Duarte da Costa: “O sistema que temos garante segurança e capacidade de lidar com dias de calor extremo”
Nos últimos dias temos tido notícias de exonerações da alta administração pública. A ministra da Administração Interna já lhe disse que conta consigo e apresentou-lhe um caderno de encargos?
Já fui recebido pela tutela, há cerca de três semanas. O meu cargo está sempre à disposição. Não estou preso ao meu cargo, estou sim preso a uma missão que tenho muita honra de desempenhar.
A conversa que tive com a tutela foi extremamente agradável e não se pôs sequer a situação de continuar ou não. Espero, como tinha da tutela anterior, continuar a ter a confiança da tutela política.
Mudou alguma coisa na sua carta de missão ou a Sra. Ministra desviou algum dos objetivos que tinham sido definidos pelo anterior Governo?
Não, relativamente à carta de missão, consegui passar a mensagem que todos os objetivos que tinha na Proteção Civil me parecem válidos e pedi a sua continuidade podermos dar segurança aos portugueses.
Nessa perspetiva ainda não há uma mudança na alteração. No fundo, o que aqui interessa é que o produto final que consigamos traduzir para os portugueses seja cada vez melhor e se este ano está bem e se o ano passado esteve bem, para o ano queremos ainda que esteja melhor.
Portanto, não houve alteração nos meios que estarão disponíveis?
Não há grandes alterações. Chegámos a um dispositivo de resposta, em relação aos incêndios rurais, que é um dispositivo estável e robusto, que resulta de vários melhoramentos que fizemos desde 2018.
Tem provas dadas. Mais uma, duas, 10 viaturas, menos cem pessoas, para mim isso não é relevante. Da mesma forma que não é relevante dizer que as temperaturas médias agora estão mais altas, estão a subir meio grau por ano. Isso para mim não é o problema.
O problema é quando dentro de um determinado período, 10, 15 dias, um período de temperaturas muito elevadas e muito seco. Esse é que é verdadeiramente o problema que atualmente as mudanças climáticas trazem para o sistema.
Mas sobre os meios havia, pelo menos houve no ano passado, um problema que era o mercado não tinha disponíveis alguns dos meios que eram necessários para o contingente que estava definido. Mantém-se esse problema?
O mercado continua com problemas. Não nos podemos esquecer que temos na frente leste europeia uma guerra que inviabiliza um conjunto de meios que antigamente estavam no mercado e que agora não estão. Nomeadamente pilotos e capacidade técnica.
Por outro lado, é importante também perceber que atualmente vão para o procurement de meios aéreos não só os países do sul da Europa como antigamente, mas também os países nórdicos.
E o mercado não cresceu em termos de fornecimento de material, cresceu sim em termos de procura. Ora, diz a ciência económica, quando há mais procura e quando há menos meios, os preços não só tornam-se mais elevados, como há necessidade de fazermos os processamentos e os procedimentos cada vez mais cedo.
E aí deixe-me relevar o papel fundamental que o Ministério da Defesa e a Força Aérea Portuguesa (FAP) têm feito nesta parceria conjunta com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).
Posso dizer que no ano passado, nesta altura, estávamos com 68 meios aéreos já contratualizados, este ano já temos 70. No ano passado tínhamos um teto para 72 meios aéreos, este ano ainda temos um teto negocial para 76 meios aéreos.
Os 70 já estão contratualizados e confirmados?
Esses 70 já estão confirmados. Com estes já podemos contar. Lembro que os meios aéreos foram precisamente um dos fatores críticos do sucesso de 2023, termos esta disponibilidade de meios aéreos que nos permitiu, nos incêndios nascentes, ter uma capacidade de descarga de água e de combate muito elevado e que nos deu a campanha mais relevante dos últimos anos da Proteção Civil.
E como é que se adaptaram ou se vão adaptar ao facto de todas as previsões apontarem para que este verão volte a ser muito quente? Há uma projeção de Espanha que diz que há uma probabilidade muito elevada, de 70% a 100%, de que as temperaturas subam muito acima do normal em Portugal. Vão ser situações de novo excecionais. Quais são as medidas excecionais que vocês têm previstas?
