‘Geringonça 2.0’. Quantos sapos cada um terá de engolir? Os programas comparados
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‘Geringonça 2.0’. Quantos sapos cada um terá de engolir? Os programas comparados

Se nalguns aspetos as diferenças programáticas na esquerda são apenas de dose, noutras não se vislumbra a menor possibilidade de acordo. O DN comparou as propostas em seis áreas diferentes.
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Engana-se quem pensa que é fácil um entendimento alargado à esquerda - por contraste com o bloqueio que se vive à direita entre o Chega e os restantes partidos.

É ver, por exemplo, o que já foi dito por Paulo Raimundo. O secretário-geral do PCP tem posto claramente em cima da mesa a exigência ao PS de “políticas de rutura”.

Isso é reivindicado, nomeadamente, no Código do Trabalho. O que está em causa é a revogação das chamadas “normas gravosas” aprovadas no tempo de troika (como as que embarateceram os despedimentos ou o trabalho extra).

Os comunistas parecem agora totalmente indisponíveis para um acordo que não inclua isto - ao contrário do que aconteceu em 2015. O Bloco de Esquerda também o pede, mas no caso do PCP a exigência parece ser mais vincada. E depois há que ver também as ideias  para o salário mínimo. Cada um tem a sua.

E temos, por outro lado, o SNS e a forma como se deve pagar a dedicação exclusiva dos médicos. O PS fala em “negociações”. Já comunistas, bloquistas e o PAN avançam com valores concretos.

Na educação é a mesma coisa. Os socialistas voltam a falar em “negociações”, tendo em vista uma recuperação “faseada” do tempo de carreira dos professores - e sem mais pormenores. O PCP, pelo seu lado, fala em três anos, mas o Bloco quer que todo o tempo seja recuperado no primeiro ano de governo e o Livre propõe que seja em dois. O PAN não estabelece um prazo.

A isto acrescem as diferenças totalmente irreconciliáveis. Mais uma vez com o PS num lado e o PCP e o BE no outro (com o PAN e o Livre mais próximos dos socialistas). Acontece na política externa. Comunistas e bloquistas defendem a saída da NATO. E, quanto à UE, uma rutura em relação ao Tratado Orçamental (falando mesmo o PCP em saída do euro). 
Concluindo: é impossível saber por ora como se fará um acordo à esquerda. Sendo que, antes, terá de se saber se é necessário.

PROGRAMAS COMPARADOS

EDUCAÇÃO

PS. Aumentar a atratividade no início da carreira com salários mais altos. Negociações para a recuperação faseada do tempo de serviço. Garantir a frequência gratuita da educação pré-escolar a todas as crianças a partir dos 3 anos. Criar de forma gradual obrigatoriedade do pré-escolar a partir dos 4 anos.

PCP. Recuperação integral do tempo de serviço no prazo de três anos. Vinculação dos professores com três ou mais anos de serviço. Alargamento da rede pública de creches (100 mil vagas até 2028 e 148 mil até 2032). Fim das propinas.

BE. Recuperação integral do tempo de serviço dos professores no primeiro ano de governo.  Programa de vinculação extraordinária de docentes precários. Plano de investimento na educação que vise alcançar a meta de, pelo menos, 6% do PIB. Regime temporário de antecipação da aposentação.

PAN. Recuperar progressivamente o tempo integral de serviço congelado dos professores. Aumentar os vencimentos nos escalões de entrada. Aumentar o investimento público de forma a atingir 6% do PIB em 2028. Garantir a integração de todos os docentes na CGA. Garantir nos refeitórios opção vegetariana.

Livre. Contagem integral do tempo de serviço com uma regularização total a dois anos. Retirar a disciplina de Educação Moral e Religiosa do currículo das escolas públicas. Repensar a realização obrigatória dos exames nacionais no ensino secundário. Garantir escola pública como opção desde os quatro meses.

HABITAÇÃO

PS. Garantia do Estado para crédito na compra da 1.ª casa até aos 40 anos. Aumentar a despesa dedutível com arrendamento no IRS em 50 euros por ano, até atingir os 800. Rever o cálculo de atualização de rendas, passando a incluir a evolução dos salários. 5% do parque habitacional com parque público.

PCP. 50 mil novos fogos de habitação pública ao longo da legislatura. Regime legal para a banca usar os seus lucros para suportar os aumentos das taxas de juro. CGD com spreads abaixo da banca comercial. Limitar o aumento das rendas e restringir despejos.

BE. Redução de spreads pela CGD. 25% da nova construção para habitação acessível. Proibição da venda de casas a não residentes (excetuando emigrantes portugueses). Limitação do Alojamento Local a um máximo de 5% em cada freguesia. Tetos máximos para rendas e limitação da atualização.

PAN. Redução do IRS dos senhorios com rendas acessíveis. Regime de concessão de crédito bonificado à habitação para jovens. Regime transitório de isenção de execução de penhora de bens imóveis. Converter imóveis públicos devolutos em habitação para jovens estudantes.

Livre. Efetivar o Fundo de Emergência para a Habitação para pessoas que fiquem sem casa. Reformular o IMI para reduzir a carga fiscal sobre habitação permanente. Alcançar 10% de habitação pública. Quotas de habitação acessível em empreendimentos urbanísticos de grande dimensão.

UE/NATO

PS. Continuar a  ajudar na autodefesa da Ucrânia. Estratégia Europeia para a Habitação com disponibilização de fundos. Adoção de um Mecanismo Europeu Permanente de Resposta a Crises. Defesa do alargamento, mas sem redução dos fundos. Solução de dois Estados em Israel.

