Francisco Paupério: “Vai haver uma pressão dos fluxos migratórios para a UE e temos de nos preparar para isso”
Paulo Spranger / Global Imagens

Francisco Paupério: “Vai haver uma pressão dos fluxos migratórios para a UE e temos de nos preparar para isso”

Candidato do Livre, que encabeça uma lista pela primeira vez, mostra-se otimista na trajetória de crescimento do partido e já aponta ao Parlamento Europeu. Aí, diz, quer “agilizar um novo pacto verde e social”. Focando-se também nas pessoas, Francisco Paupério diz ainda que a Ucrânia deve aderir à UE, mas a seu tempo.
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Falamos já depois do Congresso do Livre. Foi o primeiro desde o crescimento do partido nas Legislativas de março e, também, desde a polémica com as primárias. As diferenças estão sanadas e o foco já está na eleição do dia 9 de junho?
As diferenças foram em relação ao processo [das primárias]. Ficaram sanadas a partir do momento em que se tomaram decisões dentro dos órgãos do partido. Agora estamos todos empenhados em ter representação no Parlamento Europeu. Também foi bom ver que, comparando com o Congresso do Porto [a 27 e 28 de janeiro], houve um crescimento que já se fez sentir. E é isso que queremos continuar a fazer.

Em entrevista à SIC Notícias, durante o congresso, defendeu - e isto são palavras suas - que queria “aprimorar o mecanismo das primárias”. Primeiro, quero saber o que propõe para isso. E depois, também, disse que ainda não tinha falado muito sobre o processo com Rui Tavares. Já se sentaram e falaram?
Na altura, acho que passou a ideia errada do que se tinha passado. Nós falamos normalmente. Na altura, não tínhamos falado sobre as primárias, porque considerámos que isso é assunto para o futuro. É um assunto para se discutir com tempo e tem de haver essa reflexão. Não proponho um modelo para as primárias, o que tinha dito era aprimorá-lo, como qualquer processo. Caso seja detetado algum erro, alguma fragilidade, tem de se rever, como qualquer processo que fazemos no Livre. Isso vai acontecer com o crescimento do partido, não só ao processo das primárias.

No último Parlamento Europeu, houve um eurodeputado português (Francisco Guerreiro) que teve divergências com a direção do PAN. Não estou a dizer que é o seu caso, mas deve ser este o caminho em caso de cisões entre os eleitos e os partidos? Qual é a sua opinião? 
Não conheço esse caso para estar a comentar. O que posso dizer é que defendo os valores do Livre, que quer eleger para o Parlamento Europeu. Vamos fazer de tudo para isso. Não estamos a pensar nesse futuro, porque não é sequer uma possibilidade neste momento.

“[Esta Política Agrícola Comum] não serve. (...) Investe sobretudo nos grandes proprietários e nas grandes empresas e reduz muito o investimento que se faz em pequenos e médios agricultores”, defende Francisco Paupério. (Paulo Spranger / Global Imagens)

O mandato para o qual quer ser eleito adivinha-se bastante complexo. Há desafios de várias ordens. Caso seja eleito, qual será a primeira grande medida que vai querer levar ao Parlamento Europeu?
No Parlamento não conseguimos propor [só os grupos partidários o fazem]. Mas conseguimos, de forma informal, pelo menos, agilizar essas propostas. O que queremos fazer é apresentar um novo pacto verde e social. Acrescentar a este desafio, que foi lançado por Ursula von der Leyen, em 2019, uma parte social. E, depois, investir finalmente aquilo que devemos investir na transição energética, porque o problema que vemos agora é que Von der Leyen recuou no discurso e na parte ambiental. Em caso de guerra, em caso de crises pandémicas, a primeira coisa a ser preterida são as pessoas. E vimos isso no caso da inflação, no custo de vida, no caso da habitação, em que tudo aumentou para as pessoas. Na parte ambiental, houve um recuo, quando havia protestos e manifestações dos agricultores, por exemplo. O Livre quer apresentar esse novo pacto verde e social, que possa dar um sinal para a economia europeia, de que a temos de descarbonizar e acelerar a transição energética.

