Deputados votam hoje eutanásia. À sexta tentativa será de vez?
Novo articulado da lei estabelece que o suicídio medicamente assistido passa a ser a regra geral. Exceções só serão admitidas para doentes sem autonomia.
As alterações são poucas - mas substantivas. O Parlamento vai discutir e votar hoje mais uma nova versão da lei da morte medicamente assistida, com alterações significativas face ao articulado chumbado em 30 de janeiro passado pelo Tribunal Constitucional (TC). É mais um passo num processo legislativo que começou em 2017 (ver cronologia) e que, desde então, incluiu um chumbo parlamentar da lei, depois quatro aprovações finais, três vetos do Presidente da República (um político e dois constitucionais) e ainda dois chumbos no TC.
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A nova lei corta pela raiz a formulação que levou o TC a dizer no último acórdão que se estava perante "uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei".
Essa "intolerável indefinição" acontecia, no entender dos juízes, porque na tipologia do sofrimento necessário para se ser elegível para uma morte assistida, o diploma dizia que tinha de ser "físico, psicológico e espiritual". Ora, "assim fazendo", o legislador tinha feito "nascer uma dúvida" que teria de "clarificar": "Sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)".
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No comunicado do TC explicativo do acórdão lia-se: "O segmento em análise ("sofrimento físico, psicológico e espiritual") consente que dele se extraiam legitimamente alternativas interpretativas possíveis e plausíveis que conduzem a resultados práticos antagónicos: i) reservar o acesso à morte medicamente assistida apenas a pessoas que, em virtude de lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, relatem um sofrimento de grande intensidade que corresponda cumulativamente às tipologias de sofrimento físico, psicológico e espiritual; ou ii) garantir o acesso à morte medicamente assistida a todas as pessoas que, em consequência de uma das mencionadas situações clínicas, sofram intensamente, seja qual for a tipologia do sofrimento. Em termos práticos, e a título meramente exemplificativo, está em causa saber se um doente a quem tenha sido diagnosticado um cancro com um prognóstico de esperança de vida muito limitada, ou um doente que padeça de esclerose lateral amiotrófica que não tenham sofrimento físico (vulgarmente entendido como dor) têm ou não acesso à morte medicamente assistida não punível."
Os partidos com projetos lei (PS, PAN, BE, IL) chegaram a um entendimento: o tal segmento tipificando o sofrimento como "físico, psicológico e espiritual" seria pura e simplesmente eliminado. Assim, sendo condição necessária para aceder a uma morte assistida padecer de um "sofrimento de grande intensidade", este fica assim definido: "O sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa."
A outra mudança muito significativa - que não decorre do essencial do último acórdão do TC - é a que limita substancialmente a possibilidade de uma eutanásia.
Explicando melhor: estamos perante uma lei que regula a morte medicamente assistida. Que é passível de ser concretizada de duas formas: por eutanásia (quando o médico administra ao doente o fármaco letal); ou por suicídio medicamente assistido (quando o doente se autoadministra o fármaco legal, sob supervisão médica).
O novo articulado diz é que só será possível eutanásia "quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente" (por exemplo, um tetraplégico sujeito a imobilidade total). Dito de outra forma: a morte assistida será sempre, por defeito, realizada com o doente a autoadministrar-se o fármaco letal; só assim não acontecerá quando a ausência de autonomia do doente for total.
Seja como for, continua a reunir-se maioria (PS+IL+BE+PAN) para aprovar o novo articulado (apesar de o Chega querer o adiamento). Depois seguirá para Belém. E aqui Marcelo terá outra vez as opções habituais: ou promulga ou veta politicamente (devolução à AR) ou manda de novo para o Tribunal Constitucional.
Cronologia
21 Fev 2017. Dá entrada o 1º projeto (PAN). Outros se seguiriam. Tudo chumbado em 29 de maio de 2018.
25 Out 2019. Processo recomeça na Assembleia da República (AR). Texto final aprovado em 29 de janeiro de 2021. Presidente da República (PR) manda para o Tribunal Constitucional (TC), que chumba, em Março.
12 Nov 2019. Processo na AR recomeça. Texto final aprovado em 29 de janeiro de 2021. PR volta a recorrer ao TC, que volta a chumbar.
29 Nov 2021. Novo veto do PR (desta vez político), na sequência de nova aprovação na AR.
9 Dez 2022. Nova aprovação na AR. A seguir, Marcelo recorre de novo ao TC, que volta a chumbar (30 de janeiro deste ano). AR tem agora novo texto final, que amanhã será votado.
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