Helena Carreiras: "Faltam-nos munições e equipamentos para operar os meios, porque desinvestimos"
É a primeira mulher a ser escolhida para ministra da Defesa. Afiança que os Leopard 2 que vão a caminho da Ucrânia estão operacionais, que o país duplicou as reservas de guerra, mas faltam balas, e assegura um reforço de 16% na Lei de Programação Militar.
É a primeira mulher ministra da Defesa em Portugal, Helena Carreiras nasceu em Portalegre, licenciou-se em Sociologia no ISCTE, em 1987, e foi também aí que obteve o grau de mestre em 1994.
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Tem intervenção pública e publicada em assuntos de defesa nacional há vários anos, área na qual se tornou especialista. António Costa trouxe-a para a cabeça de um ministério tradicionalmente comandado por homens.
Vamos começar por uma das notícias que marcou a semana passada, a morte de um militar e cinco outros feridos num exercício em Santa Margarida. Disse na altura que ia investigar e agir em conformidade. Já há alguns dados sobre o que de facto aconteceu?
Não, ainda não há dados e os processos de averiguação estão em curso, o próprio exército abriu desde logo, e como é devido, um processo de averiguações. A Polícia Judiciária Militar foi para o terreno no primeiro momento e o Ministério Público abriu já também um conjunto de averiguações. É preciso compreender o que aconteceu, quais as causas da explosão, tratava-se de uma equipa de militares qualificados para este tipo de operações de inativação de explosivos, é por isso que mais ainda é importante compreender as circunstâncias que originaram este trágico acidente. Tive a ocasião de visitar os cinco feridos, juntamente com o senhor Presidente da República, e estão todos a recuperar bem, felizmente. Este era o tempo de desejar as melhoras a estes militares, de apoiar a família da vítima mortal e mostrar solidariedade para com os camaradas que estavam. Agora a seguir será o tempo de averiguar essas circunstâncias, o Exército também o fará seguramente, eu própria estarei muito atenta para analisar os resultados desses processos e, caso necessário, agir efetivamente.
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Mas não há ainda nenhuma conclusão preliminar que aponte para um acidente ou negligência?
Não tenho ainda nenhuma informação e vou aguardar tranquilamente pelos resultados. É importante nestas alturas não nos precipitarmos, não tirarmos conclusões indevidas de indícios, de conversas, temos de ter esta firmeza, mas a prudência e a paciência para termos os resultados consolidados desses processos de averiguações.
A senhora ministra esteve na Ucrânia, precisamente a 24 de fevereiro, data em que se marcou um ano da guerra. O que é que trouxe dessa visita a Kiev?
Foi uma visita muito impressionante. Pelo que pude constatar relativamente aos efeitos da guerra que pude observar, mas sobretudo pelo contraste entre essa destruição e os relatos da tragédia que foi e continua a ser esta guerra, mas depois o espírito positivo, a vontade de reconstrução dos ucranianos. Senti ao nível das autoridades, e já venho sentindo nas reuniões que tenho feito e em que sistematicamente encontro o meu homólogo ministro da defesa da Ucrânia, e ali pude constatar de novo. Foi um momento em que se confirmaram as impressões que tinha da resiliência, da coragem e da determinação em ultrapassar os problemas que se sentem e que são muito sérios. Essa é talvez a impressão mais forte que trago da Ucrânia. Mas trago uma outra que tem a ver com a minha presença lá: fui a única governante estrangeira naquele dia, além do presidente da Polónia que depois esteve presente à tarde para entregar alguns dos carros de guerra que a Polónia está a reunir, os Leopard 2 A4. Essa minha presença foi muitíssimo reconhecida, talvez pela circunstância de ter sido a única - embora tenha havido convites a vários outros ministros e ministras da defesa -, mas foi com enorme reconhecimento e agradecimento que fui recebida. Pude assistir à cerimónia de homenagem aos falecidos e às suas famílias, na Praça de Santa Sofia, ao lado do meu homólogo e de vários outros elementos do governo ucraniano. Foi uma distinção que funcionou como um reconhecimento a Portugal, foi assim que o senti e foi também essa a sensação que fui tendo em todas as visitas que me proporcionaram nesse dia em que pude estar lá e que culminou com um momento que representa isto mesmo, que foi ouvir o hino de Portugal tocado num carrilhão nos jardins da Catedral de Santa Sofia. Isto tudo num contexto de guerra, ainda mais impactante se tornou.
