Educação e Saúde são as únicas comissões parlamentares em que as mulheres estão em maioria
Ilustração Vítor Higgs

Educação e Saúde são as únicas comissões parlamentares em que as mulheres estão em maioria

Há quase duas vezes mais deputados do que deputadas, o que se reflete nas 14 comissões permanentes. Há apenas duas “femininas” e duas paritárias. No lado oposto estão a Defesa,os Negócios Estrangeiros e o Ambiente.
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Apenas duas das 14 comissões parlamentares permanentes da Assembleia da República nesta legislatura têm uma maioria de mulheres entre os deputados que são membros efetivos. Nos antípodas da Educação e Ciência e da Saúde encontram-se as comissões de Defesa Nacional, dos Negócios Estrangeiros e do Ambiente e Energia, onde não são necessários os dedos de uma mão para contar as deputadas com assento nas reuniões.

O número de deputadas eleitas, nas últimas eleições, é o mais baixo da década. A queda  motivou  uma petição que pede o limiar da paridade para 50%, que em breve entrará na AR.

A mais “feminina” das comissões parlamentares permanentes - cujos membros se dedicam ao escrutínio e elaboração de legislação referente a áreas específicas - é a de Educação e Ciência, com 19 mulheres entre 23 efetivos (82,61%). E logo a seguir vem a de Saúde, que tem 15 mulheres em 22 elementos, o que representa 68,18% e é tanto mais relevante quanto a percentagem das eleitas do sexo feminino entre os 230 deputados em funções se encontra em apenas 34,35%.

Para Manuela Tender, deputada do Chega eleita pelo círculo de Vila Real, que preside à Comissão de Educação e Ciência, o elevado número de deputadas será um reflexo de a educação ser uma área “onde normalmente há mais mulheres”, tendo também “um peso cada vez mais significativo” no ensino superior e na investigação científica, que também são competências da comissão.

Sendo professora, profissão que conciliou com uma carreira política que no passado a levara a ser eleita duas vezes para a Assembleia da República, então pelo PSD, Manuela Tender acredita que muitas das deputadas que estão na comissão “tenham alguma ligação ao ensino”. E, como a Comissão de Saúde, presidida pela socialista Ana Abrunhosa, ex-ministra da Coesão Territorial, também se encontra entre as que têm maioria feminina, aponta como possível explicação o facto de muitas vezes “ser assumido pela mulher o papel de mãe, de educadora e de formadora”, mas também a existência de um número crescente de mulheres a optar por essas atividades. “No curso de Medicina, que é daqueles que exigem notas mais altas para o acesso, durante muito tempo os homens dominaram, mas hoje vemos que as mulheres que estão a entrar já são mais”, observa a deputada do Chega.

Mesmo defendendo ser importante que haja alguns deputados na Comissão de Educação e Ciência - neste momento são apenas Eduardo Pinheiro (PS), Pedro Alves (PSD), José Carvalho (Chega) e Paulo Núncio (CDS-PP) -, pois acha que “mulheres e homens têm uma visão própria”, Manuela Tender admite que mais importante do que o género dos representantes dos partidos é a profundidade com que abordam as matérias. “O que faz a diferença não é se somos só mulheres ou só homens, ou se há mais mulheres do que homens. Importante é que cada um dê o melhor de si e que represente o seu eleitorado, e os portugueses, de maneira geral”.

Além das comissões predominantemente femininas, outras duas das 14 permanentes têm paridade entre homens e mulheres. Sendo uma delas a emblemática primeira comissão, dos Assuntos Constitucionais, com uma dúzia de deputados e outra dúzia de deputadas, incluindo a presidente, Paula Cardoso (PSD), e Cláudia Santos (PS), uma das vice-presidentes. Para a “coincidência feliz”, como vários parlamentares se referem ao total equilíbrio de género, contribui o facto de os dois principais grupos parlamentares terem destinado quatro deputadas para os sete lugares efetivos de que dispõem, enquanto o Chega escolheu duas mulheres (incluindo a coordenadora Cristina Rodrigues), juntando-se-lhes a líder da bancada da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, e a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real.

Também existe paridade na Comissão do Trabalho, Segurança Social e Inclusão, com 11 homens e outras tantas mulheres, incluindo as coordenadoras do PSD (Carla Barros), Chega (Felicidade Vital), Iniciativa Liberal (Joana Cordeiro) e Livre (Isabel Mendes Lopes, também líder do grupo parlamentar). E apenas menos uma deputada (10) do que os deputados na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, presidida pela socialista Edite Estrela, e que conta com as coordenadoras do PS (Mara Lagriminha), Chega (Patrícia Carvalho) e Bloco de Esquerda (Joana Mortágua).

Matérias de interesse masculino
Nos antípodas da Comissão de Educação e Ciência está a Comissão de Defesa Nacional, com apenas três mulheres entre 23 efetivos (13,04%). As exceções são as socialistas Mariana Vieira da Silva e Isabel Oneto e a social-democrata Liliana Reis, que exerce uma das vice-presidências.

