Com esta mudança, vários votos que não elegeram ninguém passariam a ser contabilizados.
Com esta mudança, vários votos que não elegeram ninguém passariam a ser contabilizados.Leonel de Castro / Global Imagens

Círculo de compensação discutido. PS e PSD podem ser decisivos

Os dois maiores partidos são os que, à partida, menos beneficiam com a mudança. E é precisamente deles que depende o desfecho da proposta, que até já foi debatida no Parlamento.
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A intenção é aumentar a representatividade da Assembleia da República, tornando-a mais fiel aos resultados eleitorais. Ou, por outras palavras: evitar que se desperdicem milhares de votos a cada eleição legislativa. O método? Criar um círculo de compensação eleitoral. O tema não é novo - e até já foi discutido em plenário -, mas volta esta sexta-feira ao Parlamento.

O debate foi marcado pelo Livre, um dos partidos com uma iniciativa com este tema. Mas há mais, com Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PAN a ter projetos neste sentido. O PS apresenta também a votos um diploma próprio, um projeto de resolução (que não tem força de lei), focado na “preparação da codificação da legislação eleitoral”. 

Ouvido pelo DN, o deputado Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal, recorda que este tema é “uma das bandeiras” do partido “desde o primeiro programa eleitoral” que apresentou. Aí, a intenção era juntar duas reformas: círculos uninominais (ao contrário dos plurinominais que existem atualmente) e círculo de compensação. A primeira caiu por terra, por falta de consenso. Mas o círculo de compensação volta agora à discussão. Porque há um entendimento alargado de que “o sistema eleitoral atual cria desproporcionalidades”, quando, na Constituição, está prevista a proporcionalidade no método de conversão de votos em mandatos.

Se for criado, o círculo de compensação permitirá que haja mais votos a serem aproveitados para eleger partidos. Algo semelhante já acontece nos Açores, beneficiando sobretudo os partidos mais pequenos - o que aconteceria também a nível nacional. Por exemplo, se se aplicasse às últimas legislativas o modelo defendido pela IL (que foi aquele que, quando se discutiu o tema, colheu mais votos), a AD (que conquistou 80 mandatos) e o PS (com 78) teriam 70 deputados. O Chega passaria de 50 para 44. Mas a maior surpresa seria o ADN, que, não tendo elegido nenhum deputado nas legislativas, conseguiria chegar aos quatro. Um crescimento só igualado pelo PAN, que ficaria com o mesmo número do ADN. Já BE, Livre e PCP ficavam com duas vezes mais deputados, e a IL passaria dos atuais oito para 12 assentos.

Apesar do consenso alargado entre partidos, há, no entanto, uma divergência: quantos mandatos devem ser atribuídos por este círculo? O Bloco de Esquerda propõe 10, a Iniciativa Liberal pretende que sejam eleitos 30, o Livre defende que devem ser 37. Já o PAN, cujo projeto de lei tem uma formulação ligeiramente diferente (pretendendo também alterar o número de círculos eleitorais), propõe que esta compensação se faça com base no número total de votos de cada partido, dividindo-o por um quociente “alinhado pela ordem de grandeza” da cada força política. Os partidos ganharão mais ou menos deputados consoante o resultado desse cálculo. Ou seja: não há um número de mandatos definido à partida, estando dependente dessa divisão. Essas divergências serão depois debatidas e trabalhadas na especialidade.

O desfecho destas propostas, no entanto, está dependente dos dois maiores partidos - que são, com este círculo de compensação, quem mais sai prejudicado. O PS, pela voz da líder parlamentar Alexandra Leitão, assumiu que “faz sentido discutir o tema, mas não é prioritário”. No programa Conselho de Líderes, da TSF, a deputada referiu que, sendo proporcional, o sistema eleitoral atual “consegue, de alguma forma, pontuar essas duas questões: a proporcionalidade que deve ser cumprida e não permite uma excessiva fragmentação”. Relembrando que o número de mandatos atribuído a cada círculo está dependente da população recenseada, a líder parlamentar do PS deixa no ar outra ideia: pode vir a ser discutida “uma ponderação diferente” na forma como se distribuem esses votos, evitando assimetrias maiores.

Da parte do Livre, sabe o DN, os projetos discutidos esta sexta-feira devem vir a ser todos aprovados. A IL espera “coerência” e acredita que todos os partidos que propõem (ou já propuseram) esta alteração votarão “favoravelmente”. Ou pelo menos que não se oponham à mudança (como o Chega). Olhando para o histórico neste tema, o PCP não deverá aprovar esta alteração à lei eleitoral.

A incógnita (que pode, até, determinar se os diplomas passam ou não) é o sentido de voto do PSD, que, até agora, não é conhecido.

O que é um círculo de compensação?

Na lei atual, os mandatos a atribuir variam de distrito para distrito, consoante o número de pessoas recenseadas. Por exemplo, Portalegre elege apenas dois deputados. E Lisboa é o que mais mandatos elege (48). Com um círculo de compensação, os partidos que não conseguem eleger fora dos grandes centros (como o Livre), veriam esses votos ser reaproveitados.

Simplificando: um círculo de compensação nacional utilizaria os votos em círculos onde não foi eleito ninguém, reutilizando-os, elegendo deputados que, de outra maneira, não conseguiriam ser eleitos. Olhando para as eleições legislativas de março, os quase 700 mil votos que não foram convertidos (ou os quase 40% “desperdiçados” no círculo de Portalegre) teriam uma nova vida e alargariam a representatividade do Parlamento, tornando-o mais fiel ao voto expresso.

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