Nesse dia, em Kiev, criticou a posição ambígua da China sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas também rejeitou comentar o plano de paz proposto por Pequim por ainda não o conhecer. Ao dia de hoje, já conhece esse plano para o poder comentar?
Há muitos elementos que são positivos nesse plano, mas ele de facto confirma-se que encerra essa ambiguidade, no sentido em que se valoriza as questões do direito à soberania e à integridade territorial, mas ao mesmo tempo não há nenhuma nota de condenação a quem justamente violou e viola esses princípios no qual assenta o plano de paz.
A China devia ser mais clara na sua posição e estar do lado dos países da NATO?
Não vou dizer o que a China tem de fazer, vou dizer é que há de facto uma certa ambiguidade e algum paradoxo na própria posição chinesa. É isso que penso em relação a esse plano.
"É importante um reconhecimento internacional de que o invasor deixe a Ucrânia e se criem condições de negociação (...), mas não senti ainda essa vontade."
A União Europeia, neste momento, não está em condições, ou está, de servir de mediador deste conflito? Isto é, a China e a Turquia parecem ter condições para servir de mediador, o Brasil também já se ofereceu, mas a União Europeia não tem condições para fazer esse papel de mediação, ou tem?
Há uma vontade que tem sido expressa por alguns dirigentes europeus nesse sentido, porém, julgo que antes mesmo de pensarmos quem pode ser mediador - e há várias possibilidades, diria -, temos de pensar se temos condições para ter um processo de mediação e se temos condições para negociar. Porque, de facto, há uma assimetria muito grande e fundamentalmente importa reconhecer que há um invasor e um invadido, e que as circunstâncias para se poder negociar, para se poder dar espaço à diplomacia têm de ser criadas. E essas condições, penso eu, passam pelo reconhecimento de que não podemos redefinir fronteiras pela força, não podemos aceitar como se fosse normal que um país possa invadir outro. Isso vai contra as regras que queremos que fundem a sociedade em que vivemos e, portanto, há aqui um conjunto de condições e circunstâncias que deviam ser garantidas para podermos passar a essa fase de definir quem pode mediar e passarmos à fase da diplomacia. Dito isto, creio que é importante um reconhecimento internacional de que o invasor deixe a Ucrânia e se criem as condições para uma negociação.
Em algum momento sentiu essa vontade, alguma nuance dessa porta aberta em algum momento?
Não, confesso que não senti ainda e que o que sinto neste momento é que é importante apoiar a Ucrânia nos vários planos como pudermos e também militarmente, até porque não estamos a enviar armas para proporcionar uma agressão, mas sim para ajudar alguém a resistir a uma agressão, é isso que está a acontecer ali.
Portugal enviou esse material militar para Kiev, como foi o caso dos tanques Leopard 2, que disse na semana passada estarem operacionais. No entanto, não foi essa a informação que os portugueses retiveram. Afinal funcionam ou não?
Os três tanques Leopard que disponibilizámos à Ucrânia já estão na Alemanha e estão completamente operacionais. Nunca dissemos que não havia carros de combate operacionais, há evidentemente um conjunto de situações de operacionalidade em todos os meios militares que é preciso ter em conta, mas neste caso os carros de combate estão operacionais.
Afinal quantos temos e quantos funcionam, aqui ou na Ucrânia?
Temos 37, cedemos três à Ucrânia, e é uma capacidade que queremos manter e sustentar. Foi por isso que, no quadro desta decisão que tomámos, o fizemos em articulação com os nossos parceiros, neste caso em particular com a Alemanha, com quem conversamos sobre um plano de manutenção e reparação de alguns destes carros de combate que estão mais inoperacionais e que queremos recuperar.
Mas quantos estão operacionais e inoperacionais?
Disse várias vezes publicamente que prefiro não me referir ao estado de operacionalidade dos meios militares. Não me parece prudente, muito menos numa altura destas. Há um conjunto alargado de carros de combate que precisam de reparação e manutenção e é isso que estamos a fazer.
