Governo anuncia 126M€ para a Ucrânia. Mas 100M€ já foram pagos por António Costa
O horizonte temporal está definido: no mínimo, 10 anos. O valor total, também: “pelo menos” 126 milhões de euros, como anunciaram o Governo e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, após a assinatura do acordo bilateral de apoio à Ucrânia. Mas o valor levantou dúvidas, até porque o texto do acordo não foi claro: “Em 2024, Portugal compromete-se a fornecer à Ucrânia apoio militar num valor de pelo menos 126 milhões de euros, incluindo contribuições financeiras e em espécie. Portugal já se comprometeu com 100 milhões de euros para a iniciativa checa para a aquisição de munições em apoio à Ucrânia.”
Persistindo a dúvida, foram contactados vários elementos do Governo (quer do Gabinete do PM, quer dos ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros). A dúvida ficou desfeita ao início da noite, após insistência. Fonte do Gabinete do primeiro-ministro discriminou então: 100 milhões são da “iniciativa checa de munições” (aprovados pelo anterior Governo, com “o aval” de Luís Montenegro, após as eleições, que já foram pagos em março) e os restantes 26 são “em apoio bilateral e através da nossa contribuição para o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz”.
Juntando estes fundos àquilo que Portugal já doou à Ucrânia, o total ascende a 248 milhões de euros desde o início do conflito no país do leste europeu. O anterior Governo, liderado por António Costa, doou um outro pacote de 122 milhões de euros em dois anos.
Ainda assim, o valor é apenas parte do acordo de ajuda que esta terça-feira foi firmado, por ocasião da visita oficial de Zelensky a Portugal. No documento com 14 páginas onde estão plasmados os termos de ajuda, há ainda outros fatores que se destacam: Portugal pode dar “apoio de forma inabalável” para que a Ucrânia possa exercer “o seu direito de legítima defesa” e de “resistência contra futuros ataques armados”; pode dar “apoio estrutural” à reforma do setor de defesa, bem como treinar “forças de segurança e defesa ucranianas, a título nacional e no quadro europeu”; e, ainda, dar “equipamento militar, incluindo através de cooperação industrial, armamento, equipamento e bens de defesa nos domínios terrestre, aéreo, cibernético e espacial”. A prioridade, lê-se, é atender “às principais necessidades de capacidades da Ucrânia”.
No entanto, no ponto 76.º (de 87), ambas as partes reconhecem que este protocolo de cooperação bilateral não é vinculativo, por não estar registado “no artigo 102.º da carta das Nações Unidas”. Mas tal não atemoriza o presidente ucraniano. Questionado sobre o assunto, Zelensky foi claro: é “uma parceria estratégica de dez anos”, o documento “vai funcionar” e não tem dúvidas sobre o acordo. E Luís Montenegro? Fala numa “circunstância que não diminui força e não impede que vários governos possam materializar este acordo”. O documento, caracterizou, é “transversal, porque abrange domínios como a cultura, a ciência, a economia, a política ou a formação”. “O nosso compromisso contribui para a interoperabilidade global das forças de segurança da Ucrânia com a NATO”, apontou.
Sobre o facto de o acordo prever uma cooperação a 10 anos (que é, no entanto, prolongável, se for necessário), Zelensky foi perentório: “Não quer dizer”, necessariamente “que a guerra dure tanto tempo”. Na última paragem antes do regresso a casa - e já depois ter estado em Espanha e na Bélgica (onde também assinou acordos bilaterais, ler mais na peça ao lado) - Zelensky reforçou ainda palavras ao mundo e pediu que se resista a uma eventual fadiga: “A Rússia trabalha muito numa guerra híbrida” e por isso “é importante que o mundo não se canse” do conflito. Se assim for, deixa de haver justiça “e o mundo será governado por pessoas como Putin, o que seria uma loucura.”
Depois de ter estado em São Bento, na residência oficial do primeiro-ministro, o presidente ucraniano foi direto ao Palácio de Belém. Aí, foi recebido pelo seu homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, onde lhe foi oferecido um jantar. Horas antes dessa receção, o chefe de Estado afirmava que “o objetivo é sempre a paz, não é a guerra pela guerra”. O compromisso é “trabalhar pela construção da paz e pelos direitos humanos, porque há pessoas a morrer e a sofrer”. E, por isso, haverá uma cimeira em junho, na Suíça, na qual Portugal estará representado pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa e pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros [Paulo Rangel]. “O objetivo é iniciar contactos certos que permitam ter avanços. Há muitos Estados a ajudar”, reiterou o Presidente da República.