Já assistimos a estas medidas excecionais pelo menos desde 2019. Em 2018, quando assumi o Comando Nacional, ainda, digamos, tinha pouca experiência para fazer a correlação de todos estes dados que atualmente estão em cima da mesa.
Se se lembrar da estrutura de resposta que tínhamos em 2018 e 2019 e vir a estrutura de resposta que temos agora, esta agora é muito mais robusta devido a quê? A esses incrementos que temos feito até chegarmos a este valor que atualmente temos, que é um valor que nos parece razoável.
Tem de haver sempre aqui um balanceamento entre a despesa feita e o produto operacional que se gera, porque senão eu diria que queria ter 300 meios aéreos e queria ter 300 mil bombeiros. Não é isso que é possível, primeiro porque não os há e segundo porque temos de trabalhar com aquilo que é um recurso escasso, que é um recurso financeiro.
Como gestor público, aquilo que me é exigido é que seja extremamente rigoroso na forma como gasto o dinheiro público, aliás, mais rigoroso do que gasto o meu próprio dinheiro. Nessa perspetiva, aquilo que temos feito, principalmente desde 2019 até agora, redundam neste dispositivo que é estável.
Relativamente ao aumento das temperaturas, é uma situação que temos verificado. Aliás, 2023 foi o ano mais quente dos últimos anos e não invalidou a campanha que tivemos, que foi uma campanha com grande sucesso e com grandes resultados.
Mas o sucesso não advém das temperaturas, o sucesso advém do trabalho de prevenção que foi feito. Aliás, se me perguntassem a quem é que daria os parabéns pela campanha de 2023, eu diria ao povo português, unicamente.
Pela primeira vez foi atingido uma relação de orçamento de 60% para a prevenção e 40% para o combate, o que foi um feito inédito...
Em 2018, o orçamento para o combate era 80% e para a prevenção eram 20%. Conseguimos o break-even em 2022 com 50%. E em 2023 já conseguimos ter, sem diminuir nunca o orçamento do combate, isto é importante que se diga, sem diminuir o orçamento.
Há um aumento, mas este aumento também não pode ser eterno. Por isso é que digo, o sistema que temos é um sistema que me garante resposta, segurança e capacidade de lidarmos, mesmo com esses dias mais extremos de calor. Não me preocupa que a temperatura média de 2024 venha a ser um grau e meio superior, por exemplo, a 2023.
Isso não muda o que está planeado neste momento?
Não. O que me preocupa é que nesse período do verão haja períodos de 10 e 12 dias com a temperatura muito alta e com um grande regime de seca. E aí é que o sistema entra em stress.
Mas conseguem prever isso?
É uma previsão que conseguimos fazer com dois ou três dias de antecedência, com a ajuda do IPMA.
Mas isso permite colocar dispositivo nas zonas que são de maior risco, não é?
Permite fazer os pré-posicionamentos com a análise das cartas de risco e das situações de risco que nos são propostas pelo IPMA.
Aliás, o IPMA, desde 2018, é um parceiro relevantíssimo. Falo 2018, mais uma vez, porque é o que eu conheço, o anterior só conheço por relatórios que li. O IPMA tem sido um parceiro relevantíssimo para o nosso trabalho operacional e que nos permite, com antecedência de normalmente três dias, sabermos quais vão ser os dias de maior stress meteorológico para conseguimos fazer pré-posicionamentos e percebermos que, mesmo que isso tudo esteja feito, ainda dependemos daquilo que é o trabalho da prevenção e do abaixamento do número de ocorrências. Que aí é que está a solução.
Pode dar alguns exemplos do que é que mudou na prática com o facto de termos os 60% de investimento para a prevenção?
Temos mais campanhas de sensibilização, que é um dos pontos que muitas vezes as pessoas se esquecem. Temos uma campanha muito mais próxima dos cidadãos, quer que o Portugal Chama, quer com outras campanhas feitas a nível municipal. Uma maior integração do trabalho com as câmaras municipais e das suas coordenações municipais de proteção civil.
O trabalho dos municípios é relevantíssimo. Também a limpeza dos terrenos tem sido feita com muito maior capacidade, quer por parte das autarquias, quer por parte das soluções que as próprias autarquias e as entidades oficiais arranjam para aqueles populares e para aquelas pessoas que não tenham capacidade financeira de limpar.
