Hugo Costeira: "A comparação com a PJ sempre foi errada. Os sindicatos das polícias têm de por os pés na terra"
Como analista de risco, que avaliação faz para a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, em relação às negociações com os sindicatos da PSP e da GNR? Qual o risco que corre se não chegar a acordo?
A ministra da Administração Interna tem feito um grande esforço para chegar a bom porto. Infelizmente, a condição financeira não depende só dela. É uma ministra que está preparada para a pasta, mas tem aqui uma dificuldade, que é a questão das Finanças. Acho que se ela conseguir chegar a bom porto com os sindicatos ou com alguns dos sindicatos, pelo menos, atendendo às projeções que já vi, ela ganha porque consegue algo de positivo para as suas forças de segurança. Mas acho que, acima de tudo, todos os polícias vão ganhar, porque todos os polícias, independentemente de não se conseguir atingir tudo aquilo que pretendem, vão ter um aumento substancial na sua retribuição. E isso é mais do que justo.
Mas sabendo que não vão atingir o que pretende, que é um subsídio de risco igual ao suplemento de missão da PJ – como um aumento total de 600 euros – o Governo não devia já ter explicado porque o efetivo da PSP e da GNR não pode no seu todo ser equiparado ao inspetores da Polícia Judiciária (PJ)?
Recordo que, talvez há sete ou oito meses atrás, estávamos a falar do perigo da proximidade do salário mínimo nacional ao salário base das polícias e, de repente, aparece um suplemento de missão atribuído a uma PJ. E é fundamental que as pessoas percebam que não podemos comparar uma PSP ou uma GNR a uma PJ por vários motivos. Há um erro que eu entendo que é inicial. O conteúdo funcional das forças e serviços de segurança é diferente. A metodologia de acesso e de recrutamento é diferente. E eu digo que ainda me choca mais perceber que há oficiais da polícia que se comparam aos inspetores da PJ. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Logo à partida o trabalho dos inspetores da PJ tem um grau de complexidade superior (grau 3 nos parâmetros das carreiras especiais da função pública) que só os oficiais da PSP e da GNR têm…
É muito relativo. Não podemos atribuir um grau de complexidade dois a um patrulheiro que sai de manhã de serviço, vai a uma ocorrência de uma violência doméstica, depois uma morte, a um acidente de viação, problemas entre vizinhos, agressões, esfaqueamentos. Isto tem a complexidade que cada segundo lhe dá. Agora, há alguém que está num gabinete e cuja função é comandar e fazer escalas e dar orientações e tem um grau de complexidade três. Mas também não podemos depois pegar no inspetor da PJ que está a investigar um grupo internacional de tráfico de droga, pornografia infantil e dar lhe também o mesmo grau de complexidade. Estamos a falar de coisas diferente.
Então entende que esta equiparação não podia ser colocada em cima da mesa da forma como foi pelos sindicatos?
Não. Acho que é infeliz porque nós não conseguimos atingir a justiça da complexidade da missão policial. O facto de estarmos a dizer que um agente, um patrulheiro tem um grau dois de complexidade, atendendo àquilo que nós sabemos que eles fazem, é redutor. É injusto dizermos que um oficial de polícia tem um grau três e que um inspetor da PJ pode ter um grau três. É também redutor e injusto para todos, claro. Acho que a comparação com a PJ foi sempre errada e isto criou nos elementos das forças de segurança uma expetativa que jamais poderia ser cumprida. Até porque não podemos esquecer que o ministério da Administração Interna (MAI) é um gigante. O impacto salarial que estes 44.000 polícias têm neste orçamento é algo que tem de ser contemplado, até porque Portugal não é conhecido por ser um país que nade em dinheiro. Não podemos esquecer que no período da troika as carreiras policiais foram as menos prejudicadas. E agora estamos numa situação em que, se há meses atrás falávamos do perigo da aproximação do salário mínimo nacional ao salário dos polícias, que acho um ultraje, agora estamos a tentar comparar aquilo que não é comparável.
Quando estamos a fazer esta entrevista estava em cima da mesa uma proposta do MAI de 300 euros de aumento para todos. É justo?