"Um dos submarinos já teve a manutenção e o outro vai agora entrar na sua e com as fragatas podemos antecipar parte de um programa de manutenção, porque se atrasou outro dos Navios de Patrulha Oceânica."
E isso também está a ser feito, por exemplo, no equipamento militar da base do Alfeite? Há muito equipamento da Marinha que está parado no estaleiro do Alfeite. Quando teremos esse plano de recuperação de material que está inoperacional?
Isso é um dos pilares importantes para aquilo que é o plano do governo para a área da Defesa e que é também um dos pilares da minha visão sobre aquilo que deve e pode fazer-se em termos da defesa nacional, que é o foco na manutenção, na sustentação e modernização dos nossos equipamentos. Foram décadas de desinvestimento em defesa, sabemos bem que há um trabalho a fazer, nós e os nossos parceiros, isto acontece um pouco por toda a Europa. Justamente por isso, no quadro do Orçamento do Estado há uma parte substancial do reforço orçamental a ir para a manutenção de meios, designadamente da Marinha e da Força Aérea, e na Lei de Programação Militar, a mais importante no que diz respeito a investimento em equipamentos de defesa. É uma lei plurianual que estamos a rever neste momento, mas uma das prioridades é precisamente a manutenção e modernização dos nossos meios, e isso está a ser feito. Há um programa que tem a ver com a manutenção das nossas fragatas, dos F-16, dos helicópteros EH-101, todos esses meios e equipamentos vão ser mantidos e isso vai permitir recuperar os níveis de operacionalidade.
"O que fizemos com esta Lei de Programação Militar foi dizer que a manutenção é prioridade e nas reservas de guerra duplicámos os montantes."
Mas há um calendário e orçamento para isso?
Isso está a ocorrer. Por exemplo, falou dos submarinos e um deles já teve a manutenção e o outro vai agora entrar na sua manutenção programada e com as fragatas podemos antecipar parte de um programa de manutenção, porque se atrasou um outro programa dos NPO (Navios de Patrulha Oceânica), no quadro de um processo que foi a gestão flexível que eu própria decretei em termos da atual lei de programação militar, e que veio permitir, por exemplo, recuperar o nível de execução dessa lei. Quando cheguei, verifiquei que o nível de execução era relativamente baixo, também devido à pandemia e a todas as alterações políticas que tiveram lugar, e tive a oportunidade de anunciar, na Assembleia da República, que pudemos, em relação a 2022, repor níveis de execução da lei de programação militar. Penso que ainda não temos os números definitivos, mas estará à volta dos 70%, quando tinha sido 50% no ano anterior. Isso foi devido a um conjunto de orientações que foram dadas, quer para operarmos essa gestão flexível permitindo que certos programas possam ser antecipados em relação a outros, e também um sistema de informação e monitorização muito mais próximos desses processos.
Corrija-me se estiver errada: a revisão da Lei de Programação Militar foi aprovada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional há mais de três semanas. Porque é que ainda não foi apresentada à Assembleia da República?
Sê-lo-á em breve, eu própria o tenho comunicado, porque ainda está a ser apreciada em sede de governo.
Então não há aqui um atraso?
Não há um vazio, porque a lei é plurianual, é uma lei que está em vigor e os projetos não deixam de existir, continuam a ser executados. É uma revisão da lei das seis leis de programação militar, e revisões que já aconteceram, e nenhuma delas foi concretizada antes do final do primeiro semestre do ano seguinte. Não há necessariamente um atraso, havia uma indicação de que a lei deveria ser revista até ao final do ano, mas o processo iniciou-se e quisemos que fosse o mais abrangente e rigoroso possível, tendo sido assim que o conduzimos desde que cheguei. É um dos temas que tem estado sempre em cima da mesa porque, de facto, é um dos pilares da nossa perspetiva sobre a modernização e qualidade na defesa nacional. Portanto, está a fazer bem o seu caminho e não creio que esteja atrasado nesse sentido.
Terão sido feitos cortes de cerca de 600 milhões de euros?
