Corrupção. A política e futebol são os maus da fita

Corrupção. A política e futebol são os maus da fita

Partidos, autarquias e Governo são consideradas as entidades mais expostas à corrupção, só ultrapassadas pelos clubes de futebol. O combate ao problema é considerado ineficaz, mas a justiça é poupada. Os principais responsáveis pelo insucesso são os políticos e a sociedade, em geral.
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A corrupção é um dos problemas mais graves do país e impacta diariamente na vida dos cidadãos” - este é o retrato global que nos é dado pelo Eurobarómetro Especial sobre Corrupção (SEB 534, 2023), baseado num estudo executado pela DOMP, S.A. para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que hoje vai ser apresentado na íntegra ao público. Os valores ultrapassam a média europeia: nove em cada dez inquiridos consideram que a corrupção é um problema grave no país (2023 = PT 93%, média UE 70%); um em cada dois inquiridos sente que a corrupção afeta diariamente a sua vida (2023 = PT 54%, média UE 24%).  

A política tem um problema reputacional  - parte substancial da opinião pública considera que atrai pessoas que procuram apenas obter benefícios particulares à custa do bem comum, corrompendo até as pessoas honestas. De acordo com os inquiridos, “todas as esferas da vida social são medianamente corruptas”, sendo as áreas ligadas ao futebol e à política as mais expostas à corrupção, cujo combate  é avaliado como sendo “ineficaz”, com as responsabilidades repartidas, por ordem decrescente, pelo poder político, sociedade civil e poder judicial. De acordo com o relatório, “o fraco desempenho da Justiça no combate à corrupção não resulta da falta de meios, dificuldade de prova ou acusação tendenciosa, mas, sim, de razões de natureza procedimental: megaprocessos e demasiadas possibilidades de recursos”. 

A maioria dos participantes tem uma definição legalista da corrupção, o que poderá levar a excluir o rótulo de um conjunto de comportamentos e práticas legais, mas eticamente censuráveis. Há alguma tolerância a determinados tipos de corrupção política (portas giratórias) e paroquial (cunha) e a outros tipos de comportamentos fraudulentos que não impliquem uma violação da lei, porém a maioria não concorda que, se o resultado de uma ação for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção. Exemplo: contornar regras e procedimentos de contratação pública para adquirir equipamentos médicos ou medicamentos num contexto pandémico; favorecer uma empresa na aprovação de um loteamento que se compromete a oferecer equipamento para um infantário num bairro social.

Futebol e os partidos são os mais expostos

Os autores mediram também a perceção que as pessoas têm sobre a extensão da corrupção em determinados grupos sociais, que é, em parte, “moldada pelos casos que vêm a público, pela forma como são noticiados e pelas narrativas coletivas”. Em média, os participantes acreditam que todas as esferas da vida social avaliadas são “medianamente corruptas”, mas que algumas atividades apresentam mais vulnerabilidades e riscos institucionais.

Neste contexto, em média, a corrupção é tida como mais prevalecente entre o grupo dos políticos, seguido dos empresários, e como mais baixa no grupo dos profissionais e trabalhadores do setor privado. Os clubes de futebol são as entidades consideradas mais expostas à corrupção, seguidos das várias instituições políticas: partidos políticos, autarquias, Governo e Administração Pública, respetivamente. Por outro lado, a segurança e defesa, e o setor social, são as áreas que os participantes consideraram menos expostas. Com algumas nuances:  os indivíduos que se posicionam mais à esquerda do espetro político tendem a expressar uma menor perceção da corrupção, em comparação com os que se posicionam à direita ou ao centro.

O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente?

Avaliando os tipos de regime político - democracia, tecnocracia e autocracia - em média, os participantes consideram que estão, de forma semelhante e medianamente, vulneráveis à corrupção, nivelamento que contrasta com a evidência empírica sobre a relação entre democracia e níveis percecionados de corrupção entre países: “O que a literatura nos diz é que as democracias bem-sucedidas apresentam níveis mais baixos de corrupção do que os regimes híbridos e em transição”, diz o relatório. Porém, de acordo com o mesmo, os inquiridos consideram que “um país que tenha um líder forte, que não tenha de se preocupar com o Parlamento nem com eleições, é mais vulnerável à corrupção do que um país democrático ou tecnocrata”.

