Galamba deixa Governo. Mas diz que sai pela família e não por falta de "condições políticas"
Passados pouco mais de seis meses, João Galamba apresentou (outra vez) a demissão do cargo de ministro das Infraestruturas. Ao todo, foram 196 dias entre o primeiro pedido (apresentado a 2 de maio) e o desta segunda-feira.
Na sequência do pedido de demissão, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, exonerou Galamba e também Pedro Cilínio, secretário de Estado da Economia, que pediu igualmente demissão (sendo que numa nota do ministério garante-se que a saída deste "não está relacionada com os temas que têm vindo a público nos últimos dias"). Para esta terça-feira, Marcelo e António Costa tinham uma reunião marcada para discutir o futuro do agora ex-ministro das Infraestruturas.
Em comunicado, João Galamba refere que apresentou a demissão "após profunda reflexão pessoal e familiar e por considerar que, na qualidade de pai e de marido", a saída do Governo foi a "única decisão possível para assegurar à família a tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito". Afinal, diz o próprio, "não estavam esgotadas as condições políticas de que dispunha para o exercício de funções". E acrescenta ainda: "Este pedido de demissão não constitui uma assunção de responsabilidades quanto ao que pertence à esfera da Justiça e com esta não se confunde." Por isso, "como não poderia deixar de ser", Galamba diz estar "totalmente disponível para esclarecer qualquer dúvida que haja a respeito do desempenho" das funções que exerceu desde 2019.
O pedido de demissão surgiu depois de, na passada sexta-feira, na audição orçamental conjunta das comissões de Orçamento e Finanças e de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, João Galamba ter reiterado que não se demitia. Em maio, Galamba apresentou a demissão após o caso do computador roubado no Ministério das Infraestruturas, que levou à exoneração de Frederico Pinheiro, à altura seu adjunto. Mas António Costa, primeiro-ministro, segurou Galamba, não aceitando a demissão.
O agora ex-ministro refere que, nos cinco anos em que esteve no Governo, sempre se empenhou "enquanto secretário de Estado da Energia, em total consonância com as prioridades da União Europeia e do Programa do Governo, na transição energética", que considera um desafio que abre ao país "oportunidades únicas de desenvolvimento tecnológico, industrial e de maior independência energética".
Numa nota com duas páginas, Galamba vai passando em revista o trabalho que desempenhou como governante - sem nunca, no entanto, fazer qualquer referência à Operação Influencer, na qual é arguido. "Enquanto ministro, empenhei-me no desenvolvimento das vantagens competitivas de que o país dispõe ao nível da digitalização, descarbonização e industrialização dos seus portos comerciais, em particular na cadeia de valor do eólico offshore, e também ao nível da amarração e interligação de cabos submarinos e criação de condições para que Portugal fosse um hub competitivo de conetividade, armazenamento e processamento de dados", argumenta, numa referência indireta ao data center em Sines, que está sob suspeita das autoridades.
Em reação, Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, considerou que após a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, do caso das secretas e das suspeitas do lítio, "já não havia condições para continuar há pelo menos seis meses". O deputado classifica a permanência de Galamba no Governo como "quase surreal". Pelo Bloco de Esquerda, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares considerou, sobre a demissão de Galamba e a putativa saída de outros membros do Executivo, que está em causa "um desviar das atenções de alguns membros do Governo para a atenção mais pré-eleitoral". Inês Sousa Real, do PAN, afirmou que a saída era "inevitável" e que peca por tardia. Por fim, André Ventura, do Chega, disse que o ex-ministro sai "pela porta pequena". "João Galamba não tem nenhuma maturidade política e pessoal", disse, referindo-se às declarações da passada sexta-feira na audição orçamental.
4 de janeiro de 2023: Neste dia - precisamente quando entrou para as Infraestruturas, substituindo Pedro Nuno Santos -, o programa Sexta às 9, da RTP, passa uma reportagem sobre os negócios de exploração de lítio e hidrogénio verde, que envolvem João Galamba, enquanto secretário de Estado da Energia. O ex-governante refere que "teria cometido um crime" caso tivesse revertido o despacho que atribuía a exploração de lítio à LusoRecursos. Depois da emissão da reportagem, reagiu no Twitter, classificando o programa como "estrume", "uma coisa asquerosa".
26 de abril de 2023: É a noite que motivou grande parte da fragilidade política de João Galamba. Já enquanto ministro das Infraestruturas, exonera o seu adjunto, Frederico Pinheiro. Há relatos de um furto de um computador do ministério. A Polícia de Segurança Pública e o Serviço de Informações de Segurança (SIS) são acionados para recuperar o dispositivo. Há também queixas de agressões por parte de Frederico Pinheiro contra pessoas que estavam no Ministério das Infraestruturas. O caso é amplamente mediático, e leva Galamba a apresentar o primeiro pedido de demissão, a 2 de maio. Contra a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro rejeita e Galamba fica no Governo.
7 de novembro de 2023: O dia amanhece com buscas em várias instituições, incluindo São Bento, a residência oficial do primeiro-ministro. Há detidos. No centro das investigações estão negócios relacionados com a exploração de lítio e a construção de um centro de dados em Sines. João Galamba é constituído arguido.
10 de novembro de 2023: Três dias depois de ser constituído arguido, Galamba recusa demitir-se, durante uma audição no Parlamento.
13 de novembro de 2023: João Galamba apresenta a demissão pela segunda vez. Agora, deixa mesmo o Governo, depois de vários meses fragilizado e com estatuto de arguido. Ainda assim, diz que o faz pela família, considerando que ainda tinha condições para estar no cargo.