O chumbo do Orçamento Regional ditou a convocação das eleições.
O chumbo do Orçamento Regional ditou a convocação das eleições.

Eleições antecipadas nos Açores. O país começa aqui

Uma das grandes dúvidas que vai marcar o sufrágio açoriano: como é que o eleitorado vai reagir ao fim precoce da legislatura e quem vai culpabilizar?
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Quatro de fevereiro de 2024. Os açorianos vão ser chamados às urnas para as primeiras eleições antecipadas da história da autonomia regional. Uma eleição que coloca frente a frente o atual presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro, e o antecessor, Vasco Cordeiro. Uma eleição que promete contaminar a eleição nacional do mês seguinte. 

Vamos por partes, o mandato foi interrompido com o chumbo do último Orçamento da legislatura. O Governo Regional, assente numa coligação PSD, CDS-PP e PPM, perdeu o apoio do Chega e da Iniciativa Liberal (IL). Foi a secessão da direita unida e da solução governativa inédita que juntou cinco partidos para acabar com 24 anos de poder do PS, apesar de os socialistas terem ficado em primeiro nas eleições de 2020. 


Esta é uma das dúvidas que vai marcar o sufrágio açoriano: como é que o eleitorado vai reagir ao fim precoce da legislatura? Os partidos do Governo Regional aproveitam o momento para se vitimizar e colocar o ónus sobre os antigos parceiros parlamentares. PSD, CDS-PP e PPM apresentam-se juntos a eleições, uma aliança pré-eleitoral que caiu mal junto de certas fações sociais-democratas. Dentro do PSD, teme-se uma perda de votos na maior ilha, São Miguel, porque CDS-PP e PPM estão conotados com um discurso excessivamente centrado nas ilhas Terceira e Corvo, respetivamente. Esta é uma das particularidades mais importantes para compreender a situação política açoriana: as dinâmicas de cada ilha são fundamentais para o equilíbrio do poder político. 

Por sua vez, o Chega lembra que apenas se absteve na votação do Orçamento e que até mostrou abertura para negociar a viabilização de um segundo documento, caso Marcelo Rebelo de Sousa não tivesse optado pela dissolução do Parlamento. O Chega é a única força cujo crescimento eleitoral é tido como certo (elegeu dois em 57 deputados em 2020). 
Nos Açores, o muro entre PSD e Chega já foi quebrado há muito e as relações entre ambos não parecem ter sido afetadas com o desfecho do último Orçamento. Nessa altura, o deputado do Chega, José Pacheco, justificou a abstenção com a postura de CDS-PP e PPM e avisou que no futuro só pretende negociar com o PSD. 

O caso da IL é diferente, uma vez que o partido rasgou formalmente o acordo de incidência parlamentar, votou contra o Orçamento e rejeitou qualquer negociação com o PSD. O deputado liberal, Nuno Barata, é visto na região como o principal responsável pela queda do Governo. Resta saber se tal vai ser visto como um mérito ou um defeito. 

À esquerda, a tendência de crescimento da direita reduz a margem de manobra do PS. Os socialistas farão por concentrar o voto útil, traumatizados por uma possível repetição em 2024 da inconsequente vitória de 2020. A lógica é apresentar o período de governação socialista, em particular os oito anos de Vasco Cordeiro (2012-2020) como um tempo de estabilidade que só pode ser assegurado pelo PS. Durante a estadia na oposição, Vasco Cordeiro esforçou-se por ajustar a sua própria imagem enquanto líder humilde e próximo da população, por oposição à figura presidencial que cultivou ao longo de anos. 

A dificuldade da esquerda é que o PCP está a perder expressão nos Açores (já não está sequer representado na Assembleia Regional) e o BE dificilmente consegue eleger mais do que os dois deputados que conseguiu em 2020, apesar do efeito Mortágua e de os resultados do Bloco nos Açores estarem historicamente associados ao momento do partido a nível nacional. 

Dos Açores para o país 


Em política, sabe-se, há muito poucos impossíveis, mas, com as maiorias absolutas a parecerem um cenário improvável, os acordos pós-eleitorais vão ser determinantes para perceber quem vai governar os Açores. 

Com o ambiente político polarizado, as regionais açorianas prometem influenciar o país, até devido à proximidade das eleições para a Assembleia da República de 10 de março. Em 2024, tal como em 2020, a situação política açoriana pode vir a tornar-se um embaraço para a liderança nacional do PSD. Se Bolieiro renovar a aliança com o Chega, as tentativas de demarcação de Luís Montenegro cairão por terra e o PS ganhará um trunfo político de enorme valor para agitar com o fantasma da extrema-direita. 
Nas políticas de acordos, o comportamento da IL nos Açores também vai ser acompanhado sob a lógica nacional, sobretudo para discutir o grau de maturidade do partido para participar numa solução governativa. Recorde-se que na Madeira o PSD optou por apoiar o PAN e descartar a IL, beliscando as relações entre sociais-democratas e liberais. 

As eleições açorianas vão ser também um teste para aferir o impacto da demissão de António Costa e dos casos da Operação Influencer. Nesta altura, no país e no arquipélago, ainda não se percebe se o eleitorado vai querer castigar o PS ou se o “pedronunismo” já fez esquecer um passado não tão distante. Seja como for, os Açores serão a primeira prova de fogo para o PS pós-António Costa. 

Jornalista do Açoriano Oriental

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