Governo aprova Agenda do Trabalho Digno. Semana de 4 dias apenas estudada no setor privado
Até janeiro de 2023, o Governo quer ver a ser aplicada a Agenda do Trabalho Digno, que hoje vai aprovar em Conselho de Ministros. O pacote legislativo segue agora para o Parlamento. Quanto à ideia de semana dos quatro dias, vão prosseguir estudos.
O Conselho de Ministros aprova hoje o pacote legislativo da Agenda do Trabalho Digno. Serão 70 medidas que depois, sob a forma de proposta de lei, serão enviadas para o Parlamento. A principal responsável governamental por este dossier, a ministra Ana Mendes Godinho (Trabalho, Solidariedade e Segurança Social) disse ao DN que o objetivo é ter todas as medidas "já em operação" em janeiro do próximo ano. Dito de outra forma: uma agenda, anunciada pela primeira vez no programa de Governo em 2019 (segundo governo de António Costa) que agora entra em modo de implementação urgente.
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Falando ao DN, a ministra desvalorizou o facto de a Agenda do Trabalho Digno ter saído das negociações com os parceiros sociais sem o acordo nem dos patrões nem dos sindicatos. "Acreditamos que esta é uma agenda que o país precisa. Os trabalhadores precisam e os patrões precisam. E numa coisa estamos todos de acordo: é melhor um mercado de trabalho com os trabalhadores mobilizados".
O não acordo consumou-se na reunião de 25 de maio da Concertação Social.
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A secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, considerou que as alterações introduzidas pelo Governo são insuficientes e "não resolvem os problemas estruturais" dos trabalhadores. Já o líder da UGT, Mário Mourão, lamentou a falta de acordo, sublinhando a "oportunidade perdida para dignificar o trabalho".
Pelo lado dos patrões, o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros, disse que mantinha a rejeição ao documento do Governo, enquanto o líder da Confederação do Comércio e Serviços, João Vieira Lopes, defendeu que a agenda "introduz restrições e dificuldades" de funcionamento às empresas. Também o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva rejeitou a Agenda do Trabalho Digno. "É um documento para o qual o Governo não procurou acordo, não procurou consenso até porque o único acordo que o Governo procurou foi, ainda no Governo anterior, com os seus parceiros parlamentares na altura", disse Saraiva.
As medidas legislativas seguem agora para o Parlamento e Ana Mendes Godinho pede, como seria de esperar, "um consenso o mais alargado possível" na sua aprovação - portanto para lá da maioria absoluta PS.
Ao mesmo tempo assegura que na negociação parlamentar não haverá parceiros preferenciais - longe vão os tempos da geringonça. "Trataremos todos por igual."
A implementação da Agenda implicará "elaborar um estudo e a construir um programa piloto que vise analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores e o uso de modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho". Segundo Ana Mendes Godinho, a ideia é fazer este estudo no âmbito da concertação social. E esta, por sua vez, só analisa medidas para o setor privado. Dito de outra forma: para já a semana de quatro dias vai ser estudada apenas para aplicação no setor privado. E é aí que serão feitas as experiências-piloto - "voluntárias, apenas". "Ninguém quer fazer isto sem a devida reflexão. Isto é o Estado a fomentar a inovação nas formas de organização do trabalho mas tendo em conta a necessidade de acautelar os interesses dos trabalhadores." O objetivo, por exemplo, é impedir que a semana de quatro dias não represente na sua aplicação uma forma dissimulada de "lay off" (mecanismo usado por empresas em dificuldades que implica diminuição dos horários de trabalho e diminuição dos salários).
Precariedade a crescer
Quanto à urgência da Agenda do Trabalho Digno, a ministra invoca números de estudos europeus que dão conta de uma degradação progressiva das condições de trabalho, sobretudo por via de uma crescente precarização. Por exemplo: enquanto na média da UE o número de contratos a prazo nos jovens é de 49 por cento, em Portugal é de 62 por cento.
Por outro lado, o número de trabalhadores que são precários forçados a sê-lo (porque não conseguem contratos sem termo) é de 82 por cento enquanto na média da UE é de 53 por cento (e na Alemanha em particular não passa dos 15 por cento). Ou seja: Portugal vive uma situação particularmente grave, no contexto europeu, de precarização do trabalho, reconhecendo a ministra que isso tem, por exemplo, consequências graves na natalidade: "Ninguém organiza uma família sem uma situação laboral segura."
No documento que o Governo levou à Concertação Social em 25 de maio - o dia do desacordo final - lê-se que Portugal, "a incidência excessiva de contratos não permanentes continua a gerar fraturas profundas no mercado de trabalho nacional, desde logo do ponto de vista remuneratório (a remuneração/hora dos contratos sem termo é cerca de 40 por cento superior à dos contratos a termo certo), que se traduzem em assimetrias gravosas do ponto de vista dos rendimentos e das condições de vida, nomeadamente com a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores não permanentes a ascender a 12,4 por cento, muito acima dos 7,2 por cento observados entre os trabalhadores permanentes, estando os jovens entre os mais afetados".
