Governo. As 'vítimas' de Marcelo

São pelo menos seis os governantes cuja demissão foi, de forma mais ou menos explícita, sugerida pelo Presidente da República. A última a cair devido às palavras do inquilino de Belém foi a secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, uma das governantes mais rápidas da democracia (24 horas). O DN faz o levantamento dos principais casos.

A Constituição diz que quem escolhe os membros do governo é o primeiro-ministro, mas quem os nomeia é o Presidente da República. É um poder "substancial" e não "formal", como em tempos o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa teorizou nos seus manuais de Direito.

Ora, se o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa acha que essa prerrogativa de nomear os governantes é "substancial", o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa tem atuado em conformidade. O histórico prova, desde o início do seu primeiro mandato, em 2016, que o chefe do Estado não se tem coibido nunca de dizer o que pensa quando, no seu entender, um membro do governo se torna um "peso político negativo" (a expressão que usou para 'matar' a secretária de Estado da Agricultura Carla Alves).

Marcelo tem-no feito às vezes sintonizado com o primeiro-ministro, mas a maior parte das vezes à revelia deste e até completamente às avessas deste. Foi, mais uma vez, o que aconteceu na última demissão, a da Carla Alves, situação em que, com grande dose de brutalidade, tirou completamente o tapete a Costa.

Atualmente, há três ministros que parecem merecer uma particular atenção do inquilino de Belém: o ministro da Defesa, por causa dos escândalos em torno do Hospital Militar; Fernando Medina, devido à investigação em curso à Câmara de Lisboa; e a ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, a quem já avisou: "Verdadeiramente super infeliz, para si, será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser."

Constança Urbano de Sousa Em junho de 2017, a seguir aos incêndios de Pedrógão, que mataram 66 pessoas, Constança Urbano de Sousa quis deixar de ser ministra da Administração Interna. Costa recusou. Não resistiu porém a uma segunda vaga, em outubro (mais 50 mortos). Estava tudo combinado entre o PR e o PM para a ministra sair. Só que, depois, Marcelo discursou pedindo uma remodelação. No dia seguinte (18 de outubro) a MAI saiu. Costa não gostou de como Marcelo colocou a demissão a seu crédito. A coabitação tremeu.

Eduardo Cabrita deixou o cargo de ministro da Administração Interna em dezembro de 2021, quando surgiu a acusação relativa ao atropelamento mortal de um trabalhador pelo carro oficial onde seguia (junho desse ano). Mas pelo menos desde dezembro de 2020 que o Presidente da República andava a sugerir a sua demissão, por causa de outro caso, o da morte violenta de um ucraniano em instalações do SEF, na Portela.

Marta Temido A ministra da Saúde aguentou bem o embate violentíssimo da pandemia covid-19. O que talvez não esperasse foi a crise nas Urgências Obstétricas que atingiu o SNS no verão do ano passado. De Belém passou a sair a mensagem de que Marta Temido estava em queda, havendo um enorme potencial de conflito no novo cargo de CEO do SNS. Em 29 de Agosto morreu uma grávida numa ambulância em Lisboa. Marta Temido demitiu-se na madrugada seguinte.

João Gomes Cravinho Foi por causa da pressão do PR que João Gomes Cravinho passou de ministro da Defesa (2019-2022) para MNE, atualmente. Em causa esteve o facto de Cravinho não lhe ter comunicado (nem ao PM) o caso de alegado tráfico de diamantes por militares portugueses na República Centro-Africana. Observando o mau clima entre Cravinho e chefias militares, Marcelo sugeriu ao PM que o tirasse da Defesa. Agora o PR vigia os escândalos relacionados com o Hospital Militar.

Rita Marques não deixou de ser secretária de Estado do Turismo por causa do PR. Foi antes por ter perdido a confiança do seu ministro, António Costa Silva (Economia). Depois soube-se que iria gerir uma empresa privada do setor para a qual assinara benefícios fiscais. Não houvesse quem não dissesse que estava a cometer uma flagrante ilegalidade. No passado dia 12, à tarde, o PR juntou-se a esse coro. À noite, Rita Marques anunciou que já não ia para a empresa.

Alexandra Reis No dia 2 de dezembro, Alexandra Reis tomou posse como secretária de Estado do Tesouro. Depois soube-se que no início do ano tinha recebido uma indemnização de meio milhão da TAP. Ao longo do processo, o PR não se coibiu de lhe sugerir que devolvesse o dinheiro ("era bonito que procedesse assim"). E foi pressionando para que a situação fosse esclarecida. No dia 27, Alexandra Reis demitiu-se, a pedido do ministro das Finanças. Durou 25 dias.

Carla Alves durou um dia no cargo (secretária de Estado da Agricultura, de 5 para 6 deste mês). Assim que tomou posse, soube-se que tinha arrestada uma conta bancária cotitulada com o marido, acusado de corrupção. No dia 6, Costa passou uma tarde a defender que Carla Alves não tinha de sair: "Vou demitir alguém porque o marido é acusado?" Ao fim da tarde, o PR dizia o óbvio: era um "peso político negativo". Menos de uma hora depois, Carla Alves demitiu-se.

joao.p.henriques@dn.pt

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