A primeira ameaça de eleições antecipadas foi deixada por Luís Montenegro a 2 de abril, na tomada de posse; a segunda foi a 8 de julho, quando por três vezes o primeiro-ministro, de “peito aberto”, disse não aceitar “fazer o contrário” do que tinha prometido, só saindo empurrado por uma moção de censura; a terceira, mais veemente, foi a 16 de julho, no debate do Estado da Nação e também por Montenegro - “Se por um acaso tudo isto não passar de um jogo, então tenham a coragem de deitar abaixo o Governo”- ; e a quarta surgiu ontem, pela voz de Miranda Sarmento, ministro das Finanças, em entrevista ao Público e à Rádio Renascença: “Se [a oposição] desvirtuar [o Orçamento do Estado para 2025 (OE25)], obviamente que o Governo terá de perguntar aos portugueses se aceitam ter um Orçamento que, primeiro, possa pôr em causa o equilíbrio das contas públicas e, segundo, um Orçamento que não reflete aquilo que foi o programa eleitoral”..Apesar de, há 13 dias, Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças e António Leitão Amaro, ministro da Presidência, terem reunido com todos os partidos para discutir o OE25 - e de ter ficado agendada nova ronda negocial para setembro - o cenário de eleições antecipadas voltou, mais uma vez, a ser colocado pelo Governo, alimentando uma narrativa de rutura que o próprio primeiro-ministro já tinha esvaziado ao elogiar a “forma positiva”, “postura cordial” e “diálogo franco, aberto e focado no interesse nacional” que os partidos da oposição manifestaram..Até Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, a 19 de julho, no final da ronda de reuniões, sublinhou que todos estão “com abertura negocial, empenhados e de boa-fé”..“Estão” ou estavam? Carlos Pereira, coordenador do PS na Comissão de Orçamento e Finanças, avisa que “fazer ameaças [de eleições antecipadas] não é manifestar boa-fé. Humildade e boa-fé para dialogar não é isto, isto é má-fé”. Para o deputado,as declarações de Miranda Sarmento “são infelizes, não encaixam de maneira nenhuma na vontade manifestada pelo Governo para uma negociação do OE25”. .Se não encaixam, diz, é porque “ou é uma estratégia de polícia bom, polícia mau, em que Montenegro faz de polícia bom e Sarmento de polícia mau. E, assim, criam uma ambiguidade sobre o que quer o Governo. Ou então é mesmo uma trapalhada na orientação política. Inclino-me para esta segunda”..Pelo Chega, que também pode garantir a aprovação do OE25, André Ventura garante ao DN que, “até conhecermos o documento e as intenções do Governo, não fechamos portas”. No entanto, reagindo à entrevista de Miranda Sarmento, Ventura diz que “só mostra que quem provocar uma crise política é o Governo”. E acrescenta ser sua opinião, “há muito tempo”, que Luís Montenegro pretende que se realizem eleições antecipadas. .À SIC Notícias, o deputado da Iniciativa Liberal Mário Amorim Lopes lamentou que a discussão do OE25 esteja “enredada em taticismo político”, nomeadamente com a “concorrência clara”, entre o PS e o Chega, “sobre quem é o líder da oposição”. E congratulou-se por o seu partido ter conseguido que a redução do IRC conste nas intenções do Governo, descrevendo-a como algo que, “sem ser uma bala de prata”, é um primeiro passo “para mais crescimento económico”. .Fabian Figueiredo, líder parlamentar do BE, que já não acredita num “truque tantas vezes repetido que pouca gente lhe atribui credibilidade”, diz que “estamos na fábula de Pedro e o Lobo”. “O Governo ameaça permanentemente com eleições antecipadas quando se devia concentrar em governar. O Governo não pode chantagear a Assembleia da República; deve é lembrar-se que tem 28% dos votos”, sublinha. .Eleições antecipadas? “É extemporâneo. As ameaças do governo carecem de credibilidade. Numa semana dizem que têm vontade de negociar, na outra convocam os partidos para negociar, depois anunciam nova ronda para setembro e agora o ministro das Finanças vem com ameaças. É um simular de ciclos de negociações intercalado com ameaças de eleições”, resume. .Para o PCP, “o que importa é o conteúdo que venha a ser proposto e não as consequências da sua rejeição se forem negativas. Não valorizamos a estabilidade ou a instabilidade política independentemente do conteúdo das políticas”. A moção de censura é, por isso, um cenário que “vamos avaliar a cada momento”. O PCP, reforça Bernardino Soares, “não apoiará esta política” da AD. .Já o Livre considera que o Governo “entrar nas negociações com 36 deputados a menos do que precisa para uma maioria, numa toada de chantagem à oposição para que abdique de todas as suas propostas e assine de cruz o OE da AD, é um péssimo começo do Governo e mostra que a suposta abertura ao diálogo é pura fantasia”..“É um tiro no pé” de quem “ainda não percebeu que não só não tem maioria absoluta como está bastante longe disso (...) ir para eleições com um registo de chantagem por estas bandeiras (dinheiro esbanjado em borlas de IRC, IRS e IMT dadas a quem já está melhor na vida) correrá mal à AD”, refere fonte do partido.