Terá um impacto muito grande. A título de exemplo, sem contar com outros abonos que têm, só contabilizando o salário base e o subsídio de risco, com o aumento de 200 euros já em julho, um guarda e um agente no início da carreira passam de 1253 euros para 1453 euros; um oficial, em início de carrira, de 2 078 euros para 2 278 euros. Em 2026, depois de somados mais 100 euros, os agentes e os guardas ficam com 1 553 euros e os oficiais com 2 378 euros. Os sindicatos também podem negociar outras compensações, como deduções fiscais nos valores pagos pelo arrendamento de casas em zonas mais complicadas, como Lisboa, que é onde boa parte dos novos polícias são inicialmente colocados. Os sindicatos têm que pôr os pés na terra e começarem a perceber de que forma é que realmente conseguem ser úteis aos seus associados. Aliás, o Observatório de Segurança Interna (OSI) em tempos apresentou um pedido aos sindicatos que equacionassem negociar com o Governo benesses fiscais, por exemplo. Até porque não podemos esquecer que os serviços remunerados dos agentes já beneficiam eles próprios de um estatuto fiscal diferente da PSP. Não nos podemos esquecer também que o orçamento do MAI não é infinito e que outras rubricas a que é preciso responder e que contribuem muito para a melhoria da ação policial, como é o caso das bodycams. Andamos há oito anos a falar de bodycams, por exemplo, e quando começar a contratação pública para as bodycams são precisos muitos milhões. As nossas forças de segurança precisam de ter bons equipamentos, mas precisam de ter equipamentos que lhes transmitam segurança nas suas atuações.
Esta semana o governo apresentou o Plano de Ação para as Migrações. Que impacto prevê que vá ter, do ponto de vista policial?
Primeiro, foi um erro do anterior Governo acabar com o SEF. Perderam-se competências, know how, no fundo, perdeu-se o fio à meada. E quando falamos de imigração, estamos a falar de direitos humanos. Portanto, tudo aquilo que se fizer agora para trazer seriedade e celeridade no tratamento dos processos é positivo. Primeiro aqueles que estão pendentes e analisa-los, saber se foram bem instruídos, se a documentação existe. Tratar todos esses processos do ponto de vista administrativo, com a celeridade possível, não perdendo de vista a segurança interna do país e ao mesmo tempo começar processos do zero. Acolher as pessoas que vêm para cá e saber quem elas são. Não retirar ao processo a questão policial. E quando digo a questão policial, não digo na questão repressiva, mas digo na questão preventiva, de análise de informações, saber quem são as pessoas, consultarem-se as bases de dados que devem ser consultadas. No entanto, no meu entender, o Plano tem um erro, que é a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP. Para mim não faz sentido.
Porquê, sendo que grande parte dos migrantes se concentram em zonas urbanas da competência da PSP?
A PSP tem as fronteiras aeroportuárias. A GNR tem todas as outras. A GNR já tem há muitos anos vários tipos de competências nas fronteiras terrestres, na área marítima e tem também nas fronteiras aeroportuárias, por via da Autoridade Tributária. Portanto, nunca conseguiremos afastar a GNR de nenhum tipo de fronteiras.
Mas a função desta Unidade é a fiscalização dentro do território, não é junto às fronteiras…
A GNR tem competências em 94% do território nacional.
Lembro-me que quando se definiu a transferências de competências do SEF, a PSP também ia ficar com o controlo dos terminais de cruzeiros e acabou por ir para a GNR...
Em boa verdade, foi o parecer do Observatório de Segurança Interna que trouxe isso à luz do dia.
Neste caso é um erro?
Acho que é um erro. Temos de olhar para a estrutura da PSP e percebermos que cada vez mais precisamos de polícias na rua. Não precisamos de polícias fechados em gabinetes, nem de novas unidades nacionais. Precisamos de acabar com esquadras e de pôr polícias na rua, precisamos de olhar para as novas tecnologias, para as ferramentas internacionais que nos são trazidas do policiamento pela intelligence.
Porque é que a criação desta unidade na PSP contraria esse princípio?
Porque já termos uma GNR perfeitamente capaz nesta área e vai contrariar a pretensão do Governo em ter mais polícias na rua. Porque estamos a criar outra unidade nacional para fazer fiscalização e o que queremos é mais patrulheiros na rua, que é a génese do policiamento. E a GNR já faz milhares de fiscalizações relacionadas como a imigração ilegal na construção civil, em estabelecimentos de restauração e bebidas.
Acha também, como o ministro Leitão Amaro, que a questão das migrações foi uma “herança pesada” deixada pelo anterior governo?
Acho que na Administração Interna a herança mais pesada que este governo herdou foi a desinformação toda à volta das carreiras da PJ e do suplemento de missão, com todo o impacto que isto veio desde o fim do anterior Governo, que se afastou do processo, deixando para o governo que viesse a seguir.
Mas não acha que Luís Montenegro, em campanha eleitoral, também deixou encher esse “balão”?
Nessa altura, em termos de Finanças, ele não tinha dados suficientes que lhe permitissem chegar-se à frente com um valor. Tenho a certeza absoluta de que se ele soubesse que podia aumentar a 800 ou 1000, teria logo avançado. O primeiro-ministro tem uma noção real das situações em que vivem os polícias todos os dias e da necessidade de aumento de salários. Agora ele também tem uma postura muito assertiva em relação às questões financeiras. E esse choque, infelizmente não vai ser a favor dos polícias. Obviamente vai ser a favor do equilíbrio das finanças públicas.