Quão importante é a integridade na avaliação que os eleitores fazem da competência dos políticos? “Chegou-se à conclusão de que o fator que mais influencia a probabilidade de voto é a orientação ideológica do(a) candidato(a), aparecendo a integridade em segundo lugar (isto é, a capacidade de pautar a sua conduta pela legalidade e honestidade) e, finalmente, a capacidade de compromisso”.

Por último, os investigadores mediram as perceções sobre a chamada a corrupção paroquial, vulgo “cunha” ou “puxar de cordelinhos”, prática considerada resiliente, transversal e menos censurável. “Um tipo de corrupção que não recorre a uma troca ilícita, mas procura o favorecimento através de relações de proximidade, mobilizando recursos simbólicos como a amizade e outros laços primários (familiares, étnicos ou partidários), ainda que os favorecimentos que advêm dessa intervenção possam estar para lá do que é legalmente permitido”: em média, os inquiridos concordam que, em Portugal, se quisermos subir na vida, é importante conhecer as pessoas certas e, em menor medida, que “só se fazem bons negócios se tivermos ligações políticas”.

Como avaliamos o combate à corrupção?

“Ineficaz.” Mais de metade dos inquiridos (51,6%) consideram o combate à corrupção nada eficaz” e  apenas 13% acreditam que é totalmente eficaz, sendo que, em média, os indivíduos com níveis mais altos de instrução, os  que revelam uma situação financeira menos estável, ou seja, os que têm utilizado as poupanças para fazer face às despesas ou que têm acumulado dívidas e, ainda, os que se auto posicionam à direita do espetro político são também os que mais consideram que o combate à corrupção em Portugal é ineficaz.

As responsabilidades pela ineficácia do combate à corrupção são repartidas, por ordem decrescente, pelo poder político, sociedade civil e poder judicial. De acordo com o estudo, o fraco desempenho da Justiça, na opinião dos inquiridos, não se deve à falta de meios, não deriva necessariamente de problemas sistémicos, (24,5%), ou da falta de rigor do Ministério Público na fase de acusação (18,7%), mas sim à existência de megaprocessos demasiado complexos e intermináveis (71,9%) e, em segundo lugar, à existência de demasiadas possibilidades de recurso (43,4%).

Os cidadãos são os primeiros a corresponsabilizar-se pela ineficácia do combate à corrupção, acusando, logo depois, o Governo. À pergunta “quem é o principal responsável pela ineficácia do combate à corrupção?”, mais de um quarto dos entrevistados afirma ser a sociedade como um todo (26,0%) e o Governo (25,5%).

Porém, agregando as respostas em três grandes grupos de atores, a repartição de responsabilidades é mais equilibrada, ainda que tendencialmente negativa para o primeiro grupo: poder político (40%), sociedade (31%) e poder judicial (25%).

Como vemos o tratamento mediático da corrupção?

Diz o relatório que a televisão e a imprensa escrita e online  continuam a ser as fontes de informação mais importantes para a formulação de opiniões sobre a corrupção, mesmo no caso dos mais jovens.

Os resultados revelam também que, em média, os inquiridos que recorrem a fontes de informação informais (família, amigos, conhecidos, colegas) são os que têm uma visão menos negativa sobre o fenómeno da corrupção, seguidos dos que recorrem a fontes tradicionais (comunicação social). “Os meios de comunicação tradicionais - a televisão (63,7%) e a imprensa escrita e online (55,2%) - continuam a ser, de longe, as fontes de informação mais importantes para a formulação de opiniões sobre a corrupção em Portugal, mesmo para as faixas etárias mais jovens”. Os que têm uma opinião mais negativa são os que recorrem a novas fontes de informação (redes sociais, podcasts e videocasts). 

Questionados sobre o nível de satisfação em relação à forma como a comunicação social trata o tema da corrupção, 41,9% diz-se satisfeito (muito satisfeito ou parcialmente satisfeito) e 35,9% insatisfeito (muito insatisfeito ou parcialmente insatisfeito), “apresentando preocupações com os efeitos perversos da luta pelas audiências e pela obtenção de lucro e do sensacionalismo na qualidade do tratamento mediático do tema.

“Sendo certo que a grande maioria dos entrevistados considera a corrupção um problema grave do país, este estudo demonstra que as pessoas não são todas iguais , recorrem ao espírito crítico e olham para a corrupção de maneira diferente”, diz ao DN Susana Coroado, uma das investigadoras responsáveis pelo estudo, para quem, de facto, esta é uma das conclusões principais: “A política tem um problema reputacional para resolver.”

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