Há 118 concelhos "em risco". PCP tem 58% das câmaras em "fim de ciclo"
Em agosto de 2025 assinalar-se-ão os 20 anos da aprovação da Lei n.º 46/2005. O que estabelece? “Limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais.” No texto lê-se que todos os autarcas estão limitados a apenas três mandatos consecutivos, cada um de quatro anos. E é precisamente este diploma que faz com que as eleições autárquicas do próximo ano (que acontecerão em setembro/outubro) sejam vistas como um ponto de viragem. Afinal, 118 dos 308 autarcas nacionais estão em “fim de ciclo” - eram 145, mas foram saindo.
A análise feita pelo DN mostra que, apesar de o mapa autárquico ter ficado cor-de-rosa em 2021, são também os socialistas que mais presidentes de câmara terão de trocar: 54. São mais 10 do que os do PSD, que tem 44. A CDU terá 11 das suas 19 autarquias obrigadas a mudar - tantos quantos os independentes que estão em funções e, destes, cinco também já estão em fim de ciclo: 12 anos. O CDS, sozinho, governa em seis municípios e em três (Albergaria-a-Velha, Vale de Cambra e Velas, nos Açores) o candidato terá de ser diferente. Na Madeira, o autarca de Santa Cruz, Filipe Sousa (JPP), também vai sair por cumprir o terceiro mandato.
Tradução: PCP tem 58% de câmaras em “risco” - na limitação de mandatos, 40% mudam de partido - , CDS tem 50%, o PSD acima de 39%, PS mais de 36% e há ainda 26% de câmaras lideradas por independentes na mesma situação.
Os dados da Secretaria-Geral do MAI mostram que em 2013 havia 160 municípios com autarcas nesta situação. Em 2017 o número desceu para 41. Em 2021, 145 dos 308 presidentes de câmara eleitos cumpriam já o segundo mandato autárquico, o que significava que em 2025 teriam de sair. Contudo, há exceções, porque alguns destes foram eleitos para serem deputados ou eurodeputados: 15 ao todo (Ovar, Vagos, Santa Maria da Feira, Valpaços, Bragança, Torre de Moncorvo, Câmara de Lobos, Vendas Novas, Nazaré, Arruda dos Vinhos, Vila Pouca de Aguiar, Amadora, Portimão, Trofa e Mafra). O PSD, por exemplo, conseguiu eleger nas listas para a Assembleia da República nomes como Salvador Malheiro (Ovar), Emídio Sousa (Santa Maria da Feira) e Hernâni Dias (Bragança). Depois de eleitos deputados, os dois últimos passaram para o elenco governativo: o autarca da Feira é o atual secretário de Estado do Ambiente e Hernâni Dias passou a ser secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.
Já os socialistas ‘pescaram’ os autarcas de Vendas Novas (Luís Dias), Nazaré (Walter Chicharro) e Arruda dos Vinhos (André Rijo). Para o Parlamento Europeu escolheram os nomes de Carla Tavares (Amadora) e Isilda Gomes (Portimão), com o PSD a recrutar Sérgio Humberto (presidente da Câmara da Trofa) e Hélder Sousa Silva (Mafra).
Mas houve ainda outra estratégia. Em autarquias em que já se perspetivava esta limitação, o candidato em 2021 foi diferente (como Reguengos de Monsaraz, com o então autarca a ser candidato em Évora) ou mudaram apenas de cor política nesse ano (Barcelos, por exemplo, era PS e há três anos passou a ser PSD, ou Mora, que era do PCP e passou a ser socialista).
Lisboa e Porto: motivações por razões diferentes
No entanto, algumas autarquias são mais apetecíveis politicamente. A Câmara do Porto, por exemplo, é liderada por um independente (Rui Moreira) que está no último mandato. E, tendo a cidade portuense já sido governada pelo PSD entre 2001 e 2009 (com Rui Rio, que depois se tornaria líder do partido), os sociais-democratas (que elegem o líder da concelhia do Porto no dia 13 de julho) certamente quererão reconquistá-la para assim ficarem na liderança das duas maiores cidades do país.
O PS tem na calha dois nomes com experiência política: os ex-ministros da Saúde e da Administração Interna, Manuel Pizarro (que concorreu à autarquia em 2013 e 2017 e perdeu) e José Luís Carneiro, que foi presidente da Câmara de Baião. Ao que tudo indica, a experiência autárquica pode ser um trunfo para o ex-MAI, que é visto a Norte como o nome mais forte para concorrer à Invicta.
Lisboa é um desafio diferente: Carlos Moedas, presidente da Câmara da capital, não está impedido de se recandidatar, por ter sido eleito pela primeira vez em 2021. Com isto o PS terá de apostar num nome forte para reconquistar uma autarquia que já foi sua durante vários anos. E se, numa primeira análise, a candidata mais provável parecia ser Marta Temido (entretanto eleita eurodeputada), uma vez que lidera a concelhia, os socialistas terão agora de escolher outra figura. Um dos nomes falados era o de Duarte Cordeiro, mas, tanto quanto se sabe, o ex-ministro não quererá comprometer-se com funções políticas até ver o seu nome limpo no âmbito do caso Tutti Frutti.