O Relatório Anual de Segurança Interna sublinha um recrudescimento dos extremismos, de esquerda e direita. Qual é a sua avaliação e que agendas mais o preocupam?
Tenho alguma dificuldade a lidar com algum tipo de extremismo, confesso. O anti-semitismo é algo que me tira do sério pela ignorância basilar de quem protesta…
O Hugo Costeira também já sofreu isso na pele não foi? Há dias contou à CNN-Portugal que foi injuriado e cuspido por ativistas pró-Palestina…
Aconteceu quando ia a sair, como um amigo, da cerimónia do 76º aniversário do Estado de Israel, no cinema São Jorge. Era um grupo de quatro ou cinco senhoras, todas com hijab. Cuspiram-nos e gritavam. Nunca me tinha acontecido na vida uma coisa daquelas em lado nenhum. E já estive em Gaza, já estive na Cisjordânia, já estive em Jerusalém. Gritavam “morre judeu, morre judeu!”. Curiosamente em inglês. Depois havia outro que estava a filmar-nos com o telemóvel e a tentar pontapear-nos. A determinada altura pedi “Epá, afastem se de nós, afastem-se!”, e elas continuaram a cuspir-me. Fiquei todo cuspido. E fiquei chocado.
Falemos de extremismos de forma global…
Os extremismos realmente estão a crescer porque nós perdemos o controlo. As redes sociais estão cheias de desinformação. As pessoas deixaram de se preocupar com os assuntos, são tratados de forma muito, muito pela rama. Hoje temos uma data de coisas a acontecer, desde os extremismos, a guerra na Ucrânia. A invasão do Israel pelo grupo terrorista Hamas. Há muita coisa a acontecer que, do ponto de vista político, merece uma atenção. Agora pergunto quantas vezes os nossos primeiros ministros se reuniram com o Serviço de Informações de Segurança (SIS) para debater a Ucrânia ou o que aconteceu em Israel?
Tem resposta?
Acho que os serviços de informações estão completamente a ser subestimados. Já há muito tempo, não é de agora. António Costa até me surpreendeu porque não só apoiou o SIS no famoso caso do computador do ministro Galamba, mas também terminou um processo que demorou 32 anos a chegar a bom porto, que foi a revisão das carreiras dos serviços.
E o que é que os serviços poderiam dizer ao primei-ministro relativamente ao impacto da guerra na Ucrânia ou no médio oriente que tenha impacto em Portugal? Tem a ver também com movimentos extremistas como os ativistas de que já falámos?
Tem a ver com movimentos extremistas, com as famosas fake news, com a própria questão dos movimentos de refugiados. Estamos a aceitar criminosos? Estamos a aceitar pessoas procuradas? Abrimos demasiado o leque ao aceitar refugiados? Vimos a chegar autocarros de pessoas, vimos pessoas a entrar.
Está a falar dos refugiados ucranianos?
Gostava de ter visto uma lógica de segurança interna aplicada a esta realidade. Aliás, saíram notícias de que os os ataques a elementos da Guarda Civil, há uns dias atrás, foram feitos com armas traficadas da Ucrânia. Tivemos o mesmo problema com a guerra da Jugoslávia. Imenso armamento a circular na Europa que foi desviado da guerra da Jugoslávia. Portanto, isto não é novo. E se calhar por não ser novo, é que não deveríamos ser apanhados desprevenidos.
As nossas forças de segurança estão preparadas para lidar com o extremismo? Temos ativistas climáticos misturados com bandeiras pró-Palestina, anti-capitalismo e anti-globalização. Temos a extrema-direita, houve agressões a imigrantes...
Tive a oportunidade de ler umas declarações muito interessantes do Professor José Filipe Pinto, da Lusófona. Estes grupos extremistas têm como objetivo o terrorismo a vários níveis, seja de extrema-esquerda, seja de extrema-direita. Mas a sua finalidade é o terrorismo. O que é que nós temos em Portugal? Temos inteligência de excelência. Temos excelentes serviços de informações que fazem um trabalho de análise preditiva que é partilhado com a PJ que trabalha o fenómeno do ponto de vista criminal. Depois, no terreno, temos forças de segurança muito capazes para, no domínio da ordem pública, nos manterem seguros. A bem ou a mal. Se fazem manifestações, a partir do momento em que o comportamento deles extravasa determinado nível, as forças de segurança são obrigadas a fazer detenções, a fazer cessar as ilegalidades. Podem haver cargas policiais, pode haver tensões, mas são essas as regras.
Vai deixar o Observatório. O que que segue?
Ver o meu filho crescer e, portanto, dedicar-me inteiramente à família. O OSI cresceu e fica em muito boas mãos, com o professor Luís Fernandes, especialista na área balística forense. A futura direção vai integrar o Observatório numa universidade situada a norte. Vai fazer parte da mecânica das licenciaturas em Ciências Forenses e Ciências Criminais.