Não há cortes nenhuns, há um projeto de proposta de lei que foi consensualizada, não há corte. Ou seja, idealmente, se tivéssemos um país diferente e recursos ilimitados, teríamos certamente outra lei de programação militar que corresponderia às ideais ambições dos ramos e das forças armadas. Temos de fazer escolhas, temos de definir prioridades, foi isso que fiz. E relativamente a esta proposta que está agora a fazer o seu caminho e, como digo, após a apreciação do governo irá entrar na Assembleia da República, houve justamente essas escolhas que foram aprovadas consensualmente no Conselho Superior Militar, que reúne a ministra da Defesa e os chefes dos ramos, e também no Conselho Superior de Defesa Nacional. Portanto, estamos em condições de poder continuar com uma revisão que vai pôr o foco na manutenção, na sustentação e na modernização dos meios.
Portanto, vamos deixar de ter carros parados, navios parados e fragatas paradas?
Exatamente. Mas também é preciso que se saiba que os níveis de operacionalidade dos meios militares nunca são 100%, isso não existe, não é suposto ser assim. Há meios que estão operacionais, há meios que estão em preparação ou que apoiam em suporte e permitam treino, e há meios que estão inoperacionais e que têm de entrar num ciclo de reparação e manutenção. Temos de ter a noção disto, porque às vezes pensa-se que têm de estar 100% operacionais e isso não é suposto acontecer, embora evidentemente tenhamos de ter níveis de meios operacionais. Foi esta a orientação desta lei. Posso adiantar que há uma percentagem perto dos 40%, diria, do total desta lei, colocado justamente na manutenção, mais do que adquirir novos equipamentos que naturalmente sabemos que teremos de substituir eventualmente. Isto porque os equipamentos não devem ser só operacionais, mas também interoperacionais, têm de poder comunicar com outros, até porque agimos em conjunto com outras forças na NATO e na União Europeia e esse tipo de evolução é desejável. Mas aqui o foco foi na modernização, mas também na reposição das reservas de guerra, outro tema bastante falado a propósito da guerra da Ucrânia. Ou seja, sabemos que estamos todos com défices de reservas de guerra.
Isso quer dizer o quê exatamente?
Faltam-nos munições, faltam-nos equipamentos variados para poder operar os meios que temos, precisamente porque desinvestimos, porque as indústrias não produziram e porque vivíamos em tempo de paz, mas agora percebemos que precisamos de ter os meios, mas também as munições, a sustentação e o treino. Há um conjunto de dimensões que são muito importantes quando pensamos em ter equipamentos. Não basta, por exemplo, enviarmos os carros de combate para a Ucrânia, é por isso que foi tão importante fazer isto em parceria, porque é preciso pensar na sustentação e no treino das pessoas. O que fizemos com esta lei de programação militar foi dizer que a manutenção é prioridade, nas reservas de guerra duplicámos os montantes que tínhamos na lei anterior para as repor, focamo-nos nos projetos estruturais que têm de continuar, mas também na inovação e desenvolvimento tecnológico.
Isso tudo quer dizer que não há cortes, haverá então um crescimento?
Há crescimento de pelo menos 16%, é o que estamos a prever em relação à lei vigente.
Neste cenário de guerra - e acabou até de dizer que não temos reservas de guerra porque vivemos um grande período de paz - disse já, por duas vezes, que houve desinvestimento nesta área. Esperava um investimento maior este ano?
Aquilo que temos é o que podemos ter, num contexto em que o país tem lidar com muitas áreas que precisam de ser reforçadas num momento de crise económica. Estou contente com aquilo que temos, acho que justamente porque fazemos opções e com as nossas políticas conseguimos lidar com a situação de alguma carência que existia antes, tanto para nós como para outros países, isto não é nenhuma originalidade portuguesa. O que é importante é que as nossas políticas possam estabelecer as prioridades e formas de organização que nos ajudem a rentabilizar os nossos recursos.
Durante algum tempo, alimentou-se a expectativa junto dos ramos de que o Orçamento do Estado seria reforçado para a Defesa. Não ficou dececionada com a fatia destinada à Defesa neste OE?