Por isso os socialistas poderão ter de se coligar. Nesse sentido - e ainda que não especificamente só pela autarquia lisboeta -, o Livre propôs criar uma “federação” com PS, BE (que já aceitou o convite), PCP (que aceita reunir) e PAN tendo em vista o “próximo ato eleitoral esperado, as autárquicas de 2025”. A ideia, aliás, já tinha sido defendida por Mariana Mortágua, dois dias após as legislativas: “Os partidos do campo democrático, os partidos ecologistas, os partidos da esquerda têm obrigação de manter abertas as portas do diálogo e de procurar convergências” para fazer “oposição ao governo de direita” de PSD e CDS.
No sábado, Paulo Raimundo, líder do PCP, anunciou que o seu partido aceitou estes encontros. No entanto, recusou comprometer-se a dar uma resposta sobre um eventual acordo: “A questão não é a pessoa A, B ou C, não é o objetivo numérico este ou aquele, a questão é os conteúdos, as propostas, as soluções para as populações e um projeto que responda aos problemas das populações.” Apesar de, na noite eleitoral, Pedro Nuno Santos ter assumido logo que seria oposição e que não havia possibilidades de uma ‘gerigonça 2.0’, o líder do PS poderá agora ter que olhar para esta questão de maneira diferente - que não é pacífica no partido.
Além disso, Sintra (governada por Basílio Horta, pelo PS) e Cascais (PSD, Carlos Carreiras) também vão mudar.
À direita há o CDS, que, apesar de ter estado fora do Parlamento, ainda tem seis autarquias próprias (Ponte de Lima, Albergaria-a-Velha, Vale de Cambra, Velas e Santana). Em coligação, contudo, os centristas estão presentes em 17 câmaras municipais. Em 2025, tal como nas legislativas e nas europeias, irão coligados com o PSD. Se esse acordo incluirá ou não a Iniciativa Liberal é, para já, uma incógnita, mas parece começar a haver reuniões entre sociais-democratas e liberais para preparar as autárquicas - o que não agrada aos centristas.
O regresso do CDS à Assembleia da República dá, no entanto, “outra legitimidade” ao partido para se poder coligar, de acordo com a professora Paula do Espírito Santo, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e autora de um dos estudos pós-eleições autárquicas (As Eleições Autárquicas e Regionais em Portugal). “Normalmente, o panorama nacional tem alguma influência em eleições autárquicas” e isso pode desempenhar um papel em 2025. Afinal, “o poder mudou em relação a 2021 [passou de PS para PSD]” e esse fator pode refletir-se nas eleições para os órgãos locais. No entanto, ressalva a investigadora, “o plano autárquico é muito baseado na pessoa. É uma forma mais pessoalizada de fazer política”, o que faz com que “muitas vezes haja independentes” que se candidatam - algo que não acontece noutros atos eleitorais.
E o Chega neste contexto? Paula do Espírito Santo afirma: “É um partido de uma pessoa só, neste caso André Ventura, e acho que há alguma falta de bases partidárias que permita ter um conjunto de nomes interessante para as autarquias. É um partido ainda pouco trilhado para as autárquicas, não tem staff para se desmultiplicar para estes cenários mais locais.”
Aveiro, Braga e Santarém obrigadas a mudar
Mas há mais: se Lisboa não será uma preocupação para os sociais-democratas, o PSD já sabe que Aveiro, autarquia governada há vários anos por José Ribau Esteves, terá de mudar. O próprio já assumiu também que sairá “no primeiro dia após o fim do mandato” e que não se recandidatará a outra autarquia. Mais a norte, em Braga, Ricardo Rio está também de saída, tal como o presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves. O distrito escalabitano é um dos que mais autarquias tem restritas pela limitação de mandatos: ao todo, são 11 as câmaras municipais cujo presidente vai mudar (Almeirim, Benavente, Chamusca, Coruche, Entroncamento, Mação, Salvaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha). Só Viseu ultrapassa Santarém, com 12 câmaras obrigadas a mudar.
Apesar de limitados pelo número de mandatos consecutivos, nada impede que todos os autarcas se possam candidatar a outro município e depois voltar à casa de partida. Este “buraco na lei” não é, no entanto, sinónimo de que “uma pessoa que teve sucesso numa autarquia possa replicá-lo noutra”, considera Luís de Sousa, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS-IL). “Em malhas urbanas, é muito fácil isso acontecer. Muitas vezes um presidente de junta está bem-visto ali ao lado e então há um convite ou uma hipótese de candidatura na vizinhança. Não há aquela coisa muito identitária, que nas autárquicas pode ser um pouco penalizadora, mas que se perde em zonas mais urbanas”, diz o investigador.
Com Artur Cassiano