, embora não com o apoio dos partidos que estão a suportar o Governo..Provavelmente isso implicaria, o que não digo que seja impossível, que essas propostas pudessem ser apoiadas pelo Chega.Se a esquerda votar a favor, basta o Chega abster-se para as propostas passarem. Nós apresentamos as propostas em que acreditamos, e a forma como outros partidos votam é responsabilidade deles..No primeiro contacto com o Governo, o Livre contrapôs ao IRS Jovem, que dizem beneficiar os que têm salários mais elevados, a vossa proposta de herança social, atribuída a quem nasce em Portugal. As medidas são necessariamente incompatíveis?O que nos parece é que o IRS Jovem beneficia sobretudo jovens, ou menores de 35 anos, que têm rendimentos já muito elevados. Não nos parece justo que alguém de 34 anos com rendimentos elevados pague um IRS menor do que alguém de 36 anos com rendimentos mais baixos. O que nos parece justo é ter o IRS mais progressivo possível, que beneficie sobretudo quem tem rendimentos mais baixos, e temos a proposta da herança social, que permite dar a todos os que iniciam a vida adulta uma oportunidade para concretizarem um projeto, seja familiar, profissional, ou que as faça crescer. Há quem chegue à vida adulta e tenha o conforto de uma família que as apoia na compra de uma casa, ou na criação de uma empresa, ou na compra de material que permita começar um projeto. E outros que não têm. A nossa proposta é estudar uma herança social para todos os jovens em Portugal, para corrigir esta desigualdade na entrada da vida adulta. Mas temos outras propostas para corrigir questões da desigualdade, pois sabemos que o apoio à infância é importante, e não só para proporcionar uma infância melhor..Também para assegurar bases para a vida adulta?Sim, porque a maneira como nos desenvolvemos na infância tem impacto em toda a vida. É obrigação do país garantir que todas as crianças tenham uma infância rica em experiências, sem pobreza e com acesso à Educação. Por isso, outra das propostas que levámos para a reunião com o Governo foi aumentar as prestações do abono de família..Do outro lado da mesa não viram qualquer abertura?As propostas foram registadas, mas não vimos grande abertura, sobretudo por terem um volume orçamental grande. O Governo vai abdicar de uma grande parte da receita ao descer o IRC e com o IRS Jovem. É para contrapor às propostas do Governo que aprovámos estas, que são estruturais e mudam a vida das pessoas..Depreendo que as vossas expectativas de fazer aprovar medidas, o que conseguiram na legislatura anterior, com um Governo de maioria absoluta, estão agora bastante mais reduzidas.Vai depender muito da dinâmica parlamentar. Antes, havia um Governo de maioria absoluta e tínhamos de negociar sobretudo com o PS, mas agora a dinâmica parlamentar é muito diferente. Vamos ver como vai correr, mas o Livre tem expectativa de apresentar propostas importantes para o país, e de as ver aprovadas, pois há diferentes configurações parlamentares que permitem essa aprovação..Estão preparados para discutir não só com os grupos parlamentares à esquerda, mas também com os que estão à direita e não fazem parte do Governo? O Livre dialoga com todos os partidos do foro democrático. Sempre foi uma das nossas premissas. Em grande parte das matérias temos posições diametralmente opostas às de vários partidos à direita, mas há questões em que conseguimos encontrar pontos de diálogo, nomeadamente de defesa do Estado de Direito. E, nas outras questões, nunca nos furtamos a dialogar com todos os partidos do foro democrático..O Livre e a Iniciativa Liberal (IL) manifestam-se, por razões diferentes, quase diametralmente opostas, contra o IRS Jovem...Por motivos bastante diferentes. O Livre considera que os impostos devem ser progressivos. Para a IL, deve haver uma taxa única para todos e os impostos devem baixar, pois acredita que, baixando os impostos para quem mais têm, toda a sociedade ganha. O Livre sabe que não é assim, e que é preciso haver progressividade, porque é assim que a nossa sociedade funciona: beneficiando aqueles que menos têm, estamos a dar oportunidades para que consigam crescer e a reduzir a desigualdade. Os impostos têm a função de reduzir a desigualdade e permitir ao Estado ter receitas para garantir igualdade de oportunidade para toda a gente..Na vossa rentrée política pode esperar-se que novas propostas sejam anunciadas?Vamos voltar à taxação das grandes fortunas. Apresentámos um projeto de resolução há meses e, entretanto, no G20, sob presidência brasileira, o tema foi discutido, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, já disse que a proposta de uma taxação sobre as grandes fortunas dos milionários do mundo merece estudo e consideração. O Livre acha que Portugal deve apoiar ativamente esta iniciativa, e mais do que apoiar, deve contribuir para que seja operacionalizada e implementada. Voltaremos a propostas que já fizemos antes, nomeadamente na Saúde. Está pior do que nos últimos anos, as Urgências estão caóticas e não vemos vontade do Governo para resolver o problema estrutural que existe, com a dificuldade de retenção e atração de profissionais para o Serviço Nacional de Saúde. Voltaremos a propostas como o programa Regressar Saúde, que propusemos no mandato passado, mas que o Governo do PS não quis implementar, que é o alargamento do programa Regressar, mas focado em profissionais de saúde, que são dos profissionais que mais saem do país, nomeadamente enfermeiros. E depois há outra questão que levantámos na legislatura passada e apresentámos um projeto de resolução, mas foi chumbado, que tem a ver com a transparência e lealdade entre o setor privado e público na Saúde. Sabe-se tudo sobre o Serviço Nacional de Saúde, mas sobre os privados há muita informação que não sabemos..Arrisca prever o desfecho deste processo orçamental e vê motivos para acreditar que Montenegro vá governar em duodécimos ou que haja mais uma dissolução da Assembleia da República?Isso está muito nas mãos do Governo e da forma como se apresentará nos próximos meses no processo orçamental e qual vai ser a abertura para dialogar com os vários partidos e para colher as suas propostas. Da parte do Livre continuaremos a fazer o nosso trabalho, que é apresentar propostas. Temos disponibilidade para dialogar tanto com o Governo, como com todos os partidos do foro democrático para que essas propostas sejam aprovadas e depois implementadas, o que é outra questão importante: as propostas aprovadas no Orçamento do Estado serem de facto implementadas.