Mas que medidas é que podem estar incluídas nesse novo Pacto Verde de que fala?
Temos várias. A nível da mobilidade, queremos investir na ferrovia e ligar todas as capitais europeias e grandes cidades até 2035. Queremos tornar os voos obsoletos, especialmente de curta distância. Queremos também reduzir o preço do bilhete de comboio, tal como fizemos cá em Portugal, com o passe ferroviário nacional, e tornar os comboios acessíveis a toda a gente. Queremos apresentar um plano de reabilitação de casas, a nível europeu, tal como também propusemos cá a nível nacional com o Programa 3C [Casa, Conforto e Clima], em renovar casas. Isto disponibiliza mais casas no mercado, baixando o preço da renda, e também faz com que a fatura da luz baixe para as pessoas, visto que consumimos menos energia se as casas estiverem mais bem adaptadas. Por outro lado, também estamos a trabalhar na questão de segurança, porque estamos a isolar todos os Estados autocráticos que nos fornecem energia, como é o caso da Rússia, em que ainda este ano aumentámos - especialmente França - a despesa de gás natural e está a financiar um Estado invasor.

E o pacto social? O que é que defendem?
Esse pacto combina essa parte ecológica e combina a parte de não esquecer que são as pessoas que vivem nesta UE. Temos medidas no sentido da Educação de estimular também um Erasmus  para funcionários públicos, para fazer uma melhor troca de práticas. E para aprendermos uns com os outros na União Europeia sobre como devemos trabalhar. Eu, que fiz Erasmus, posso dizer que a experiência não só vem da parte profissional, mas também da parte cultural. A diversidade cultural também nos traz importância. Do ponto de vista social, propomos medidas relacionadas com a Saúde. Por exemplo, haver troca de informação para que seja uniformizada e para se ter, noutros países, acesso à Saúde em condições extraordinárias. Do ponto de vista dos salários, fica mais complicado, porque são funções dos Estados-membros. Mas há uma parte fiscal que a União Europeia pode trabalhar, nesta parte social. E quando temos um Mercado Único e temos competição fiscal entre mercados, faz com que também tenhamos salários diferentes. Propomos essa harmonização fiscal que já foi começada no anterior mandato, com o aumento para 15% da taxa mínima efetiva de IRC. Por outro lado, também propomos uma medida direta para os funcionários e para os trabalhadores, que é o Salário Mínimo Europeu, e que deve existir em todos os países - algo que não acontece neste momento. E, só para desmistificar, não é um salário mínimo para o continente inteiro, para a UE inteira. Será sempre adaptado às condições de cada Estado-membro.

Francisco Paupério: “O que o Livre defende é que haja uma mudança das regras orçamentais (...). Pedimos que todas as decisões políticas e estratégicas sejam tomadas com algum tipo de realismo técnico e científico.” (Paulo Spranger / Global Imagens)

Aproveito para fazer a ponte com a pergunta seguinte. Um dos temas com que Portugal e outros Estados-membros terão de lidar no próximo mandato são as novas regras orçamentais, que entraram em vigor em abril. Os Estados terão mais tempo para submeter planos à Comissão, os prazos para corrigir desequilíbrios macroeconómicos e aplicar diretrizes sobre reformas e investimentos têm entre quatro a sete anos, depois de uma suspensão devido à covid-19. Estas novas regras são exequíveis neste espaço temporal? São penalizadoras para Portugal?
As regras são penalizadoras. Os próprios sindicatos europeus dizem que, com estas regras orçamentais, só três países - Suécia, Dinamarca e Irlanda - vão cumprir as metas do clima em 2030. Todos os outros não vão conseguir. Porque para fazermos a transição energética e ecológica, precisamos de investimento público. E, durante a suspensão das regras, conseguiu-se ter a oportunidade para fazer esse investimento. O que vemos neste momento é que o regresso das regras, apoiado também pelos Sociais e Democratas (S&D, grupo do PS), faz com que não tenhamos capacidade de investir publicamente. Não só na transição energética e na transição digital, na reindustrialização da Europa para fazer face a este novo problema, mas também na parte dos serviços públicos. Se um Estado não consegue investir nos serviços públicos, as próprias empresas não vão ter a capacidade de se adaptar mais rápido se não houver uma infraestrutura pública que suporte esse desenvolvimento. O que o Livre defende é que haja mudança das regras orçamentais, relembrar mais uma vez que estas regras foram feitas de forma arbitrária no Tratado de Maastricht, sem qualquer fundamento científico. Pedimos que todas as decisões políticas e estratégicas, neste caso, sejam tomadas com algum tipo de realismo técnico e científico.