Por isso é que digo que todos os agentes de proteção civil têm de trabalhar também na prevenção, não é só no combate e quando digo todos, são todos mesmo. Temos de fazer o nosso trabalho na prevenção.
Temos as equipas multidisciplinares de comando para a prevenção de eventos extremos com um índice de complexidade muito elevado e temos duas equipas destas preparadas e treinadas para atuar em caso de necessidade, que o ano passado precisámos de utilizar no incêndio de Odemira e que deu um excelente resultado.
Aumentámos em muito as capacitações de treino direcionadas para os incêndios rurais. A Escola Nacional de Bombeiros (ENB)e as próprias associações, através da formação descentralizada através das Unidades Locais de Formação, conseguiram dar a formação especializada em incêndios rurais a mais de 1100 bombeiros.
Isto além de todo o trabalho que a Escola Nacional de Bombeiros (ENB)faz com a sua perspetiva de treino, quer para o início da carreira de bombeiros, quer no aperfeiçoamento, onde levaram a cabo a formação, desde o ano passado, de mais 22 500 bombeiros, de onde 9500 bombeiros foi só para aperfeiçoamento para as várias áreas.
Costumo dizer, o sistema não pode crescer indefinidamente relativamente ao número, mas pode melhorar cada vez nas capacidades de resposta e na capacidade que temos de, na cadeia de valor da Proteção Civil intervir antes, que é na prevenção.
E aí a limpeza dos terrenos, com o trabalho que o Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) fez nestes últimos anos com a disponibilização de sistemas de informação e de controlo, que ajudam as próprias câmaras e as pessoas a saber quando é que podem fazer queimas, o que é que precisam, o que é que têm de fazer, também tem redundado num melhor resultado.
E isto para me levar àquilo que queria dizer há bocado e não consegui. Os portugueses assumiram que esta questão dos incêndios rurais é um desígnio nacional. E se nos lembrarmos que a média dos últimos 10 anos apontava para cerca de 14 a 15 mil ocorrências por ano, nós o ano passado não chegámos a ter 8 mil ou andámos muito perto das 8 mil.
O que é que isto verdadeiramente significa? Significa que tive os meios suficientes para acabar com 90% dos incêndios logo no ataque inicial. O que quer dizer que desses 8 mil, apenas 10% é que se podiam transformar em grandes incêndios e apenas tivemos um grande incêndio o ano passado, que foi na região de Odemira.
O que é que isto quer dizer? Quer dizer que melhores forças, melhor treinadas, melhor comandadas, mais coordenação. Vamos aprendendo. Acho que não tem sido feita a devida justiça àquilo que o Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais levou a cabo com a questão das lições apreendidas.
Estamos neste momento a introduzir alterações que derivam precisamente daquele princípio de que primeiro vemos o que é que se passou, identificamos as ações e depois tentamos implementar as ações identificadas como futuras lições apreendidas.
Que nos permite também ter melhores resultados. É de toda a justiça relevar que esse sistema também tem produzido conhecimento e tem produzido capacidade de alterarmos as coisas como elas estão.
Para termos a noção aqui da dimensão destes casos, de terem conseguido acabar com um incêndio em 90% dos casos logo no início, tem ideia de quanto é que era esta percentagem em 2017, por exemplo?
Em 2017, a maior parte do ano andou perto dos 88%, mas andava perto dos 90%. Temos conseguido fazer esse trabalho de manter esta proporção de 10%/90% entre o ataque inicial e o ataque ampliado.
Mas há aqui uma diferença. A verdadeira performance não se vê nestes 90%. Foi nos outros 10% que não tiveram a produção de nenhum grande incêndio. E tivemos pelo menos cinco em 2022, um deles com impacto muito grande na Serra da Estrela. E isso também é um indicador da avaliação de performance.
Os meios aéreos são estáveis, promovem 90% do ataque. A triangulação dos bombeiros que permitem estes 90% é um fator estável. O fator que melhorou é que conseguimos ter no ataque ampliado cerca ainda de 800 incêndios e apenas um deles foi maior, que foi o de Odemira.
