"Direita resolveu num ano um problema de 40 anos à esquerda"
A convenção do MEL deixou claro que "não há cercas sanitárias à direita" e que há "disponibilidade para um caminho em conjunto". Mas, mesmo com novos partidos, a direita tem pela frente o desafio de saltar dos mínimos históricos de 2019 para bater não apenas o PS, como foi regra historicamente, mas os socialistas e a sua esquerda.
A convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL), o chamado congresso das direitas, deixou claro que "não há cercas sanitárias à direita". Para António Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, essa é a principal conclusão a tirar do encontro: as eventuais dúvidas sobre o cenário de compromisso à direita com vista a uma solução de governo ficaram esclarecidas nestes dois dias.
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"Existiram barreiras severas à esquerda, entre o PCP e o PS, entre o BE e o PS, mas isso nunca aconteceu na representação política à direita entre o CDS e o PSD. A incógnita que paira há um ano sobre a vida política portuguesa é o Chega. E a mensagem que é dada pelo grande partido de centro-direita é que não existe nenhuma cerca sanitária a esse partido", diz o politólogo, sublinhando que, deste ponto de vista, "num ano, à direita, resolveu-se um problema de quase 40 anos para a esquerda". Para Costa Pinto, esta III convenção do MEL "foi importante do ponto de vista dos dirigentes políticos testarem o pulsar de segmentos da elite de direita em Portugal. Sob esse ponto de vista o encontro foi um sucesso. Todos os dirigentes políticos de todos os partidos de direita estiveram ali presentes, coisa que nunca aconteceu à esquerda".
E se é certo que, de João Cotrim Figueiredo a André Ventura, passando por Francisco Rodrigues dos Santos, as intervenções dos líderes dos partidos mais pequenos foram muito críticas em relação ao líder do maior partido da oposição, Rui Rio, Costa Pinto diz que isso é "absolutamente natural": "A reorganização partidária que está em curso dá-se à direita do PSD. Estamos a falar de segmentos importantes, mas que neste momento têm, formalmente, uma representação ainda muito minoritária, de 1,5% cada. CDS inclusive". Ou seja, que estão a lutar pelo seu espaço, e que tenderão, aliás, a acentuar esta tendência com o aproximar das eleições legislativas.
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Paula do Espírito Santo, investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, também sublinha que o encontro serviu para "projetar uma imagem para o espaço público de que a direita tem identidades diversas, mas que poderá também ter uma matriz comum, que a une, na medida e que é possível sentar no mesmo espaço líderes que são muito distantes, que vão da extrema-direita a uma direita moderada". "Há disponibilidade e vontade para um caminho que pode ser pensado em conjunto", resume.
Para a docente do ISCSP a direita "está num momento crítico, de muita indefinição, novas interpretações". Estamos perante um "debate sobre o que é que a direita pode ser", mas "se isto significa um crescimento e uma inversão de ciclo descendente, num futuro próximo ou a médio prazo, aí já há muitas dúvidas"
António Costa Pinto sublinha que "independentemente das crises da relação do PS com os seus parceiros à esquerda, 2015 alterou o panorama eleitoral: ou há maioria à direita ou há maioria à esquerda" e isso ditará quem formará governo. "É assim que vai ser, presumivelmente em 2023, estamos sempre a falar de blocos", uma realidade que se tornou omnipresente na política portuguesa. Mas os números, os eleitorais, o que dizem é que a direita, ainda que contando com mais partidos no Parlamento, enquanto bloco está em mínimos históricos.
As últimas eleições legislativas, em 2019, marcam o ponto mais baixo deste espetro político desde 1976, quer em percentagem de votos, quer em número de deputados eleitos para a Assembleia da República. A 6 de outubro de 2019 a direita conseguiu a novidade de eleger dois novos partidos para o Parlamento, a Iniciativa Liberal e o Chega, mas nem isso salvou os resultados - no total, os quatro partidos conseguiram 34,3% dos votos e 86 deputados, o resultado mais baixo deste bloco em eleições legislativas. São 54 deputados a menos em comparação com as bancadas à esquerda do hemiciclo.
Próximo destes valores só mesmo em 2005, quando José Sócrates conseguiu a primeira (e única) maioria absoluta para o PS, deixando a direita (então PSD e CDS) com 35,9% dos votos e 87 deputados, menos 56 que a esquerda no seu conjunto. E há apenas um outro exemplo de resultados eleitorais que deixaram a direita abaixo da fasquia dos 100 deputados - em 1999, quando António Guterres ganhou pela segunda vez as eleições legislativas, ficando às portas da maioria absoluta (elegeu 115 deputados, exatamente metade do hemiciclo). A direita contava então 96 deputados.
Neste ponto surge o outro lado da questão, que um compromisso à direita não resolve: "no fim manda a lei dos números", lembra Costa Pinto. E as sondagens, mesmo com a Iniciativa Liberal e o Chega em tendência de crescimento, dão este bloco político, na melhor das hipóteses, equiparado aos socialistas. O que não tem como resultado que a direita possa voltar ao poder - "Obriga o PS a fazer acordos à sua esquerda".
"O decisivo vão ser as eleições e a mobilização do eleitorado não passa, fundamentalmente, por nenhum tema que ali esteve em discussão [na convenção do MEL] ", argumenta Costa Pinto, para quem a "direita tem um problema neste momento, que é uma contradição": tem de "explorar uma dinâmica de oposição ao PS, mas um programa liberal até agora nunca deu votos em Portugal, nunca foi um elemento mobilizador".
"A palavra-chave que encontraria aqui, pelo menos no percurso destes últimos dois anos, seria uma indefinição", diz, por seu lado, Paula do Espírito Santo. "Há aqui um território que está a ser conquistado por forças que também são de direita, que estão a ocupar espaço vagos que a direita mais antiga foi deixando. E há a questão de que há um eleitorado que não se identifica com a esquerda, mas que também parece não estar a aderir à direita num sentido que dê uma perspetiva de governação ao maior partido", sublinha.
Mesmo destacando que a esta distância das eleições há intenções e dinâmicas de voto que ainda não estão formadas, ou ainda não são captáveis, a investigadora sublinha que as intenções de voto que as sondagens vão revelando "deixam uma preocupação grande à direita, pelo menos aos partidos mais antigos, tradicionais, e também à direita como um todo, porque objetivamente não estão a ocupar um espaço político, um espaço de alternância democrática que permita aspirarem ao poder".
Para António Costa Pinto, esclarecida a questão quanto a futuros compromissos à direita, ainda sobra um "problema de liderança do centro-direita em Portugal, a partir do PSD". Uma incógnita que ficará resolvida, para as próximas legislativas, nas eleições autárquicas", que ditarão se Rui Rio se mantém ou se cairá perante um mau resultado. E aí "o ponto de interrogação é se Pedro Passos Coelho regressa ou não" - "Temos de esperar para ver o que é que as eleições autárquicas vão dizer sobre a estabilidade interna no PSD".
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