Pegando na questão da cooperação europeia: temos um conflito na Europa (na Ucrânia), perto (em Gaza) e tensões às portas da UE, em países como a Moldávia ou a Geórgia. Acha que se deve criar uma defesa comum? Não digo um Exército europeu, mas uma cooperação na área, mais presente do que tem sido.
Não consideramos que um Exército comum seja uma hipótese para já. Mais uma vez: é uma ferramenta, é um instrumento e tem de haver primeiro essa política de Defesa comum, que defendemos. Mas deve haver também uma Política de Segurança Comum, porque a defesa vem de mais do que apenas a parte militar. Vem da parte alimentar, da industrialização. Por exemplo: não tivemos vacinas a serem produzidas cá em quantidade normal para todos os Estados-membros. Em relação à Defesa propriamente dita: tem de haver um pacto comum e uma Defesa Comum. Mas para isso deve haver uma decisão de todos os Estados-membros. Enquanto tivermos um poder de veto para a política externa, vai ser muito mais difícil de concretizar esse pacto. Contudo, esta defesa tem de ser acompanhada por uma industrialização virada para a defesa e não para o ataque, na parte cibernética e na parte militar. Uma vantagem de termos uma Política de Defesa Comum é que vamos conseguir escrutinar esse processo defensivo e essa industrialização, bem como controlar e, mesmo, regular esse processo. Até porque é também uma indústria com um grande impacto do ponto de vista ambiental.

Francisco Paupério tem 29 anos e é biólogo de formação, com especialização em bioinformática. Está a fazer um doutoramento em Biologia Integrativa e Biomedicina. (Paulo Spranger/Global Imagens)

Considera então que deve ser criada uma indústria de Defesa Comum à UE, é isso?
Tem de haver. O que acontece neste momento é que temos sistemas de armas que não conseguem comunicar com outros países. Um país vai comprar a Inglaterra, outro aos Estados Unidos, e enquanto houver essa dispersão de compras, e não tivermos o nosso próprio armamento e coordenação, esse Exército é uma miragem, porque não há capacidade de comunicação. Por exemplo, a Ucrânia já perdeu mais carros de combate do que, por exemplo, aqueles que França ou Alemanha têm. Ou seja: mesmo em termos de números, de quantidade, temos um número escasso face a uma potência como a Rússia. Daí a necessidade de ser pragmáticos e pensar nessa industrialização e, mais uma vez, não estar dependentes dos Estados Unidos e de países terceiros.

Falou no caso dos EUA. Há a possibilidade de, no final do ano, Donald Trump voltar à Presidência americana. Como deve a UE posicionar-se caso este seja o desfecho?
O Livre considera que temos de agir já em relação a esse possível problema. Ou seja, temos de prevenir já...

Até porque há um previsível crescimento dos partidos mais extremistas no Parlamento Europeu.
Exatamente. Em relação a Trump, temos de começar já a ter esta autonomia estratégica e a tornar-nos mais independentes dos Estados Unidos, não só do ponto de vista militar, mas até tecnológico e industrial. Esse caminho tem de ser feito, independentemente de ser Trump ou Joe Biden. Temos de ter, enquanto UE, uma voz no mundo da diplomacia, que não vimos no caso de Israel e Palestina. Podemos ser essa voz, podemos ser o espaço neutro em que pode haver conversações de paz. Infelizmente, não aconteceu porque tivemos uma Europa a diferentes velocidades. Precisamos de crescer nesse aspeto diplomático e nessa autonomia. No próximo Parlamento temos realmente um sério risco, porque é o último até 2030 para cumprir todas as metas climáticas e sociais propostas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Consideramos que não houve avanço. As Nações Unidas também consideram que estamos a uma velocidade lenta para aquilo que são as metas de 2030 e prevemos um Parlamento Europeu mais fraturado, mais polarizado, em que o centro-direita não decide ou, pelo menos, não tem poder para decidir sozinho. E, pior do que isso, decide que quer o poder a todo custo e que o pode fazer com as forças da direita radical e dos conservadores. E quando há este sinal, não só para fora, mas também para os partidos de dentro, como os Sociais e Democratas (S&D), os Verdes (a que pertencem Livre e PAN), os Liberais (Renew, da IL) e a Esquerda (The Left, de BE e PCP), acontece o que aconteceu na semana passada, em que houve um acordo entre esquerda, verdes, liberais e sociais e democratas, numa luta pela democracia, em que o Partido Popular Europeu (PPE), de PSD e CDS, não assinou esse acordo.