PS fala em “consenso”, PCP quer país a construir a paz
A visita oficial de Volodymyr Zelensky marcou, naturalmente, o dia de esta terça-feira e a campanha para as europeias - que completou o seu segundo dia oficial.
Logo pela manhã, a cabeça de lista do PS, Marta Temido, referiu que “é muito importante que a União Europeia continue a ter sobre o tema Ucrânia a disponibilidade para a resposta emergencial, mas também o compromisso com aquilo que é a resposta estratégica”. Mais tarde, o líder socialista, Pedro Nuno Santos, defendeu que o apoio deve continuar porque “o consenso nacional” sobre o assunto é “total”. “A luta pela liberdade, pela independência é uma luta que sempre disse muito aos portugueses”, reiterou.
João Cotrim Figueiredo, candidato da Iniciativa Liberal, disse que a visita do presidente Zelensky era uma “excelente ocasião” para os vários partidos serem claros sobre a posição relativamente ao assunto. Na véspera, tinha acusado o BE de ser “eurosonso” ao apoiar a luta da Ucrânia, ainda que com condições. Em resposta, a cabeça de lista do partido, Catarina Martins, disse que o liberal mente e usa “estratagemas da extrema-direita” na campanha.
Por sua vez, o cabeça de lista do Chega, António Tânger Corrêa, defendeu que “os contornos de um acordo de paz” devem ser estipulados pela Ucrânia e não por Moscovo.
Já João Oliveira, cabeça de lista da CDU, defendeu que Portugal deve ter um papel ativo em busca de uma “solução de paz para a Ucrânia e de uma solução de segurança coletiva para toda a Europa”. No mesmo sentido foi o secretário-geral comunista, Paulo Raimundo. Em declarações em Vendas Novas, numa ação com trabalhadores, reiterou: “O Estado português tem que cumprir aquilo que a Constituição determina, que é um Estado na procura do caminho da paz.”
Uma dúzia de acordos e mais 27 por fechar
Em julho do ano passado, perante a impossibilidade de a Ucrânia poder aderir à NATO a meio de uma guerra, mas para dar um sinal em simultâneo a Kiev e a Moscovo, os países das economias mais avançadas (G7) decidiram anunciar o início de negociações bilaterais para se formalizarem acordos de segurança. Como em muitos outros aspectos do apoio à Ucrânia, os primeiros a fechar um pacto foram os britânicos, em janeiro, tendo três meses depois expandido o mesmo para a produção conjunta de armamento.
Até agora, França, Alemanha, Itália e Canadá seguiram os passos de Londres, estando por finalizar acordos da Ucrânia com EUA e Japão. Além dos países do G7, Dinamarca, Países Baixos, Finlândia, Letónia, Espanha, Bélgica, e agora Portugal chegaram a um compromisso de cooperação. Os acordos têm seguido um padrão: duração multianual e responsabilidade do poder executivo, isto é, não são ratificados pelos parlamentos nem têm o valor de um tratado ou de uma aliança militar - dependem da vontade de quem estiver no poder. Cada acordo, porém, tem as suas vicissitudes. Por exemplo, enquanto alguns países, Portugal incluído, se comprometeram em proceder a consultas no prazo de 24 horas com a Ucrânia em caso de um “futuro ataque armado” da Rússia, o Canadá acrescentou a ressalva de que só o fará “após a cessação das atuais hostilidades”.
Além das negociações com Tóquio e Washington, Kiev pretende chegar a acordo com outras 27 capitais. Antes da visita a Lisboa, Zelensky teve encontros produtivos em Espanha e na Bélgica. Em Madrid, o acordo de dois anos prorrogável por mais três, prevê o treino de mais 4 mil soldados ucranianos e entrega de material como mísseis para os sistemas de defesa Patriot ou mais tanque Leopard , além de material fabricado em Espanha, no total de 1,1 milhões de euros.
Já os belgas comprometeram-se em transferir 30 aviões F-16 até 2028 e 977 milhões de euros em ajuda militar este ano.
Com César Avó