Efeitos da pandemia
Por outro lado, a pandemia de covid-19 teve "efeitos imediatos no mercado de trabalho", tornando "mais salientes fragilidades sistémicas, desde logo as formas de contratação não permanente, os trabalhadores jovens, os trabalhadores temporários, os setores com marcada sazonalidade ou o trabalho não declarado". E "áreas como o trabalho independente ou o outsourcing, incluindo em setores com forte incidência de trabalhadores deslocados, demonstraram estar mais expostos aos riscos de oscilações nos ciclos do mercado durante a pandemia". "Na verdade - diz o Governo -, mais de metade das novas inscrições de desempregados no IEFP desde março de 2020 resultaram do fim de contrato não permanentes".
E os mais atingidos foram os mais jovens. "Os grupos etários que registaram um aumento mais acelerado do desemprego ao longo de 2020, foram os dos jovens abaixo dos 25 anos e entre os 25 e os 34 anos, ambos com aumentos de 49 por cento entre o final de 2019 e o final de 2020 (mais 15,8 mil e mais 28,2 mil, respetivamente), que no seu conjunto explicam quase metade (48 por cento) do aumento global do desemprego registado neste período - isto quando, no final de 2019, representavam apenas 29 por cento do total de desempregados inscritos".
Assim, "as novas dimensões do trabalho potenciadas pela crise pandémica tornaram mais evidentes tanto as oportunidades como os riscos associados ao futuro do trabalho, reforçando a premência de responder a desafios estruturais há muito identificados, como sejam a formação e qualificação das pessoas - que já foi objeto de acordo autónomo - e a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar".
Por outro lado, "a pandemia veio travar de imediato a dinâmica da contratação coletiva, reflexo da sua sensibilidade às oscilações da economia e à incerteza da evolução da pandemia. Depois de, no primeiro trimestre de 2020, ter havido um aumento homólogo com significado do número de convenções negociais publicadas ( mais 16 por cento) e da sua cobertura (mais 156 por cento), nos restantes trimestres de 2020 houve uma inflexão, com um decréscimo abrupto da negociação coletiva que levou a redução do número das convenções publicadas (menos 27 por cento) e da sua cobertura (menos 45 por cento), durante o ano de 2020 face ao período homólogo".
Algumas medidas
Combate à precariedade
• Combater a fraude através de reforço das regras sobre sucessão de contratos de utilização, nomeadamente para impedir celebração de novos contratos de utilização com sociedades em relação de domínio ou grupo.
• Tornar mais rigorosas as regras para renovação dos contratos de trabalho temporário, aproximando-as dos contratos a termo, estabelecendo como limite quatro renovações.
Empresas trabalho temporário
• Introdução de um requisito de uma percentagem dos trabalhadores das empresas de trabalho temporário terem vínculos mais estáveis.
• Reforço da verificação da idoneidade dos sócios, gerentes, administradores e demais membros dos órgãos sociais das empresas de trabalho temporário.
Falso trabalho independente
• Tornar claro na lei que se aplica a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho às situações em que o prestador de serviço atua enquanto empresário em nome individual.
Trabalho não permanente
• Reforçar as regras relativas à sucessão de contratos a termo evitando o recurso abusivo a esta forma de contratação, designadamente impedindo a nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato (a termo, temporário ou prestação de serviços) cuja execução se concretize, no mesmo posto de trabalho, para o mesmo objeto ou na mesma atividade profissional.
• Alargamento da compensação para 24 dias por ano em caso de cessação de contrato.
Período experimental
• Clarificar na lei, no seguimento de decisão recente do Tribunal Constitucional, que o âmbito de aplicação do período experimental alargado para jovens é limitado aos que não tenham tido anteriormente contratos a termo com duração igual ou superior a 90 dias, mesmo que com outro empregador.
• Estabelecer que o prazo de aviso prévio para denúncia do contrato durante o período experimental, depois de decorridos mais de 120 dias, passa a ser 30 dias.
• Passar a prever que apesar de a denúncia não depender de justa causa não pode ser abusiva,
Trabalho não declarado
• Reforçar o quadro sancionatório do trabalho totalmente não declarado, isto é, com ausência de inscrição na Segurança Social, nomeadamente criminalizando o recurso a trabalho nestas condições.
• Reforçar a sanção acessória no sentido de penalizar todas as empresas condenadas por situações relativas a trabalho não declarado, nomeadamente pela introdução de fatores de ponderação no acesso a concursos públicos, apoios públicos e a políticas ativas de emprego.
Novas formas de trabalho
• Elaborar um estudo e a construir um programa piloto que vise analisar e testar novos modelos de organização do trabalho, incluindo a semana de quatro dias e modelos híbridos de trabalho presencial e teletrabalho.
Negociação coletiva
• Instituir a possibilidade de uma das partes poder suscitar a apreciação por tribunal arbitral dos fundamentos para a denúncia de um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
• Alargar a cobertura aos trabalhadores em regime de outsourcing e aos trabalhadores independentes economicamente dependentes.
Licenças de parentalidade
• Reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres no gozo das licenças parentais, designadamente através da majoração progressiva do valor dos subsídios.
ACT
• Prosseguir o reforço dos meios da Autoridade para as Condições de Trabalho, designadamente através do número efetivo de inspetores.
• Reforçar a autonomia institucional da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego.
Cuidadores informais
• Criar uma licença de cuidador como direito anual.
Estágios
• Eliminar, no caso dos estágios profissionais, a possibilidade de pagar aos estagiários menos do do que 80% do salário mínimo.