O que está tipificado?
É um acordo que, no fundo, quer lutar pela democracia e colocar as linhas vermelhas para a extrema-direita. E o grupo do PPE, não subscreveu este acordo. Todas as outras forças políticas progressistas o fizeram. Isso mostra que, realmente, o centro-direita não vai para este Parlamento Europeu com o mesmo discurso com que foi para todos os outros e que vai, isso sim, lutar pelo poder. Quando e se assim for, vamos ter um Parlamento polarizado pela primeira vez e com poucas perspetivas de haver negociações e consensos.

Mas quais são as linhas gerais?
A defesa pela democracia, a defesa pelos Direitos Humanos e, sobretudo, a defesa contra os populismos e a extrema-direita. É um acordo muito geral, mas que manda um sinal de força das forças democráticas de que nós, no Parlamento Europeu, temos de ter uma atitude pró-Europa e pró-democracia. Infelizmente, o PPE não respondeu a este apelo.

Olhando para a perspetiva de uma maior polarização do Parlamento Europeu, para qual dos polos é que a UE deve olhar enquanto um possível parceiro no futuro? Porque sabemos que, em princípio, as relações não são muito estáveis e, se o poder virar nos EUA, também pode acontecer o mesmo.
O que está a acontecer é um isolacionismo.

E como se resolve?
Vamos ter vários polos fortes e várias potências. Temos a China a crescer, tínhamos a Rússia, temos os EUA. A Europa nunca quis intervir muito neste mundo multipolar como um player  autónomo, quis sempre associar-se aos EUA. O que o Livre defende é que a UE tem essa independência e até essa ambição de crescer ao ponto de se tornar um polo de força no mundo, porque isso também vai permitir lutar pelos ideais de paz. Vai permitir lutar pelos nossos ideais de cooperação e, para isto, temos de ser um ator global. Ainda há várias fragilidades, como se viu no caso de Israel e Palestina, há várias diplomacias diferentes, há velocidades diferentes. No caso ucraniano, apesar das velocidades diferentes, até houve um objetivo comum e temos de lutar sempre por crescer neste sentido, de tentar sermos nós próprios um polo. Para depois termos um efeito no mundo contrário àquilo que foi o dos EUA, de invasões, de tentativa de controlo de outros países. A União Europeia sempre fez isso, sempre teve muitos fundos europeus para fora da Europa, precisamente para se focar na cooperação e desenvolvimento. E é isso que a Europa tem de voltar a fazer.

Falou na Ucrânia, em que houve uma só voz, e Israel, com mais divisões. Qual deve ser o caminho da UE nestes casos?
A posição do Livre é sempre a autodeterminação dos povos, portanto estamos sempre com o povo ucraniano e com o povo palestiniano.

Aqui ao lado, em Espanha, há a previsão de que, em breve, o país avance com o reconhecimento da Palestina. Esse deve também ser um exemplo por cá e para a UE?
Em 2019, quando o Livre falou numa possível geringonça, colocava como único ponto de negociação a independência da Palestina e o reconhecimento do Estado Palestiniano. Essa é uma luta nossa desde a fundação e claro que acompanhamos as intenções de Espanha em reconhecer a Palestina como Estado independente e estaremos sempre ao lado da luta palestiniana. Iremos defender sempre esse reconhecimento e irá votar a favor, caso seja apresentado na Assembleia da República, certamente.

Mas acha que será possível?
Pelas declarações que vimos de Paulo Rangel, não apontará nesse caminho, ao dizer que somos amigos de Israel. Podemos ser amigos e aliados de vários países, mas temos de condenar tudo aquilo que esses países fazem, e é essa falta de coerência que temos na diplomacia portuguesa que o Livre não defende.