Não. Compreendi que aquilo que estava a ser disponibilizado à Defesa era aquilo que era possível. E é um crescimento, repare que não estamos a falar de estagnação ou retrocesso, estamos a falar de crescimento.

© Leonardo Negrão / Global Imagens
"Não nos comprometemos com 2% do PIB para a Defesa (...), para 2024 comprometíamo-nos com 1,66% do PIB. O ano passado, o primeiro-ministro antecipou para 2023 esse objetivo, reafirmando 2% até ao final da década."
Mas não em 2% do PIB, como nos comprometemos com a NATO.
Não nos comprometemos com 2% do PIB e explico um pouco melhor porque é uma questão que tem sido levantada. Os 2% são uma meta, um referencial fixado em Gales, relativamente ao qual o único objetivo de Portugal foi procurar atingi-lo, mas dizendo que em 2024 nos comprometíamos a chegar a 1,66% do PIB. O ano passado, o senhor primeiro-ministro, em Madrid, antecipou para 2023 esse objetivo que é o que temos agora, tendo reafirmado a ideia de que poderíamos chegar aos 2% no final da década. Estes foram os dois únicos compromissos que de facto o governo português assumiu e é com ele que trabalhamos.
Mas temos em conta aquilo que está a acontecer na Ucrânia, a sua própria experiência lá, não deveria levar à aceleração dessas metas?
Há muitas coisas que estão a ser aceleradas. Por exemplo, os projetos cooperativos ao nível da União Europeia e da NATO estão a ser acelerados e também do nosso lado acelerámos alguns processos que eram necessários para podermos ser mais eficazes na nossa ação. O que penso relativamente a estas metas é que temos de ter noção de que são importantes, mas não podemos deixar de ter em conta que contribuímos para o esforço de produção de segurança coletiva internacional de múltiplas formas. E há uma forma através da qual Portugal contribui para esse esforço de produzir segurança internacional e que é muitíssimo relevante no quadro desta guerra, que é a nossa contribuição com as nossas forças nacionais destacadas com as missões internacionais que temos vindo a desenvolver e que são uma componente importantíssima da nossa credibilidade internacional e da nossa política externa. Temos no próximo ano 31 missões internacionais, as nossas forças têm um reconhecimento e prestígio que pude testemunhar, como é comum que testemunhem os governantes portugueses quando estamos na Roménia ou na República Centro Africana. Este ano, tivemos o comando de três missões simultaneamente, estamos em todas as missões da União Europeia e o que tenho sentido em todas as visitas que fiz é um reconhecimento que se baseia em duas razões fundamentais: por um lado, somos muito capazes de interagir com os outros, de comunicar bem, de respeitar o ponto de vista dos outros e respeitar os outros, é um traço fundamental das tropas portuguesas nesses cenários; por outro, a competência profissional, os nossos militares estão muito bem treinados, são muito qualificados e isto é uma avaliação unânime de dirigentes e populações. Os dirigentes pedem portugueses para as missões das Nações Unidas, da NATO, da União Europeia, porque fazemos bem. E se fazemos bem é porque conseguimos equipar, capacitar e valorizar os nossos militares.
Neste momento, está ou não em causa o envio de tropas portuguesas para a Ucrânia ou portuguesas e de outros países da UE em forças conjuntas?
Não, não está em causa neste momento.
Também não estará em causa a NATO ver-se forçada a envolver-se diretamente nesta guerra?
Espero bem que não e a própria NATO tem reafirmado que não é parte da guerra e não pretende sê-lo. A NATO é uma aliança defensiva, é uma aliança que protege os seus territórios e populações, é uma missão de segurança coletiva que agora é reforçada, sobretudo a leste. Mas em Portugal gostamos de dizer que, além da atenção a leste e do reforço da segurança coletiva, é importante estarmos atentos à dimensão 360 graus das ameaças. Aquilo que em África enfrentamos com o terrorismo, a presença de grupos não-estatais que são ameaças aos nossos interesses e à estabilidade desses países também nos deve preocupar. E Portugal tem dado um contributo muito importante nas missões que visam justamente confrontar essa outra dimensão de uma ameaça que é feita a todos nós. Portanto, participamos desse esforço de segurança coletiva, mas não creio que envolva ou deva envolver a NATO mais além neste conflito.