E esse é que é o verdadeiro valor da indicação de performance. Para mim a meta é 100% no ataque inicial. Reduzir tudo a zero. Sabemos que é impossível, mas há de ser sempre esta a nossa meta.
As emergências climáticas também passam por fenómenos de chuva. Chuva intensa, de ventos fortes, de outro tipo de emergências que causam problemas também. A Proteção Civil está preparada para responder a essa diversidade de emergências?
A Proteção Civil está preparada. O problema é que os portugueses têm de esperar que todas as políticas de urbanismo e de construção e de resiliência urbanística também tenham que ser respeitadas.
Porque não vale a pena dizer que agora houve uma cheia e têm de vir os bombeiros retirar água, salvar pessoas. Enquanto nos incêndios conseguimos fazer proteção e socorro, ou seja, num incêndio fazemos a proteção não deixando arder, retirando as pessoas dessas áreas e depois socorrendo quem necessita.
No caso de uma cheia, a coisa às vezes é mais complicado. Como num caso de sismo. Não há proteção. Há apenas socorro. Porque só depois de se verificar essa questão é que vamos socorrer as pessoas ou então vamos tirá-las preventivamente dessas zonas.
Mas o que é que provoca as inundações a que temos assistido, por exemplo, nas zonas mais ribeirinhas das cidades? É apenas um incremento da chuva e das condições climáticas ou é também a conjugação disso com má construção, construção em leitos de cheia, uma política urbanística dos anos 80 e dos anos 70 que não teve atenção a essas questões e que agora estamos todos a pagar.
A Proteção Civil tem umas costas muito largas e estamos cá para proteger fundamentalmente os cidadãos. Mas também temos de alertar, e fazemo-lo através da nossa tutela política e sobretudo pelas câmaras, de que há muito trabalho relativamente à implantação urbanística, daquilo que são os planos para a construção e aonde é que se constrói, o que é que é possível construir, que materiais é que devem ser utilizados e até que ponto as próprias construções estão adaptadas a situações onde possam ocorrer cheias.
Como por exemplo assistimos todos, não é preciso citar os lugares, das garagens que ficaram inundadas porque as garagens estavam abaixo do nível das águas do rio, por exemplo.
É óbvio que é um melting pot perfeito para que a coisa corra mal.
Já chegou ao pé de algum autarca e disse que se calhar não era má ideia deitar abaixo aquele prédio porque senão vai acontecer uma desgraça?
Não, nunca disse por uma simples razão. Respeito muito a separação dos poderes e a separação das responsabilidades. Também não sou o salvador, sou apenas um soldado de uma grande equipa que trabalha na proteção civil.
Mas é óbvio que tento alertar através de todas as minhas estruturas aquilo que, pelo menos, se não consigo mudar o que já foi feito, para que no futuro não haja esse tipo de construção. E falamos e inclusivamente já falei com vários autarcas nesse sentido.
Não tive nunca nem a veleidade nem a coragem de dizer que se deve deitar abaixo. É uma responsabilidade do poder autárquico, de quem tem a relevância no seu município. Não nos podemos esquecer que esqueça-se quem pense em proteção civil sem autarquias.
Aliás, o primeiro nível de atuação da proteção civil é o nível municipal, através das suas coordenações municipais de proteção civil. E mais ainda, 90% das ocorrências, de todas elas, são resolvidas, e são cerca de 1 milhão e 500 mil por ano, envolvendo várias áreas, até da própria emergência, são resolvidas ao nível local.
Portanto, há um grande trabalho dos autarcas. Agora, também temos de olhar para aquilo que foi feito, por exemplo nos anos 70, com a construção desenfreada em determinadas zonas, que agora estamos a sofrer os efeitos.
Portanto, quem é que tem de responder? A Proteção Civil, conjuntamente com os serviços municipais de proteção civil, e tentarmos fazer o melhor possível para proteger as pessoas e socorrer as pessoas. Se bem que aqui a proteção é sempre muito mais difícil.