Olhemos agora para o futuro da UE, dos parceiros e cooperação, porque há perspetivas de um alargamento em breve, aos Balcãs Ocidentais. Qual é a sua opinião?
O projeto europeu é paz, construído com esse intuito e com solidariedade. Vemos o alargamento como uma continuação desse projeto. Nunca tivemos guerra dentro da UE e consideramos que esse caminho de paz se faz com o alargamento, que serve também para questões de coesão e estabilidade. O que trouxe a Portugal foi, realmente, essa estabilidade e essa coesão que pode e deve fazer também a Leste. Agora, temos de perceber que os países têm diferentes velocidades, e que nunca se devem acelerar certos países por questões geopolíticas, como no caso da Ucrânia. Consideramos que a Ucrânia e a Moldávia devem entrar, quando estiverem preparadas, segundo os critérios definidos, os critérios de Copenhaga. Quando tiverem essas condições e forem reconhecidos pelas equipas que trabalham nesse campo, aí, sim, a UE tem de estar preparada. Mas também abre várias perguntas, como a questão dos fundos, por exemplo, que muitas vezes nos colocam e da qual Portugal sairia prejudicado, provavelmente, se a Ucrânia aderisse.

Porquê?
Porque a Ucrânia teria um fundo de coesão e até, do ponto de vista da Política Agrícola Comum (PAC), seria vista como celeiro da Europa. Perderíamos muitos fundos, certamente. Mas não podemos ver isto numa questão puramente económica, de investimento. A verdade é que vamos ganhar muito mais, vamos ganhar segurança alimentar. O facto de a Ucrânia passar a ter os nossos regulamentos alimentares e de segurança alimentar, significa termos produtos muito mais resilientes e muito mais baratos, em princípio.

Falou na PAC. Deve ser revista?
Não serve.

Porquê? Devido às metas climáticas, por exemplo?
Não só por isso, mas também pela parte social. Vimos a reação dos agricultores a esta PAC. Os agricultores estavam a protestar contra ela, não contra as políticas ambientais. Porque esta PAC investe, sobretudo, nos grandes proprietários e nas grandes empresas e reduz muito o investimento que se faz em pequenos e médios agricultores. Pois bem, se olharmos do ponto de vista ambiental, o futuro está sempre na produção e distribuição local, mesmo pela questão das emissões, até pela resiliência e agricultura sustentável que, normalmente, estes pequenos e médios agricultores têm e que as grandes empresas não conseguem. O futuro vai sempre passar por estes pequenos e médios agricultores, ao contrário desta PAC que privilegia os grandes grupos económicos, que normalmente fazem culturas intensivas, que destroem solos. O futuro da União não pode passar por estes grandes grupos que destroem a nossa biodiversidade.

Ainda relacionado com o ambiente, o Livre já alertou mais do que uma vez para a questão dos refugiados climáticos. Como se pode a UE posicionar nesta questão?
Penso que a ONU tem de dar esse passo de realmente definir o que é um refugiado climático, e que o Direito Internacional deve reconhecer. Não vai ser um assunto da UE, mas sim de todo o mundo. E esses 200 milhões de pessoas não são pessoas que querem vir para a UE, são 200 milhões que vão estar deslocados das suas terras. Muitos deles vão ser cidadãos portugueses, no caso do Alentejo, por exemplo, que realmente vão ter de migrar internamente ou para fora de Portugal por causa destas diferenças climáticas que vão existir no futuro. O que a Europa tem de fazer é preparar. Isto é algo que se sabe: vai haver uma pressão dos fluxos migratórios para a UE e temos de nos preparar para isso.

Como preparar-se? Criando infraestruturas, por exemplo?
Temos de assumir que isso vai acontecer e que há um problema. A seguir precisamos de propostas. E como se faz isto? Precisamos que a UE pense ou que inicie a discussão sobre como vamos distribuir estes refugiados e que não se dê a oportunidade, como infelizmente acontece no Pacto das Migrações, em que um país possa rejeitar por um custo de 20 mil euros essas pessoas. Não há essa solidariedade e não há essa cooperação neste Pacto das Migrações. Esperemos que no futuro próximo isso seja revisto e haja uma estratégia comum que passe, primeiro, por uma questão de, na fronteira, termos os recursos necessários para fazer a identificação dessas pessoas, para as legalizar, para as documentar. Depois temos de ter um projeto de inclusão para cada pessoa que chega e temos de perceber onde está a comunidade próxima a essas pessoas, dentro do país. Temos de perceber se essa comunidade está bem integrada na cidade ou vila em que está. Temos também de dar emprego a essas pessoas que, normalmente, estão dispostas a ter trabalhos de salários mais baixos, mas não podemos deixar que as empresas se aproveitem disso.

