Almirante Gouveia e Melo mostra drone submarino em Sesimbra no âmbito do REPMUS24.
Almirante Gouveia e Melo mostra drone submarino em Sesimbra no âmbito do REPMUS24.Leonardo Negrão

Gouveia e Melo: “Muita da tecnologia testada no REPMUS é usada na frente de batalha na Ucrânia”

O Chefe do Estado Maior da Armada, o almirante Gouveia e Melo, conversou com o DN sobre aquele que é descrito como o maior exercício de drones do mundo e também sobre como a entrada em serviço do porta-drones D. João II dará novas capacidades à Marinha Portuguesa.
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Classificou  o REPMUS como o  mais importante exercício de drones marítimos. Prepara-se aqui a Marinha Portuguesa do futuro?
Claramente. O que nós estamos aqui a fazer, as experiências que estamos a fazer, é integrar a robótica avançada com navios mais tradicionais. E, portanto, fazer o novo mix  das Marinhas do futuro. Depois da guerra da Ucrânia ficou perfeitamente claro que uma Marinha tradicional pode ser vítima de meia-dúzia de drones  de baixo custo. E esse tipo de combinação de uma forma mais convencional de operar, com uma forma mais assimétrica de operar é um novo mix. É uma nova mistura que é muito mais eficiente, no sentido em que fazemos mais coisas para os mesmos recursos. E é a única mistura que faz com que, com os recursos portugueses, possamos, de forma efetiva, controlar a área gigantesca marítima que temos.

O D. João II, em  construção n Roménia por uma empresa holandesa e cuja entrega está prevista para 2026, é um navio multi-propósito, que pode ser científico, pode servir para resgatar pessoas e, em extremo, pode ser de uso militar. É chamado também de porta-drones. Significa o quê?
Há duas ou três competências básicas do navio. O navio é uma arquitetura aberta, com muito espaço, muita capacidade de alojamento, energia e gruas para movimento à carga. E depois, em cima deste navio, com um deck corrido, tipo um porta-aviões, nós colocamos um conjunto variado de drones. E é esse conjunto variado de drones  que depois vai caracterizar a operação que o navio faz. Ou seja, eu hoje posso fazer uma operação científica, com drones que têm a ver com hidrografia, pesquisas. Atraco, mudo os drones e três dias depois o navio pode ir fazer uma operação de emergência, de proteção civil, ou uma evacuação, uma retirada de portugueses. Atraca, mudo-lhe os drones  e o navio pode ser enviado para estabelecer uma área de proteção e, de alguma forma, entrar em operações militares mais críticas. Tudo isso com a mesma plataforma. Portanto, de facto, é uma espécie de ferramenta, e metendo na ferramenta diferentes pontas ou diferentes mecanismos, faço diferentes funções. Sem ter de mudar de navio ou ter mais do que um navio, com um navio especializado para a função A, um navio especializado para a função B, um para a função C. Tenho uma plataforma comum que uso para diferentes funções. E o que se pretende é que esta plataforma gaste o menos de energia possível, tenha o menos pessoas possível, mas tenha a máxima capacidade de transporte possível, a máxima capacidade de continuar no mar a fazer operações. É esta equação que nós tentamos resolver com este navio. E, neste momento, toda a gente está a olhar para ele. Não somos só nós.

Disse já que o custo era cerca de um quarto do de uma fragata. Há pouco falou de um cenário de retirada de portugueses. Estou a lembrar-me de quando na Guiné-Bissau, em 1998, uma fragata foi resgatar portugueses durante um episódio de Guerra Civil. Um navio como o D. João II teria feito essa operação com  mais facilidade?
Com muito mais capacidade de resposta. Uma fragata, no limite, com as pessoas empilhadas, leva 150 pessoas. Empilhando as pessoas da mesma forma, levam-se 600 neste navio.

Se houvesse uma catástrofe natural nos Açores, seria  um navio decisivo no apoio à população?
Sim. O navio tem um hangar gigantesco, em que se pode instalar um hospital lá dentro. O Exército tem um hospital de campanha. Nós podemos movimentar o hospital de campanha do Exército para uma determinada região, o que permite fazer o apoio imediatamente no local.

Fala-se muito do D. João II como meramente um porta-drones. Mas, na verdade, tem essas outras valências que são extremamente importantes…
Quando há uma catástrofe natural, as infraestruturas em terra, a maior parte delas, colapsam. E como colapsam, mesmo que eu conseguisse pôr capacidades em terra, preciso de uma infraestrutura energética, preciso de água potável e outros serviços. O facto de esses serviços estarem apoiados num navio de grandes dimensões permite trazer população para dentro do navio e, de alguma forma, dar um suporte que não se consegue dar logo em terra. E, portanto, esse navio é muito importante para Portugal face à atividade sísmica nos Açores e outros problemas que possa haver nos nossos arquipélagos.

O REPMUS  existe desde muito antes da guerra da Ucrânia, mas repete-se que o paradigma da guerra e da utilização dos drones alterou-se desde o início dessa guerra, iniciada com a invasão russa de 2022. De certa forma, Portugal antecipou essa alteração de paradigma?
Totalmente. Nós, em 2017, começámos a testar as coisas que depois vieram a ser usadas em 2023 na Ucrânia. Portanto, é fazer contas. 

Os ucranianos usam os drones por uma questão de necessidade. Tiveram de ser muito inventivos para fazer frente aos russos…
Usaram coisas que nós já tínhamos usado e muita da tecnologia testada no REPMUS é usada na frente de batalha na Ucrânia. Nós fazemos aqui coisas muito disruptivas há muito tempo. Primeiro começámos com uma escala mais pequena, mas agora já estamos a fazer coisas de uma escala maior.

Aquela ideia de que num contexto de recursos escassos, como no caso da Ucrânia, vale muito a inventividade, ir-se até, por exemplo, comprar no mercado drones e adaptá-los ao esforço de guerra, é algo que fazemos  em Portugal?
Claro. A nossa ideia é: consigo eu, com a tecnologia portuguesa, com a indústria portuguesa, meter as coisas num bolo e fazer desse bolo uma capacidade sem ter de ir comprar ao estrangeiro, ou comprando o mínimo possível ao estrangeiro? Se isso é possível, eu respondo à minha necessidade com uma nova capacidade, mas simultaneamente estou a desenvolver o quê? A soberania tecnológica, ou seja, nós somos mais soberanos tecnologicamente, dominamos a cadeia tecnológica, mas mais do que isso, estou a produzir economia. Estou a produzir riqueza. Em vez de andar a dar subsídios, o que eu estou a fazer é, adquirindo uma necessidade nossa, que preciso para uma missão, estou a financiar empresas que, de alguma forma, adquirem capacidades também, depois, para venderem no mercado internacional. Portanto, estamos a propulsionar a economia.

Além de que muitas vezes esse material tem uma dupla utilização civil, não é?
Muitas das soluções que estamos aqui a desenvolver não são só de uso militar. Por exemplo, se eu tenho um drone  que é preciso para fazer reconhecimento aéreo, esse drone também serve para a agricultura, serve para controlo de florestas, serve para incêndios.

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