Pedro Nuno Santos (líder do PS) e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, no dia do primeiro acordo PS-PSD: a eleição do presidente da Assembleia da República.
Pedro Nuno Santos (líder do PS) e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, no dia do primeiro acordo PS-PSD: a eleição do presidente da Assembleia da República.Álvaro Isidoro / Global Imagens

Dos “consensos” de Montenegro às propostas dos partidos sobre corrupção

O primeiro-ministro continua na senda dos entendimentos com as forças políticas, mas tendo de gerir a relação com o PS e com o Chega. Sobre o combate à corrupção, o hemiciclo parece alinhado, mas com muito para discutir.
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Montenegro disse-o na tomada de posse: o combate à corrupção tem de ser “nacional”, “mobilizar todos”, cujo contributo “é essencial”. Anunciou depois que Rita Júdice, ministra da Justiça, será a interlocutora junto dos partidos para encetar um diálogo alargado sobre o tema. O objetivo é procurar alcançar algo importante: “Consensos numa área crucial.”

E, olhando para os programas eleitorais, o tema é transversal. Ainda que com perspetivas diferentes. Há quem defenda que se devem confiscar bens ilícitos, quem diga que “a corrupção mina os valores da transparência” ou, até, quem fale em corrupção como o resultado de uma série de problemas.

Começando pelo programa vencedor, o da Aliança Democrática (AD), há toda uma secção dedicada à corrupção. De todos os oito programas é, mesmo, o que mais vezes refere a palavra (38).

Entre outras medidas, o programa - que, presumivelmente, se tornará no do Governo - defende uma “reforma institucional das entidades públicas especializadas na transparência e na prevenção de corrupção: o Mecanismo Nacional Anti-Corrupção (MENAC), a Entidade da Transparência e a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos”. Pedem, também, que haja um reforço das “regras de transparência, controlo dos conflitos de interesses, incompatibilidades e de impedimentos dos titulares de cargos políticos”. Focando-se também nos partidos, a AD propõe passar a abrangê-los pelas “normas anticorrupção”, o que os obrigaria a implementar “planos de prevenção de riscos, códigos de conduta, designação de um responsável de cumprimento normativo e canais de denúncia internos, bem como existência de formação interna nestas matérias”.

Em matéria penal, é também defendido um aumento das penas para os crimes ligados à corrupção.

À esquerda, o Bloco tem, também, várias medidas de combate e prevenção à corrupção. O partido liderado por Mariana Mortágua olha para a corrupção como resultado, em parte, da “opacidade”. “Combater a corrupção exige a criminalização do enriquecimento injustificado e o seu confisco”, escrevem os bloquistas na sua manifestação de intenções, onde usam “corrupção” em 12 vezes.

Sobre medidas, há praticamente uma dezena. Entre as quais: “Criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens obtidos dessa forma”, a “fiscalização do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e dos altos cargos do Estado por uma Entidade para a Transparência”, ou, ainda, o “reforço dos meios e pessoal da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia Judiciária afetos ao combate à evasão fiscal e à criminalidade económico-financeira”.

Também à esquerda, o Livre fala no tema 19 vezes, em passagens como “a incerteza e a morosidade da justiça penal contribuem hoje para um sentimento de impunidade na prática de crimes públicos, como a corrupção”, “é necessário lutar inequivocamente contra a corrupção” ou “o combate e a prevenção da corrupção assumem hoje um fator essencial para o desenvolvimento económico, social e político do país”. Medidas propriamente ditas, o partido de Rui Tavares quer, entre outras, criar “uma agência pública independente que centralize as funções do Mecanismo Nacional Anticorrupção, da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos e da Entidade para a Transparência” ou ainda “criar tribunais especializados em corrupção e criminalidade económico-financeira e garantir aos magistrados formação especializada em corrupção”. Apesar das perspetivas distintas, a transparência parece ser um dos tais “consensos” pedidos por Montenegro.