Natural de Leça da Palmeira, Francisco Paupério encabeça uma lista pela primeira vez. É filiado no Livre desde 2022. (Paulo Spranger / Global Imagens)

Passemos para outra questão que sei que é cara ao Livre: a Inteligência Artificial (IA), para a qual o partido quer criar uma agência europeia. Quero tentar perceber: como olha o Francisco para esta área? Deve ser mais regulada?
A IA é um desafio muito complexo e é desafiante para um legislador pensar em como a pode regular. Ponto um: tem de ser regulada. Não podemos deixar que se desenvolva sem regulação. Porque temos casos em que a Inteligência Artificial aprende com dados. Com os inputs, que vão ter sempre enviesamentos. O que não podemos fazer é criar um sistema que se baseie nesses enviesamentos. Daí a regulação ter de ser muito bem definida para não haver este ponto de vista. A tecnologia já não é muito precoce, mas ainda o é tendo em vista a perspetiva no campo do futuro. Temos de prevenir estes possíveis problemas que já surgiram e vão continuar a surgir até empresas de recursos humanos, que usam estas técnicas e que recrutam, depois, muitos mais homens brancos, heterossexuais, quando comparado a outras minorias. Num segundo ponto de vista, pela primeira vez tivemos uma grande tecnologia que foi desenvolvida pelo privado e não pelo setor público. Isso coloca outros desafios, que é a questão da opacidade e transparência. Neste momento, não temos acesso aos desenvolvimentos internos destas empresas. E penso que surgiu, há dias, um novo modelo do ChatGPT, ou da empresa OpenAI, que realmente dá um passo à frente e quase que quebra testes que nunca antes a informática tinha conseguido quebrar. Estamos num ponto em que os legisladores, pela primeira vez, não sabem em que Estado de Arte está a tecnologia. O que tem de haver aqui, primeiro, é o investimento público numa agência europeia que traga para si esse desenvolvimento, ou que pelo menos coordene esse desenvolvimento. Porque senão o que se arrisca a nunca conseguir, do ponto de vista europeu, onde a legislação é normalmente mais técnica, estar sempre a par. Dando o exemplo, o regulamento da IA que foi aprovado, este ano, já está desatualizado e vai continuar a estar, porque, de três em três meses, a IA tem dado muitos saltos que a legislação não consegue acompanhar. Isto vai lançar diferentes desafios em diferentes perspetivas: na questão, primeiro, dos enviesamentos.

Mas essa questão da regulação e da transparência, não pode entrar também numa ótica de censura?
Sim, esse é um tema que vai ter de ser também discutido. Mais a questão dos algoritmos, de como nos protegemos da desinformação. Mas lá está, a IA trabalha nos algoritmos, não trabalha no objetivo dos algoritmos. E por isso é que é tão importante ter esta regulação, porque são estes algoritmos que definem depois votos, como aconteceu no Brexit, como aconteceu nos Estados Unidos. E por isso é muito importante ter algoritmos o mais neutros possíveis e que criem o menor enviesamento possível. Daí pedirmos esta regulação. Com isto, não é dizer que vamos castrar a inovação e castrar a tecnologia. A IA é importante, vai tirar muitos trabalhos desinteressantes e até pouco produtivos. Isso é bom. Temos de ver esta tecnologia, esta inovação, como uma coisa boa.

Para terminar: António Costa no Conselho Europeu: sim ou não?
Como os Verdes não têm assento no Conselho Europeu, não vão falar sobre isso. Acho que precisamos esperar pelos outros candidatos e perceber o que será melhor do ponto de vista climático, do ponto de vista dos Direitos Humanos e do ponto de vista da democracia. E aí vamos pronunciar-nos certamente sobre essa decisão.

E não põem em cima da mesa uma recomendação ou um apoio a António Costa quando os Verdes vão noutra direção?
O problema é esse. Como não temos assento no Conselho Europeu, provavelmente nem vamos fazer essa recomendação. Por isso é que é difícil estar a dizer, agora, se vai haver opiniões diferentes, se propriamente o Livre se vai pronunciar sobre isso ou se até os Verdes se vão pronunciar. Porque não estando presentes no Conselho Europeu, provavelmente vamos deixar para os grupos que lá estão.

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