Governo quer Alojamento Local a contratar colaboradores no próprio bairro

Proposta consta de um relatório sobre o impacto do Alojamento Local entregue no Parlamento. Executivo propõe também a criação da figura do mediador do AL. Número de unidades caiu 25,2% em 2020.
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O Governo defende que é preciso promover a relação entre o Alojamento Local (AL) e os bairros e população residente, nomeadamente "através do recrutamento de colaboradores do estabelecimento de Alojamento Local no território de localização do estabelecimento". É uma das propostas que consta de um relatório de avaliação sobre o impacto do AL entregue pelo Executivo na Assembleia da República. Outra das medidas preconizadas no documento passa pela criação, a nível nacional, da figura do Mediador do Alojamento Local, com a tarefa de corrigir "conflitos e tensões".

O documento entregue à comissão parlamentar de Economia decorre da lei do Alojamento Local aprovada em 2018, que estabelece expressamente que o "Governo, em colaboração com as autarquias locais, apresenta à Assembleia da República um relatório anual de avaliação do impacto" do AL. No final de outubro, sem que nenhum relatório tenha sido entregue, a comissão de Economia endereçou um pedido ao Governo a solicitar o documento, que deu entrada a 22 de novembro último, com dados reportados a 2020. De acordo com Afonso Oliveira, social-democrata que preside à comissão de Economia, esta questão será ainda "analisada pelos deputados", dado que continua em falta o relatório relativo a 2021. Uma falta que é, aliás, extensiva a 2019, dado que a lei entrou em vigor em outubro do ano anterior.

No relatório, com origem no Ministério da Economia, é defendida a "criação de áreas de sustentabilidade" em vez das atuais "áreas de contenção" - onde, atingida determinada fasquia do número de unidades de alojamento local sobre o total de habitações disponíveis, são impostas restrições, totais ou parciais, à abertura de novos alojamentos locais. Uma nova designação que não implica mexer nas limitações já previstas na lei e concretizadas nos regulamentos municipais criados pelas autarquias. "Mantendo-se as restrições já constantes do regime atual, afigura-se mais conforme com os pressupostos de preservação da realidade social dos bairros e lugares a opção de criação de áreas de sustentabilidade, atento o impacto que o crescimento do Alojamento Local teve, por exemplo, nos centros históricos das áreas urbanas", aponta o relatório, sugerindo então algumas medidas de "conciliação" entre o AL e os espaços onde se localizam.

A primeira é precisamente a contratação de trabalhadores entre a comunidade local, promovendo assim a "relação com a população residente". No mesmo sentido, é sugerido o "desenvolvimento de parcerias com o comércio local de proximidade e associações locais do território de localização" do estabelecimento de AL. O relatório avança ainda uma terceira recomendação, que passa pela "adoção de medidas de eficiência e boas práticas de desempenho ambiental, que promovam a sustentabilidade do território de localização do AL e a sua relação com a população residente envolvente".

É também com o argumento de potenciar as relações entre o AL e as comunidades em que se inserem estes estabelecimentos que o Governo propõe a "criação da figura do Mediador do Alojamento Local", visando "promover o equilíbrio e correção de conflitos e tensões entre residentes, turistas e empresas". "Com esta figura, pretende-se garantir a adequada articulação entre todas as partes e serviços envolvidos no desenrolar da atividade de alojamento local", argumenta o Executivo. A figura do mediador de AL já existe na cidade do Porto - por decisão da autarquia liderada por Rui Moreira -, uma ideia que a tutela quer agora estender ao todo nacional.

Ainda sobre as áreas de contenção, o relatório diz ter sido "detetada a necessidade de se proceder a algumas retificações legislativas" para "maior clareza" - e faz referência ao artigo da lei que prevê a suspensão, por um máximo de um ano, da autorização de novos registos, até à entrada em vigor dos regulamentos municipais; e também ao número máximo de estabelecimentos de AL que um mesmo proprietário pode explorar. O relatório não especifica, no entanto, em que sentido devem ir estas alterações. Atualmente a lei prevê que, nas áreas de contenção, um mesmo proprietário não pode ter mais de sete alojamentos locais (com a exceção dos que já tinham um número superior à data da entrada em vigor da lei).

De acordo com a lei o registo de um estabelecimento de AL localizado numa área de contenção é "pessoal e intransmissível", mesmo que se trate de uma pessoa coletiva. O título de exploração caduca em caso de transmissão da titularidade do registo, de cessação da exploração como AL, arrendamento ou outra forma de alteração da titularidade - uma imposição que visou travar o crescimento do AL nas zonas onde atingiu maior peso. Já em casos de sucessão o registo não caduca.

O que o Governo sugere agora é que seja alargado o leque de situações em que não há caducidade do título. "Volvidos três anos de aplicação deste regime a prática sugere que se prevejam outras causas de não caducidade, como a alteração da titularidade do registo feita para o proprietário do imóvel, que já tivesse essa qualidade à data da entrada em vigor do Regulamento Municipal". Uma mudança que visa dar resposta a uma reivindicação que tem vindo a ser apresentada pelo setor, dado que há casos em que o registo de AL foi feito em nome de um gestor e não do proprietário - uma situação que, à luz da atual lei, não pode ser alterada, sob pena de o registo de AL caducar, não podendo ser renovado, no caso das áreas de contenção. O documento elenca ainda a doação e o divórcio como "outras possíveis exceções considerar, propostas pelas associações do setor".

O relatório do Ministério da Economia também sugere que a lei passe a prever um regime de suspensão de exploração do AL por um período de três anos, passível de ser ampliado até ao máximo de cinco, com autorização camarária. Mas restringida a três situações: quando o estabelecimento de AL sofra obras; caso seja objeto de um contrato para fins habitacionais; ou caso seja usado para residência permanente do proprietário ou familiares diretos (pais ou filhos). Um figurino próximo do que, por decisão municipal, vigora em Lisboa, mas neste caso apenas para as áreas de contenção.

Já quanto aos dados relativos ao ano de 2020, o relatório sustenta que a pandemia de covid-19 teve um efeito "catastrófico para todas as atividades do Turismo e em particular para o Alojamento Local", tendo-se registado um "decréscimo de 25,2%" no número de unidades de AL.

A lei de 2018 que alterou o regime do Alojamento Local foi acordada na Assembleia da República, mas esta não é uma matéria da exclusiva competência da AR - a lei original de 2014 proveio então do Governo de Pedro Passos Coelho. O que significa que futuras alterações podem ter origem diretamente no Executivo.

susete.francisco@dn.pt

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