Os sociais-democratas André Coelho Lima, Leonor Beleza e Teresa Leal Coelho estão entre as mais de duas dezenas de autores de Reflexões sobre a Liberdade - Identidades e Famílias, livro que aborda temas como o aborto, a eutanásia e a homossexualidade, e nasce do “entusiasmo por enriquecer o debate em torno das famílias e das identidades neste Portugal do século XXI, que celebra 50 anos em democracia”. E serve de contraponto a Identidade e Família - Entre a Consistência da Tradição e as Exigências da Modernidade, que juntou visões conservadoras sobre os mesmos temas, foi apresentado, em abril, pelo antigo primeiro-ministro (e ex-presidente do PSD) Pedro Passos Coelho..A deputada bloquista Joana Mortágua, a comentadora e ex-dirigente liberal Maria Castello Branco e a economista Susana Peralta, coordenadoras do livro, que será apresentado na quarta-feira, na Livraria Buchholz, em Lisboa - local onde Passos Coelho falou sobre o outro livro, igualmente editado pela Oficina do Livro, do Grupo Leya -, admitem que o entusiasmo foi suscitado pelo livro Identidade e Família, coordenado por Bagão Félix, Victor Gil, Pedro Afonso e Paulo Otero. Embora ressalvem que “o nosso objetivo não foi responder-lhe, e muito menos atacá-lo”..As coordenadoras de Reflexões sobre a Liberdade - Identidades e Famílias, que também convidaram a escrever a ex-candidata à liderança da Iniciativa Liberal Carla Castro, a antiga ministra da Justiça Francisca Van Dunem, a deputada socialista Isabel Moreira e a ex-deputada do Bloco de Esquerda Fabíola Cardoso, defendem que se inscrevem “numa saudável dialética de acolhimento da diversidade de projetos de vida numa democracia liberal e da centralidade de tal desígnio na construção de uma melhor democracia”. E, realçando que as figuras reunidas no livro “não esgotam o mapeamento do progressismo, nem resultam de outra seleção que não a tentativa de reunir pessoas com origens e percursos diversos”, garantem que “não nos motivam as querelas político-partidárias, mas interessa-nos demonstrar que, da esquerda à direita, é vasto o espetro político que partilha como referencial o respeito pelos Direitos Humanos”..E é com uma citação do fundador do PSD (então PPD), Francisco Sá Carneiro, que arranca o primeiro texto, sobre eutanásia..Até há pouco tempo vice-presidente social-democrata, André Coelho Lima, que se viu excluído das listas de deputados da Aliança Democrática, escreve que da “curta vida parlamentar” guarda uma “sensação de dever cumprido” por ter contribuído para aprovar a despenalização da morte medicamente assistida. “Não desconheço que não é fácil defender esta posição junto do eleitorado que tradicionalmente vota PSD”, admite, socorrendo-se novamente de Sá Carneiro, “um homem que tantos idolatram, mas cujo pensamento tão poucos verdadeiramente conhecem”, noutra citação: “Ser liberal significa hoje para mim crer que jamais os direitos da pessoa humana podem ser subordinados aos da sociedade.”.À experiência pessoal com Sá Carneiro recorre Leonor Beleza, no texto “A Liberdade das Mulheres”, com a conselheira de Estado e presidente da Fundação Champalimaud - elevada a potencial candidata a Belém pelo líder parlamentar do PSD, Hugo Soares - a recordar o convite do fundador do partido para falar sobre discriminação no primeiro comício em Lisboa do então PPD. A autora, que ao longo de 75 anos de vida aprendeu que “temos de cultivar as coisas importantes se não queremos correr o risco de as perder”, recorda o seu percurso na política e na sociedade, com aquilo que fez ou testemunhou, para concluir que, “por muito que nos possamos queixar, não há comparação entre a relevância pública dos nossos direitos hoje e na altura em que nasci”..Por seu lado, a antiga deputada Teresa Leal Coelho, que já foi candidata do PSD à Câmara de Lisboa, defende que “a diversidade é uma riqueza e não