Há verbas e financiamentos disponíveis do Fundo de Coesão, nomeadamente o Programa Sustentável 2030, que disponibiliza três mil milhões de euros para o projeto de adaptação às alterações climáticas, que incluem, entre outros, a prevenção dos riscos e a resiliência a catástrofes. A ANEPC está a aproveitar esses financiamentos?
O aproveitamento destes financiamentos não cabe à ANEPC, como não cabe aos vários subsetores do Estado. Cabe-nos a nós fazer um planeamento do que precisamos.
Por exemplo, para esses fundos, inclusivamente para outros, apresentamos um conjunto de necessidades que gostaríamos de ver mais alavancadas no plano financeiro, mas depois é nos atribuído pelo Governo uma determinada fatia de todos esses programas que concorrem, não só para a proteção civil, mas também para as autarquias e para as associações de municípios.
Mas qual é a vossa fatia?
A nossa fatia, por exemplo no PRR, que é um valor muito expressivo, foi de apenas 33 milhões de euros. É óbvio que a Proteção Civil aspirava a muito mais.
Esses 33 milhões para várias áreas permitiu-nos fazer um contrato de programa para 81 viaturas para os bombeiros. Ora, havendo no país cerce de 460 corpos de bombeiros, se calhar gostaria de ter um programa que me tivesse dado financiamento para levar a cabo essa entrega para todos.
Não foi assim entendido. Mas também não posso ter uma visão egocêntrica do sistema em que tudo tem de assentar na Proteção Civil. Algumas dessas verbas são também para a resiliência ambiental, para a eficiência energética, que também concorrem para a sustentabilidade. Agora se me perguntam se gostava de ter mais recursos, claro que gostava.
Mas também precisa de mais pessoas. António Nunes, Presidente da Liga dos Bombeiros, dizia há dias ao DN que faltam bombeiros onde eles são cada vez mais precisos. Consegue dar algum tipo de contributo para inverter esta tendência?
A questão da falta de voluntários, é falada há muito tempo. Toda a gente fala no voluntariado, mas numa perspetiva muito setorial. É o voluntariado para os bombeiros, é o voluntariado para as Forças de Segurança, é o voluntariado para as Forças Armadas.
A questão do voluntariado tem de ser encarada como uma complexidade nacional e haver políticas de Estado para a questão do voluntariado. Se calhar, valeria a pena pensarmos num pacote articulado entre, por exemplo, a Defesa e a Administração Interna.
De que modos? Se temos falta de voluntários, quer nos bombeiros, quer nas Forças Armadas, porque é que não vamos permitir que aquelas pessoas, aquelas mulheres e aqueles homens que entram para os bombeiros com 16, 17, 18 anos e que fazem o curso, a seguir têm preferência para concorrer aos programas de voluntariado e contrato das Forças Armadas?
Assumindo que aceitamos a que estes elementos que vêm dos bombeiros para prestar serviço nas Forças Armadas, só lhes damos formação na área da proteção civil. Condutores e operadores de máquinas de construção, condutores de ambulâncias, primeiros socorros, comunicações de emergência, logística... No fim de cumprirem X anos, têm um regresso assegurado e com concurso preferencial para integrar corpos profissionais da proteção civil. Por exemplo, é uma ideia.
As Forças Armadas têm capacidade de dar essa formação, e depois as pessoas regressam à sociedade civil, enriquecidas na sua área da proteção civil e com garantias de poder concorrer a concurso, preferencialmente para corpos de bombeiros profissionais, corpos de bombeiros municipais, integrar equipas profissionais dentro dos corpos de bombeiros voluntários.
Sou um defensor acérrimo do voluntariado. O voluntariado tem sido a solução que há 600 anos tem dado de grande segurança aos portugueses. E é bom que todos tenhamos em mente que os nossos bombeiros voluntários não perdem tecnicamente para nenhum bombeiro profissional.
O que temos de arranjar é uma perspetiva de carreira, uma perspetiva de integração e compensação. Mas ainda relativamente à questão do voluntariado, outra questão importante que temos de ver é também até que ponto a escola não pode fazer aqui um papel naquilo que é o distanciamento a que cada vez assisto mais entre a pessoa individual e a pessoa comunitária.
E voltamos à prevenção, não é?
