Frutuoso de Melo: "Há um decréscimo perigoso de portugueses nas instituições europeias"

Fernando Frutuoso de Melo alerta para a perda de influência e impreparação de candidatos portugueses. Há um envelhecimento acentuado nos funcionários de Portugal e uma ausência das novas gerações.
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"O número de portugueses tem vindo perigosamente a decrescer" nas instituições europeias, "está a baixar rapidamente". O aviso é de Fernando Frutuoso de Melo, antigo diretor geral da Cooperação Internacional e do Desenvolvimento na Comissão Europeia - hoje designada Direção Geral das Parcerias Internacionais -, atual chefe da Casa Civil do Presidente da República. "Há 4 anos, 35% dos funcionários portugueses tinha mais de 55 anos, passaram estes anos... agora têm mais de 60 anos. O número de portugueses está a decrescer rapidamente", afirma.

Porquê perigosamente? O ex-alto quadro da Comissão Europeia, que foi um dos convidados do Summer Cemp, organizado pela representação da Comissão Europeia em Portugal e que decorre em Alcoutim, desde sexta-feira, considera que "para a instituição europeia funcionar precisa que haja um equilíbrio de nacionalidades entre os funcionários. O "perigosamente" é porque eu não estou a ver gerações de substituição". Esta quebra acentuada terá consequências: "a perda da sensibilidade portuguesa no processo de decisão, a perda de informação sobre a realidade portuguesa nos processos de tomada de decisão e perda de influência interna" junto da União Europeia.

Fernando Frutuoso de Melo alerta para a necessidade de preparar portugueses que consigam entrar nas instituições europeias. "A dificuldade em passar nos concursos de acesso" é a mais evidente, principalmente porque "o tipo de concurso não ter nada a ver com o tipo de avaliações a que as pessoas estão habituadas cá".

"O tipo de avaliação nas universidades portuguesas, regra geral, não prepara as pessoas para aquele tipo de concurso. Daí a necessidade de haver cursos específicos, à disposição das pessoas que queiram concorrer, para os preparar. O problema não está na capacidade [académica e científica] dos portugueses, o problema está na impreparação dos portugueses para aqueles concursos", constata o antigo "funcionário europeu" - expressão que gosta de sublinhar.

A esta dificuldade, acresce outra. "Concorrem relativamente poucos portugueses. Tem a ver com uma falta de conhecimento [de que é possível ir trabalhar nos organismos europeus] e uma certa ideia que as pessoas têm de que é muito difícil, que é só pra os outros".

Devia o Ministério dos Negócios Estrangeiros preparar, lançar esses cursos de formação? Fernando Frutuoso de Melo responde numa breve frase: "o Ministério dos Negócios Estrangeiros já teve essa tarefa, fez isso durante vários anos, depois parou... penso, na altura, que por uma razão orçamental".

Fernando Frutuoso de Melo defende, com base na sua experiência de mais de três décadas em instituições europeias, que Portugal devia replicar algumas regras da "função pública" europeia. E até dá como exemplo uma exceção, as reuniões do Infarmed com os diversos sectores políticos que sustentam, depois, a tomada de decisões.

"Uma coisa que me choca na administração pública é haver muito pouca horizontalidade, é uma administração muito verticalizada". Isto traduz-se em ineficácia?. "Traduz-se em várias coisas, traduz-se em que o ministério, seja ele qual for, não tem o input de outros, a nível da preparação das várias medidas que poderiam enriquecê-la, e traduz-se também na falta de mobilidade entre as pessoas. Porque se as pessoas tiverem mais contactos entre várias direções gerais, entre os vários ministérios, mais facilmente poderão, eventualmente, ir deste ministério para aquele. Há relativamente pouca gente que faça isso. Isso enriquece a experiência das pessoas, torna-as mais úteis".

Tecnocracia? "Não acho que seja uma vitória da tecnocracia, porque a decisão é sempre política, e tem sempre que ser. A questão é esta: quando o nível político tem que decidir, decide com opções mais ricas ou com opções menos ricas?".

"Se houver uma maior preparação das decisões, uma maior articulação entre os vários serviços públicos, com a participação de especialistas nas respetivas áreas, e houver mais informação em cima da mesa do conselho de ministros quando as decisões são tomadas, e não estou a falar deste conselho de ministros, estou a falar em geral, como é óbvio, certamente que as decisões poderão ser melhores", considera.

Fernando Frutuoso de Melo não consegue perceber por que razão Portugal ainda tem pessoas a viver nas ruas, como é possível haver "sem-abrigo" no país. "Não estamos a falar de seis milhões nem de seiscentos mil, estamos a falar de seis mil pessoas. Nós não conseguimos, um país razoavelmente organizado, um país desenvolvido como Portugal, não conseguimos resolver o problema de seis mil pessoas?".

Senti nas suas palavras uma espécie de aflição?, interrogo."Mas é... mas é... mas é... acho que o governo tem feito algumas coisas, as ONG [Organizações Não Governamentais] têm feito algumas coisas, mas acho que é daquelas coisas que merece um grito profundo. Francamente, nós não conseguimos resolver o problema de seis mil pessoas?"

"É tempo de dar a volta a isto em termos de gerações. Aquela geração que veio a seguir a 25 de abril é praticamente a mesma" que está no poder. "É um problema", ainda por cima "esta nova geração está mais bem preparada", considera o antigo alto quadro da Comissão Europeia.

"Se olhar para Europa, nomeadamente os nossos parceiros da União Europeia têm dirigentes políticos, primeiros-ministros, presidentes, tem gente muito nova". Em Portugal a geração pós 25 de Abril "ainda é determinante, é muito presente na política portuguesa, são pessoas com mais de 50, 60, 70 anos. É normal que haja uma ou outra, é normal que o Presidente seja uma pessoa mais experiente, isso acho normal, agora isso tem que ser a exceção", afirma Fernando Frutuoso de Melo.

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