As obras do Hospital Militar de Belém têm sido uma pedra no sapato deste governo por tudo o que têm envolvido. Que desfecho espera desta situação e que afeta o seu colega ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa?
As questões que se têm discutido a propósito dos processos conhecidos de corrupção na Defesa, gostaria de dizer que segui com a maior atenção e preocupação esses processos e decidi, além de facultar as condições para que toda a investigação fosse prosseguida pelo Ministério Público. Mandatei a Inspeção-Geral da Defesa Nacional para, no próximo ano, organizar dois processos inspetivos extraordinários. Um deles tem a ver com esta área das compras públicas, mas também desenvolver um plano de ações de sensibilização especificamente destinada à prevenção da corrupção nesta área das compras públicas. É muito importante fazer-se um trabalho de sensibilização e formação e esse esforço tem sido feito e continuará a ser.
Estará a dizer que o caso do Hospital Militar de Belém pode fazer alguma pedagogia para o que será feito no futuro?
Em relação a este caso, que vai além das próprias obras do hospital, parece-me muito importante salientar que todos temos de estar muito atentos e trabalhar, não só na dimensão legal e judicial, mas também na dimensão de sensibilização e formação para podermos prevenir mais eficazmente estes riscos de corrupção que podem existir. É um trabalho que está a ser feito e que também completamos com um despacho do senhor secretário de Estado da Defesa Nacional emitiu a propósito da monitorização da lei de infraestruturas militares, uma outra lei muito importante que também está a ser revista e que será, em breve, presente à Assembleia da República. São dois elementos de um edifício normativo que está a ser completado e que tem a ver com esta rentabilização do património da Defesa Nacional. Relativamente ao hospital, o que é importante dizer é que estou a avaliar neste momento quais podem ser as utilizações deste edifício e quero fazê-lo, e estou a fazer, em articulação com o ministério da Saúde, para perceber - além das necessidades já identificadas na área dos cuidados continuados da saúde militar -, de que outras formas pode este edifício servir o país e o SNS. É este o trabalho que estou a fazer neste momento.
Quando é que prevê que haja uma decisão sobre essa utilidade?
Logo que terminemos estas conversas. Recebi há muito pouco tempo um estudo que estava em curso, pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas, e que tem de ser ainda completado, mas que vai ser também desenvolvido com esta negociação e parcerias que possamos vir a estabelecer para dar a melhor utilização possível ao edifício.
Houve um outro assunto que preocupou o Exército: o caso das agressões a uma jovem recruta. O que é que isto nos diz sobre o que ainda há a fazer no exército do ponto de vista do assédio e violência?
O que este caso me disse sobre o Exército foi a rapidez com que reagiu imediatamente à situação descrita, instaurando processos disciplinares e reagindo depois, inclusive por via da comunicação social onde se souberam depois mais alguns dados sobre a situação. Além disso, reagiu ao instaurar novos processos disciplinares, que estão em curso, mas em fase de conclusão, e dos quais pelo menos uma certidão já foi extraída por indícios de possível ação criminal que tenha de ser levada a cabo pela Polícia Judiciária Militar ou pelas entidades competentes. Portanto, há uma reação atenta deste ponto de vista e creio que pelo trabalho que temos vindo a fazer, também em termos da prevenção das discriminações e da violência.
Esta semana assinalou-se o Dia Internacional da Mulher. É um tema também de discriminação de género que provoca este tipo de assédio e violência dentro do Exército?
Este tipo de situações passam-se em todas as organizações e instituições, o que temos de ter é esta perspetiva de que temos de encará-las e agir imediatamente. É o que está a ser feito nas Forças Armadas e não tenho dúvidas sobre isso. Há todo um conjunto de medidas que foram tomadas ao nível dos ramos e do próprio Ministério da Defesa e, em conjunto, vão ajudar-nos a minimizar e sobretudo prevenir estas situações. Há muito trabalho a ser feito do ponto de vista da prevenção, que também estamos a fazer, temos um plano setorial da Defesa para a igualdade que contempla muitas destas medidas relativas ao assédio e à discriminação. Não tem apenas a ver com género, é mais amplo, e tem a ver com a proteção dos valores fundamentais da instituição militar e creio que os militares têm esta mesma perceção de que temos de enfrentar desafios culturais, além das medidas mais legislativas que possamos emitir.