Ao DN, a professora universitária, que ganhou mediatismo enquanto comentadora de temas internacionais antes de ser convidada a ser cabeça de lista da Aliança Democrática por Castelo Branco, admite que estava preparada para a escassez de mulheres na Comissão de Defesa Nacional. “Não obstante termos tido uma ministra, Helena Carreiras, e de termos agora uma secretária de Estado, Ana Isabel Xavier, estas matérias ainda são sobretudo de trabalho e de interesse masculino. Acredito que isso possa vir a ser alterado daqui a alguns anos, mas ainda há um longo trajeto a percorrer até lá”, diz Liliana Reis.

Apesar de no meio académico “a maior parte das pessoas que trabalham assuntos de segurança e de defesa, nomeadamente no âmbito da política comum de segurança e defesa da União Europeia, são mulheres”, a deputada do PSD vaticina que ainda demorará até que isso se materialize na Assembleia da República.

Para a vice-presidente da Comissão de Defesa Nacional, que também é vice-coordenadora do PSD na Comissão dos Assuntos Europeus (onde é uma das oito deputadas que elevam a representação feminina para 40%) e suplente na Comissão de Negócios Estrangeiros - também no pódio das mais “masculinas”, com apenas quatro mulheres efetivas (17,39%), tal como a de Ambiente e Energia -, está longe de ser espantoso que as comissões relacionadas com políticas públicas tradicionais, como Educação, Saúde e Trabalho, tenham uma representação feminina muito maior do que as ligadas a políticas de soberania. “Sabia que a maior parte das minhas colegas mulheres não tinham particular interesse pelo exercício de funções nesta comissão”, diz, acreditando que igual lógica se manifestou no PS e demais forças partidárias representadas em São Bento.

Aliás, os 78 deputados do PSD foram desafiados pelo líder parlamentar, Hugo Soares, a fazerem uma manifestação das suas preferências quanto a áreas temáticas. “E, de uma forma totalmente democrática e transparente, nomeou para as respetivas comissões as pessoas que tinham efetivamente interesse nas mesmas”, explica Liliana Reis, considerando provável que a falta de apetência ou de vontade das suas colegas de bancada explique a inexistência de deputadas entre os sete sociais-democratas na Comissão de Orçamento e Finanças, particularmente relevante aquando da discussão e votação na especialidade de cada Orçamento do Estado. E que só tem cinco deputadas em 24 efetivos (20,83%), incluindo a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.

Quotas não, obrigado
Quanto à possibilidade de a Assembleia da República, que tem feito uma viagem não isenta de solavancos com destino à paridade, estar a reforçar ideias ultrapassadas de papéis sociais associados a cada género, ambas as deputadas convergem na ideia de que está em causa uma manifestação do que é a sociedade portuguesa. “Aquilo que provavelmente se passa é que os papéis sociais normalmente atribuídos às mulheres também têm representatividade do ponto de vista parlamentar”, diz Liliana Reis, recordando que ainda só existem três mulheres com patente de general na Força Aérea. Por seu lado, Manuela Tender admite que as mulheres “ainda estão sub-representadas e, se calhar, o Parlamento é um reflexo da sociedade”, nomeadamente quando “vemos nas grandes empresas que os CEO são quase sempre homens”.

De qualquer forma, impedir que se mantenha um tão vincado género dominante em algumas comissões parlamentares através da imposição de quotas é algo que é afastado pelas eleitas do PSD e do Chega. “Não vejo que seja necessário em todas as comissões estarmos à procura de um equilíbrio entre homens e mulheres. Podia haver uma pessoa especialmente vocacionada e que acabasse por não ter lugar”, diz Manuela Tender, enquanto Liliana Reis considera que “não é exequível que, por uma maioria representação feminina e equidade, nas comissões fossemos distribuídas apenas pelo género, hipotecando os nossos interesses e conhecimentos técnicos”.

Paridade em queda na Assembleia
O Parlamento que resultou das legislativas , muito alterada pelas saídas de eleitos da AD para o Governo, e mais algumas substituições de deputados nos grupos parlamentares, teve um recuo na paridade em relação ao que aconteceu nas duas legislaturas anteriores - é o valor mais baixo da última década. Esta descida levará a AR, em breve, a discutir que o limiar da paridade seja de 50%. Neste momento, encontram-seem exercício de funções 151 deputados e 79 deputadas, as quais representam 34,35% do total, levando a que haja quase dois homens por cada mulher. Segundo dados da Pordata, o recorde de deputados foi em 2019 (89), descendo para 85 em 2022. O maior número de deputadas volta a estar na bancada socialista, com 30 mulheres entre 78 eleitos (38,46% do total), ligeiramente acima do PSD, que tem 27 em 78 (34,61%). Abaixo da média está o Chega, com 13 deputadas num total de 50 eleitos (26%), apesar de ter juntado uma dúzia de mulheres a Rita Matias, que era a única eleita do sexo feminino, enquanto a Iniciativa Liberal mantém três deputadas em oito eleitos (37,5%). O Bloco de Esquerda é o mais feminino de todos os grupos parlamentares, com três mulheres e dois homens (60%), enquanto PCP e Livre têm uma deputada em quatro eleitos (25%). Já os dois eleitos do CDS-PP são homens e o PAN tem Inês de Sousa Real como deputada única.

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