Exatamente. O termo é haver uma prevenção cívica que aproxime os cidadãos da comunidade e do seu trabalho cívico, do trabalho de voluntariado. Por exemplo, ainda hoje em conversa me diziam que a Universidade de Harvard, se não me engano, dentro daquilo que é a entrevista que faz para os seus alunos, uma das perguntas que fazem é se os jovens já fizeram projetos de voluntariado.
Nós estamos completamente longe dessa realidade. Portanto, temos de pensar fora da caixa, isto é apenas uma achega para uma discussão mais alargada, com gente que consiga despir-se das estruturas corporativas a que pertencem e discutir fundamentalmente o bem-estar e a segurança dos portugueses.
Se os bombeiros são o maior exército da proteção civil, não fazia sentido que tivessem um comando próprio como a GNR ou a PSP?
Mas os bombeiros têm um comando próprio. Não é por repetirmos um conjunto de frases que possam soar bem que isso passa a ser uma verdade, porque não é. A lei determina que há uma estratificação e uma estruturação das capacidades de coordenação da ANEPC com os diversos graus hierárquicos ou autoridades conferidas.
Por isso é que é uma autoridade. Não se pode simplificar tudo a falar em comando. Não é verdade. Por exemplo, a autoridade só tem comando completo sobre a Força Especial de Proteção Civil, que é a sua orgânica. Mas tenho forças da GNR, do Exército, corpos de bombeiros.
Nos corpos de bombeiros, a lei só me concede comando operacional. Da GNR só tenho controle operacional. Ou, neste caso, o Comandante Nacional tem controle operacional. Para certas forças que me são atribuídas do INEM, nem controle operacional tenho.
Mas a GNR tem um comandante-geral...
Pois tem. E onde é que iria estar esse comandante-geral dos bombeiros? Pois, não há, não foi criado. Neste momento, os bombeiros voluntários ainda não estão organizados para que haja um comando efetivo de bombeiros.
É uma discussão política, não depende do presidente da ANEPC ou de outros interlocutores que na praça pública tenham as suas bandeiras.
Mas não é uma pedra na engrenagem? Isso não dificulta o próprio planeamento e o próprio lidar com a operação?
Neste momento, não. Não sinto dificuldade nenhuma. Estou no sistema há seis anos, não sei como é que era anteriormente, não sei o que é que vai ser o futuro.
Nós cingimo-nos àquilo que a lei determina, que é ter a tutela operacional sobre os corpos de bombeiros. Nessa situação, falamos sempre com as associações humanitárias, que são os verdadeiros detentores, mas fazemo-lo sem intermediários.
Porque é aquilo que temos de fazer, falar com as associações. Claro que é sempre de bom tom e incluímos sempre nessas discussões, naquelas que são relevantes para a própria questão operacional, a Liga de Bombeiros, as federações, mas a negociação formal é feita com as próprias associações com quem estabelecemos protocolos.
E a tutela operacional é com os corpos de bombeiros, mais nada. Altere-se a lei, crie-se uma estrutura, mas aquilo que pergunto sempre é: uma estrutura onde? Vai-se criar a estrutura no mundo dos bombeiros? Vai-se criar a estrutura dentro da Liga? Vai-se criar a estrutura dentro da Autoridade?
Tenho um projeto, que aliás já o passei ao anterior governo, também já o passei a este governo, já falei com o Presidente da Liga, tenho dito sempre em cerimónias públicas, temos de passar o comando dos bombeiros por bombeiros, que é uma frase que soa muito bem.
É o que se passa nesta altura, porque 95% da minha estrutura vem oriunda de bombeiros. Aliás, atualmente a lei obriga-me que a maior parte deles venham oriundos de bombeiros, e bem.
A questão que se prende com as operações é que 90% das operações no terreno são comandadas por bombeiros dos corpos de bombeiros. Quando se fala num comando único é: mas quem é que fica responsável pelo comando único?
Consigo numa situação orgânica de uma entidade como o Exército, como a GNR, como a INEM, reconhecer uma estrutura que é paga pelos contribuintes e que é assumida pelos contribuintes. Onde é que essa estrutura está? Não está.
Mas também não vale a pena criticar, porque temos de conhecer a nossa história. Os bombeiros são uma força relevantíssima e que têm quase 600 anos no nosso país, derivam de uma característica histórica de Portugal.