uma ameaça”, num texto sobre “constitucionalismo cosmopolita”, pelo que “as políticas públicas que não reconheçam a diversidade como recurso e que desprezem o mérito de políticas e de medidas de inclusão, além de atentarem contra os Direitos Humanos, fomentam o desperdício de ativos de desenvolvimento humano, económico e social e de inovação, e potenciam a fragmentação da sociedade”..Com Carla Castro a escrever sobre desigualdade de género no mundo do trabalho, mas também na sociedade - “O Estado continua a ter uma visão assistencialista da mulher”, diz a antiga deputada, que realça a diminuição do número de eleitas para a Assembleia da República nas últimas três legislaturas - e Francisca Van Dunem a recordar o “país racialmente monolítico” que encontrou ao trocar Luanda por Lisboa, em 1973, observando que “hoje os comboios suburbanos e os navios que cruzam o Tejo no início de cada dia estão também plenos de mulheres e raparigas negras que correm para o trabalho”, as respostas mais duras ao livro apresentado por Passos Coelho cabem a autores posicionados mais à esquerda..Famílias-puzzle e coelhos gay.No seu texto em Reflexões sobre a Liberdade, o comentador e ex-dirigente bloquista Daniel Oliveira refere que na introdução de Identidade e Família, livro que “juntou a nata do ultraconservadorismo nacional”, se pode ler que “há quem, ‘à luz do dia’ ou ‘de um modo mais subtil e larvar’ quer dissolver a família”. Defendendo que no passado se ouviu o mesmo acerca do divórcio que hoje se ouve sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Oliveira considera que “todo este espaço de liberdade pôs em causa a família patriarcal”. E, sendo “cada vez mais habituais famílias-puzzle, em que se acumulam afetos e até novos parentescos”, diz-se incomodado com a “totalitária arrogância” de quem “chega ao ponto de querer decidir que família deve o Estado promover”..Por seu lado, Joana Mortágua, além de coordenar o livro que será lançado na quarta-feira, recorre ao caso dos pais que proibiram os filhos de frequentar as aulas de Cidadania e Desenvolvimento, o que resultou na retenção de ano por faltas, para escrever que tal “seria apenas um triste episódio”, não fosse um conjunto de 100 personalidades, entre as quais Passos Coelho, “querer dar dignidade de debate político ao acontecido”. A bloquista refuta a “conclusão esdrúxula de que existe um direito dos pais a privar os filhos da frequência de uma disciplina que visa cumprir e promover os valores da cidadania”..No texto “O Direito à Autodeterminação da Nossa Morte - Um Caminho sem Paralelo”, a socialista Isabel Moreira manifesta-se contra as tentativas de referendar o final da vida das pessoas, congratula-se por a Assembleia da República ter aprovado a morte medica- mente assistida e partilha a opinião de que Marcelo Rebelo de Sousa “sobrepôs as suas convicções religiosas ao seu papel institucional de guardião da lei fundamental”..Num livro que tem contributos das outras duas coordenadoras, da apresentadora Catarina Furtado, da jornalista (e colunista do DN) Catarina Marques Rodrigues, da grande repórter do DN Fernanda Câncio (que assina com a mãe, Maria Fernanda Câncio), bem como de Henrique França, Hilda de Paulo, João Maria Jonet, Leonor Caldeira, Pedro Strecht e de Teresa Violante - a constitucionalista escreve que a forma como profissionais de saúde “recusam prestar serviços de aborto, de acordo com juízos morais ou éticos, viola a dignidade das pessoas grávidas” -, a antiga deputada bloquista Fabiola Cardoso antevê, no futuro próximo, uma sociedade que valorize a diversidade familiar: “Teremos filmes no Natal sobre o coelhinho que perdeu a família num incêndio de eucaliptal monointensivo e foi adotado por dois coelhos machos, que sempre sonharam imitar os pinguins gay do Oceanário de Lisboa, que cuidam dos ovos abandonados por outros casais!”