PCP. Saída de Portugal da NATO. Criação de um programa que enquadre uma saída negociada do euro. Revogação do Pacto de Estabilidade e do Tratado Orçamental. Recusa de submissão ao BCE. Recusa da militarização da União Europeia.

BE. Saída de Portugal da NATO. Reconhecimento imediato do Estado da Palestina. Apoio do governo a investigação e julgamento do governo de Israel por crimes de guerra e genocídio. Apoio do governo a uma solução negociada na Ucrânia. Fim do acordo com os EUA na Base das Lajes. 

PAN. Fim dos paraísos fiscais na UE. Reconhecimento do Estado da Palestina. Apoio de Portugal à investigação pelo TPI dos alegados crimes de guerra cometidos em Israel, em Gaza e na Cisjordânia. Garantia de reforço do apoio logístico e financeiro à Ucrânia. Criar o estatuto de refugiado climático.

Livre. Continuar a apoiar a Ucrânia. Reconhecer a Palestina como Estado independente. Reforçar os poderes do Parlamento Europeu e adotar eleição direta do presidente da Comissão Europeia. Recusar o novo Pacto de Migração da UE e criar um Passaporte Humanitário Internacional.

FISCALIDADE

PS. Reforçar a redução do IRS para a classe média, dentro da margem orçamental. Atualizar os limites dos escalões com a inflação. Alargar o IRS Jovem a todos os jovens. Reduzir em 20% as tributações sobre viaturas das empresas. Devolver IVA às famílias com menos rendimentos através do IRS.

PCP. Redução do IRS para os rendimentos mais baixos e intermédios em três pontos percentuais. Criação de um cabaz alargado de bens essenciais taxados a 6%. IRC de 12,5% para empresas com rendimento coletável até 15 mil euros.

BE. Redução do IVA das telecomunicações, eletricidade e gás para a taxa mínima (6%). Taxa zero de IVA a bens essenciais à alimentação. Aumento do IVA dos hotéis para a taxa máxima (23%). Atualizar as deduções no IRS (para 4686 euros). Criar impostos sobre doações, heranças e grandes fortunas.

PAN. Regresso do IVA zero para cabaz dos alimentos essenciais. Revisão dos limites dos escalões de IRS. Descer o IVA da alimentação para animais de companhia e dos atos médico-veterinários para 6%. O mesmo para aquisição de componentes e acessórios para bicicletas.

Livre. Criação de uma sobretaxa extraordinária de IRC nos setores da energia, banca, seguros, imobiliário, distribuição alimentar e armamento. Imposto sucessório para grandes heranças e grandes doações. Redução do peso dos impostos sobre os rendimentos do trabalho na receita fiscal total.

SAÚDE

PS. Negociações imediatas com os profissionais do setor para revisão das carreiras e valorização salarial. Avaliar a possibilidade de introdução de um tempo mínimo no SNS. Reforçar o SNS em meios complementares de diagnóstico e terapêutica e reforçar oferta em saúde oral e visual, entre outras.

PCP. Aumentos de 50%, com acréscimo de 25% na contagem de tempo de serviço, para médicos e enfermeiros em exclusividade. Reduzir as transferências do Estado para o setor privado. Médico de família para todos. Carreira de dentista no SNS.

BE. Aumentos de 40% para profissionais em exclusividade, com majoração de 50% nos pontos para progressão na carreira. Aumentos mínimos de 150 euros em todas as carreiras. Medicamentos grátis para pessoas com rendimento inferior ao salário mínimo. Prazo da IVG alargado até às 12 semanas.

PAN. Aumento faseado de 30% nos salários dos médicos. Aprovação de um regime de dedicação exclusiva voluntária para médicos e enfermeiros. Atribuição da profissão de risco e de desgaste rápidopara os profissionais de saúde que trabalham no SNS. Criação da licença menstrual com projeto-piloto.

Livre. Garantir para o SNS um orçamento suficiente e não condicionado por cativações. Rever a remuneração de todos os profissionais de saúde. Rever o regime de dedicação plena dos médicos no SNS. Alargar para 14 semanas o prazo da IVG. Remover o período de três dias entre a consulta e o procedimento.

TRABALHO

PS. Salário mínimo nos mil euros em 2028. Plena implementação do Acordo de Concertação Social sobre Rendimentos, Salários e Competitividade. Implementar um programa nacional de Mercado Social de Emprego. Reforçar a Autoridade para as Condições de Trabalho.

PCP. Salário mínimo nos mil euros já este ano. 35 horas/semana para todos. Revogação das normas sobre caducidade das convenções e reposição do princípio do tratamento mais favorável. Reforço da ACT. Revogar leis que facilitaram despedimentos.

BE. Salário mínimo nos 900 euros em 2024 e aumentos anuais correspondentes à inflação mais 50 euros. Leques salariais no máximo de um para 12. 35 horas semanais no prazo da legislatura. Eliminar integralmente o corte no pagamento das horas extra. Recuperação do descanso compensatório.

PAN. Aumentar o salário mínimo nacional para 1100 euros até 2028. Aumentar número de efetivos da Autoridade para as Condições de Trabalho. Horário semanal de trabalho de 35 horas e 25 dias úteis de férias para todos os trabalhadores.

Livre. Salário mínimo para 1150 euros em 2028. Reforçar a ACT. Continuar a experiência da semana de quatro dias e criar um programa-piloto com vista à implementação faseada de um Rendimento Básico Incondicional. Implementar já as 35 horas semanais. 

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