É que não tivemos feudalismo. E como não tivemos feudalismo, o que é que isso obrigou as populações a fazer? A auto-organizarem-se para a sua própria proteção? Não havia o senhor feudal que as protegia e tiveram de se organizar.
E temos de relevar isso como o fator mais importante daquele trabalho comunitário, que é um trabalho fantástico, feito pelos bombeiros voluntários. E mais, é único no mundo.
Aliás, o antigo presidente da Liga Jaime Marta Soares está sempre a dizer que este é o único sistema e é o melhor do mundo. E tendo a concordar com ele, porque é um sistema que permite que a própria entidade, comunidade, povo, se organize para a sua defesa.
O que é que discuto? Não é a existência dos bombeiros voluntários. Não. Uma das decisões que tomei, com orientações da minha tutela, quer do governo anterior, quer do atual, é não permitir a abertura de novos corpos de bombeiros. Porque quando se diz que isso é uma emanação do povo e não podemos impedir, até certa parte, é verdade.
A criação de uma associação depende exclusivamente daquilo que é a organização de cidadãos, desde que não gerem um corpo de bombeiros que depois é subsidiado pelo Estado para sobreviver.
E continuo a dizer, temos cerca de 460 corpos de bombeiros. Se calhar está na altura de nos sentarmos todos à mesa. A Liga, as federações, a ANEPC, o poder político, os stakeholders relevantes, o poder municipal e dizer que sistema de bombeiros é que queremos ter.
Mas ainda vou mais longe: que sistema de Proteção Civil é que queremos ter. Porque no futuro, aquilo que defendo é, dentro da estrutura voluntária, criar fenómenos de profissionalização, formação superior, média ou de base.
São estes elementos que sobem ao longo da carreira e que acabam por ocupar todos os lugares dentro da proteção civil. Aliás, já discutimos isso várias vezes noutros fóruns.
Daqui a 20 anos, ou daqui a 25 anos, termos um primeiro general bombeiro que seja o presidente da ANEPC. Acho que era um sonho bonito. Agora, não é para as pessoas da minha idade, nem para os atuais bombeiros, são para aqueles que têm agora 15, 16, 17 anos, se começarmos a trabalhar agora numa solução de futuro.
É mais um pensamento fora da caixa, que vale a pena discutir antes de tomarmos decisões sem estarmos suficientemente estribados naquilo que é o que o povo português quer.
Estamos confrontados com uma guerra na Europa e há uma competência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil que tem a ver com as nossas reservas a vários níveis. Esse trabalho está feito? Em que ponto é que estamos nas diversas áreas?
Tivemos muito que acelerar todo o processo do planeamento civil de emergência. O planeamento civil de emergência migrou durante anos entre estruturas, entre tutelas e chegou-se à conclusão de que na ANEPC era a melhor entidade para ficar e criou-se uma estrutura chamada Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, que engloba um Sistema Nacional de Planeamento Civil e que, bem, passa a ter relevância de todas as áreas governativas, dos transportes marítimos, aéreos, terrestres, da alimentação, da água e de resíduos, da energia e das comunicações.
Trabalhamos o propósito de fazer planos, identificar estruturas e metê-las ao serviço do Estado português. Trabalho muito com o Sr. Embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), até porque a própria transposição da Diretiva Europeia de Resiliência foi traduzida em conjunto, porque preparamos o planeamento e depois entregamos esse planeamento ao SSI, para depois o secretário-geral, dentro das suas competências, gerir a crise.
Este é o modelo. O que é que temos feito? Além do levantamento de todas as comissões e de todo o trabalho, estamos neste momento no processo de contratação de uma empresa para fazer uma análise multicritérios das infraestruturas críticas.
E agora perguntam-me assim, mas porquê uma empresa de uma análise multicritérios? É porque se não é tudo crítico. Se eu perguntar a cada área governativa quais são as suas infraestruturas críticas, cada uma das áreas governativas faz-me um cardápio de 100 ou 200 infraestruturas críticas.
Mas a definição de infraestruturas críticas são aquelas infraestruturas cuja rutura ou paragem pode pôr em causa o funcionamento do país ou de uma região... Isso está definido há anos...