Há um plano para a profissionalização do serviço militar, anunciado em 2019, mas praticamente não avançou até ao final da pandemia. Em 2022, anunciou uma comissão coordenadora da implementação deste plano de profissionalização do serviço militar. Qual é o balanço até este momento?
O plano avançou e avançará ainda mais rapidamente agora que concluímos a sua revisão. Avaliámo-lo, revimo-lo, constituí uma comissão presidida pela dra. Ana Santos Pinto, que há um tempo me entregou este plano revisto, que tem um conjunto de medidas que já vinham a ser desenvolvidas, outras são revistas, os prazos são afinados e os seus indicadores também. Estamos em condições de concretizar muitas das medidas que estão neste plano e que são fundamentais para os desafios que enfrentamos na retenção de pessoas, no recrutamento e na transição para a vida civil daqueles que passaram pelas fileiras num período curto. Destaco duas ou três: a questão do alinhamento da certificação da formação das qualificações militares com o sistema nacional de qualificações, já vinha sido feito, e vai ser intensificado, é um objetivo fundamental e uma medida estrutural. Estive sábado numa destas feiras de promoção da integração profissional, na Qualifica, no Porto, onde pude testemunhar muito do que está a ser feito nesse âmbito. Mas são medidas que têm a ver com o quadro de praças no exército e na força aérea, está em processo legislativo, mas vamos concretizá-lo, tem a ver com o aprofundamento do regime de contrato especial, oferecer a possibilidade de em certas áreas funcionalmente adequadas, prolongar o tempo de permanência nas fileiras. Temos aí um terreno de medidas complementares, nenhuma delas por si só resolve os problemas que temos, mas complementarmente acredito que vão ajudar-nos e este plano é decisivo.
Apesar disso, admite discutir o regresso do Serviço Militar Obrigatório?
Admito discutir tudo, não há temas tabu.
Mas parece-lhe que seria uma boa medida?
Não, não me parece que seria uma boa medida porque penso que não há, neste momento, uma justificação. Para aqueles que pensam que podemos resolver o problema de falta de pessoal obrigando os jovens a vir, acho que estão muito enganados. O que temos é de criar condições para atrair as pessoas, para as reter e valorizar. Sabe que os jovens não querem vir para as forças armadas porque é apenas mais um emprego ou porque poderão vir a ter certas condições materiais, claro que são importantes e temos de as garantir, mas eles querem vir - e sabemos isso porque estudámos -, porque as forças armadas oferecem a possibilidade de encontrar coisas que fora é difícil de encontrar. Falo de coisas como a camaradagem, o espírito de corpo, o trabalho em equipa e fazer parte de algo que é maior do que cada um de nós. É uma possibilidade de ter uma comunidade, de ter ligações fortes, são coisas muito valorizadas nas Forças Armadas. Temos de aprender a valorizar isto, mas claro, criando condições para as pessoas quererem ficar. Estamos a melhorar as condições de habitabilidade das instalações militares, algo que é muitíssimo importante, a lei de infraestruturas militares apontou como prioridade o reinvestimento muitos dos recursos que obtemos com a valorização do património militar nas condições de habitabilidade das instalações militares.
Que marca quer deixar a ministra da Defesa no final do seu mandato?
Sou a primeira mulher na Defesa, mas gostava de não ser a última e a marca que queria deixar é que isto se tornasse em algo entendível por todos como sendo natural que as mulheres estejam nestas posições. Mas, sobretudo, quero que as Forças Armadas e a Defesa Nacional fiquem mais próximas das sociedades, que as pessoas possam senti-las como algo seu, porque a Defesa é de todos nós. Aproximar a Defesa da sociedade é uma marca que gostava de deixar e creio que estamos a trabalhar para isso, mas também para uma Defesa mais robusta organizacionalmente e internacionalmente mais credível ainda, se é que é possível. Portanto, credibilidade internacional, uma organização mais robusta e uma Defesa mais próxima da sociedade e das pessoas, é esta a marca que quero deixar.