Mas há um outro tema omnipresente em todos: a regulamentação do lobbying - que consiste em pressões feitas por um determinado grupo ou indivíduo a favor dos seus interesses - é geralmente associada a crimes de corrupção e tráfico de influência. O tema já esteve na agenda parlamentar por várias vezes, mas nunca chegou a lei. Na última legislatura, os projetos do PS, PSD, IL e PAN chegaram a ser aprovados (ainda que com diferentes votações) e seguiram para a especialidade. Mas com a dissolução do Parlamento voltou tudo à estaca zero.

Braço de ferro do lobby

O Chega, no programa eleitoral que levou às mais recentes eleições legislativas, no capítulo dedicado à corrupção diz que o partido “pode e deve fazer a diferença”. Por isso, a prever um paradoxo com esta afirmação, no mesmo documento o partido deixou um aviso: “É previsível que todos os partidos políticos se apresentem a estas eleições içando a bandeira do combate à corrupção.”

Como resposta velada a esta ideia e depois de anunciar que o Governo já mandatou a ministra da Justiça para falar com todos os partidos, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, no final do primeiro Conselho de Ministros desta legislatura, justificou: “Ninguém tem o monopólio das melhores soluções.”

Com uma análise dos programas de todos os partidos, esta ideia parece encontrar eco nas palavras de Leitão Amaro, esvaziando o Chega do monopólio do combate à corrupção e da tentativa de ser diferente de todas as outras forças políticas.

A coroar tudo o que os partidos dizem sobre o tema, entre medidas concretas que passam pelo reforço de meios para a Polícia Judiciária ou o Ministério Público, surge o próprio Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), avançado pelo PS, com foco no artigo 215.º. O documento prevê o “reforço do combate à corrupção, fraude e criminalidade económico-financeira” e, a limite, até obriga o atual Governo a criar “um grupo de trabalho para a elaboração de uma proposta de Estratégia Nacional Anticorrupção 2025-2028, composto por personalidades de reconhecido mérito, que deve ser aprovada até 31 de dezembro de 2024”.

Porém, o PAN foi um dos proponentes deste conjunto de medidas que ficou inscrito no OE2024, como explicou ao DN a deputada única do partido, Inês de Sousa Real. “Para além da criação do grupo de trabalho, ficou também aprovada em Orçamento de Estado a apresentação do relatório relativamente à Estratégia que termina agora em 2024, precisamente para que seja tornado público esse relatório [de monitorização da execução da Estratégia Nacional Anti-Corrupção 2020-2024] e para que seja envolvido, para além da parte política, a sociedade civil”, explicou Inês de Sousa Real, antes de lembrar que a regulamentação do lobbying foi travada pelo PSD no início deste ano.

“Foi pedido um direito potestativo dos partidos e o PSD lançou mão desse direito, adiando e impedindo assim que, nesta legislatura que terminou, se votasse a regulamentação da lei do lobbying”, continua a deputada. “Portanto, se queremos ser consequentes naquilo que é a prevenção da corrupção, teria passado por aprovar esta proposta que estava em cima da mesa e que era uma proposta conjunto do PAN e do PS”, adianta Inês de Sousa Real, mantendo a esperança de “que agora na próxima legislatura volte a haver condições para que se consiga fazer avanços nessa matéria”.

Também o deputado socialista Eurico Brilhante Dias confirmou ao DN que o PSD recusou avançar com este tema. “Eles [sociais-democratas], com o adiamento, boicotaram a possibilidade de termos um texto de conjunto de regulamentação do lobby”, disse, acrescentando que o objetivo do PS era avançar com “uma lei que no fundo criasse regras claras e que viesse a regular a atividade para que a atividade não fosse clandestina que existe sob a capa de outras coisas”.

Mas o PSD, sob a forma de Aliança Democrática (AD), não se esqueceu de inscrever este tema no seu programa eleitoral, dentro do capítulo dedicado à corrupção, apesar de o ter travado no passado recente e de agora andar à caça de consensos.

A coligação entre PSD, CDS e PPM, no documento, prevê “regulamentar o lobbying, definindo os conceitos, os princípios, os procedimentos, e as sanções aplicáveis à atividade de influência junto dos decisores públicos, e criando um registo obrigatório e público de lobistas e de entidades representadas”.

Com Vítor Moita Cordeiro

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