Mas antigamente estavam só indexadas aos transportes e às comunicações e atualmente já indexam mais áreas. Ainda há transportes das três áreas, terrestres, aquáticas e aéreas, comunicação, alimentação, resíduos, água.
Mas há um critério para cada uma?
Não, o critério é lato e é geral e, portanto, temos de verificar e temos que fazer uma análise multicritérios de acordo com aquilo que são feitos pelos nossos parceiros nos outros países para saber o que é verdadeiramente crítico. O que é que é verdadeiramente crítico? É uma Estação Nacional de Tratamento de Água ou são as cinco estações regionais?
Estão a definir o critério ou já definiram e estão a identificar?
Esta análise multicritérios é para identificar porque em 2025 vou ter de entregar essa identificação ao SSI para fazer os seus planos de defesa. É óbvio que a guerra veio acelerar esta questão.
Aliás, lembramos que há uns tempos atrás o que era muito importante na NATO era o Comité Militar e hoje em dia há um Comité de Resiliência no qual tem acesso um elemento político designado pelo primeiro-ministro no Comité de Resiliência, acompanhado pelo presidente do Planeamento Civil de Emergência, que é também o Presidente da ANEPC e por inerência Presidente do Planeamento Civil de Emergência.
Tivemos de começar a acelerar o trabalho, não tanto na identificação das infraestruturas críticas e de um fenómeno alargado do que é o Planeamento Civil de Emergência, mas na capacidade que o Estado tem, porque isto sim é um requisito da NATO, de apoiar forças militares internas ou externas na condução de uma grande operação militar.
Aliás, na última reunião de Policy Directors que tivemos, quando cheguei, a primeira pessoa que chamei foi o representante na área do Estado-Maior General das Forças Armadas para lhe dizer que a NATO está a exigir neste momento aquilo que são minimum opperational requirements, portanto, estruturas mínimas de apoio para apoiar operações militares.
Portanto, precisamos de nos reunir e ver o que é que temos para apresentar à NATO, se bem que toda esta questão, a própria NATO apresenta como prazos 2026 ou 2027, mas temos de fazer o nosso trabalho de casa.
Creio que eram cerca de nove dezenas de infraestruturas críticas que já tinham sido identificadas anteriormente e cujos planos de emergência e de segurança estavam a ser feitos no âmbito do SSI. Esses estão feitos?
Esses estão feitos. O que não quer dizer que não tenham de ser adaptados para os novos requisitos operacionais que são definidos em termos internacionais até na transposição da diretiva.
E aqui, por exemplo, é uma das questões relevantes que gostaria aqui de falar. Estive numa reunião em Fevereiro, se não me engano, que foi diretamente com o Sr. Secretário-Geral da NATO. Representantes dos vários países, entre os quais me incluí e o Sr. Secretário-Geral da NATO, assinalaram que de uma vez por todas tem de se ressaltar bem um grau elevado de coordenação entre a NATO e a União Europeia.
Porque quando a NATO nos faz recomendações, a União Europeia difunde diretivas que têm de ser transportas para a legislação nacional. Está agora a haver e tem havido, quer no fim de 2023, e já agora em 2024, um coordenar entre as ações com um grupo de coordenação entre a União Europeia e a NATO, precisamente, para que produzamos todos a mesma estrutura e não tenhamos de estar a duplicar, porque os recursos são escassos e nenhum país é rico que os possa duplicar para dar resposta aos requisitos de resiliência da NATO e aos requisitos de resiliência da União Europeia. Há muita coisa para fazer, claro que há.
Aliás, o mundo da proteção civil e do planeamento civil de emergência é um mundo que não tem fim. Tem sempre muita coisa para fazer. Mas estamos a trabalhar e estamos a trabalhar com tudo aquilo que nos é possível fazer para conseguirmos, no fim da linha, em caso de necessidade, termos um país também mais resiliente, com fatores de resiliência, que inclua todas as áreas governativas.
E esse é o grande passo que demos desde o sistema anterior. É que agora incluímos mesmo todas as áreas governativas e todas as infraestruturas de todas as áreas governativas.