Eutanásia novamente aprovada: "É tempo de concluir este processo"
Parlamento mantém maioria de deputados favoráveis à morte medicamente assistida. Partidos dizem que esta é uma lei cautelosa e sensata e avisam que é tempo de avançar com a lei, que já foi travada duas vezes em Belém.
A Assembleia da República voltou ontem a aprovar a despenalização da morte medicamente assistida, que passa agora ao trabalho em comissão parlamentar e voltará então às mãos do Presidente da República. Dois vetos depois, à terceira votação no Parlamento, as propostas para legalizar a eutanásia voltaram a passar com uma clara maioria - 128 votos a favor -, ainda que abaixo das votações anteriores 138 e 136 votos favoráveis).
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Entre os partidos favoráveis à eutanásia ficou clara, no debate de ontem, a recusa do argumento do Presidente da República de que o alcance da lei foi alargado na segunda versão do texto (precisamente a que foi vetada em novembro último). Com todos os proponentes a sublinhar que a discussão deste tema já leva anos, também se ouviu que não há mais espaço para argumentar com a inconstitucionalidade da proposta, que já passou pelo crivo do Tribunal Constitucional. "É tempo de concluir este processo", resumiu do púlpito o deputado do PS Alexandre Quintanilha. Palavras que, de uma forma ou outra, foram sendo repetidas nas várias bancadas favoráveis à despenalização da morte medicamente assistida.
Com a aprovação na generalidade, os quatro projetos de lei passam agora ao trabalho em comissão parlamentar de onde, previsivelmente, deverá sair um texto único - uma tarefa facilitada pelo facto de os projetos serem praticamente idênticos. Depois, a proposta terá ainda de ir a votação final global e será então enviada para Belém, um processo que só deverá ser terminado na próxima sessão legislativa, em setembro.
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Dado que o texto vetado em novembro foi alterado, Marcelo Rebelo de Sousa mantém intocados todos os poderes presidenciais: pode enviar novamente o diploma para o Constitucional, vetar, ou promulgar. Mas, na circunstância de optar novamente por um veto político, os deputados terão a faculdade de optar pela reconfirmação do diploma, o que obrigaria então o Presidente da República a promulgar. E, ontem, já deram sinal de que é altura de concluir a discussão.
Uma proposta "defensiva"
Logo na abertura do debate, a deputada socialista Isabel Moreira - um dos principais rostos da despenalização da morte medicamente assistida - defendeu que "não há, em termos de direito comparado ou nacional, conceitos mais densificados, nem lei mais defensiva". E sublinhou que "insistir na inconstitucionalidade" deste projeto "levaria a que se tivesse de ter por inconstitucionais, por maioria de razão, muitas normas atualmente em vigor". No mesmo discurso, a deputada socialista contrariou o entendimento de Marcelo Rebelo de Sousa de que o âmbito da eutanásia foi alargado da primeira para a segunda versão do diploma, deixando de ficar limitado a doenças fatais: "Sabemos e sabe quem está de boa-fé, lendo as definições de conceitos que sempre estiveram na lei , que "doença fatal" nunca significou "morte iminente". Esteve sempre em causa uma doença de extrema gravidade que põe em risco a subsistência mesma da vida, causando um sofrimento atroz ao paciente". E o mesmo fez a líder do BE, Catarina Martins, logo a seguir, depois de referir que este "processo leva já anos e deve agora ter a sua conclusão normal, a promulgação e entrada em vigor da lei" - "Nunca o alcance dos projetos de lei, nas suas redações anteriores, foi confinado a situações de fatalidade ou terminalidade".
"Não pode continuar a adiar-se esta questão", defendeu Inês Sousa Real, pelo PAN, enquanto João Cotrim Figueiredo falou num "debate alargado e profundo na sociedade portuguesa há vários anos" e apontou armas à iniciativa do Chega (que seria depois chumbada) de pedir um referendo, qualificando -a como "uma tentativa tosca" de estabelecer "um precedente de que direitos fundamentais e liberdades individuais são referendáveis. Não são e nunca deverão ser".
Entre os partidos contrários à eutanásia, André Ventura (Chega) criticou o que diz ser uma "obsessão" do Parlamento e da esquerda "pela morte". Pelo PCP, Alma Rivera alertou para as "consequências sociais" de uma lei desta natureza, afirmando que a opção pela antecipação da morte "aparecerá de forma mais evidente" nas "camadas sociais mais fragilizadas, nos mais idosos, nos mais pobres, nos que têm mais dificuldades no acesso a cuidados de Saúde".
Já no PSD, que tinha liberdade de voto, as intervenções dividiram-se entre o "sim" e o "não". Paulo Rios de Oliveira sustentou que "no dia em que a solução para a doença for a morte, falhámos". Em sentido contrário, André Coelho Lima defendeu que "as nossas opiniões não devem nortear o que devem fazer os outros".
Eutanásia aprovada, referendo chumbado
O projeto de lei apresentado pelo PS foi ontem o mais votado, recolhendo 128 votos a favor, cinco abstenções e 88 votos contra. Teve o voto favorável da esmagadora maioria da bancada socialista (que tinha liberdade de voto), da IL , BE, Livre e PAN. No PSD, onde houve igualmente liberdade de voto, pronunciaram-se a favor da proposta socialista seis deputados - Mónica Quintela, Sofia Matos, André Coelho Lima, Catarina Rocha Ferreira e Hugo Carvalho.
No lado oposto, Chega e PCP votaram contra o projeto de lei, assim como a maioria da bancada social-democrata: 63 parlamentares. Do lado do não estiveram também sete deputados socialistas: Joaquim Barreto, Romualda Fernandes, Raquel Ferreira, Cristina Sousa, Pedro Cegonho, Maria João Castro e Sobrinho Teixeira.
Os restantes diplomas tiveram uma votação semelhante: o do BE contou 127 votos a favor, 88 contra e seis abstenções. O projeto do PAN contou 126 votos a favor, 88 contra e sete abstenções. Já o da Iniciativa Liberal, o último a ser votado, contou 127 votos a favor, 88 contra e seis abstenções.
Pelo caminho ficou a proposta de referendo à eutanásia apresentada pelo Chega, que contou 147 votos contra, duas abstenções e 71 votos a favor. Votaram contra o PS, IL, PCP, BE, PAN, Livre e nove deputados do PSD. No PSD houve ainda duas abstenções. Mas grande parte da bancada social-democrata votou a favor do referendo, ao lado dos 12 deputados do Chega.
susete.francisco@dn.pt
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