CDS joga a sobrevivência num congresso "decisivo" e imprevisível
A lutar pela sobrevivência, depois de ter perdido a representação parlamentar pela primeira vez na sua história, o CDS reúne-se este fim de semana no 29º congresso para eleger novo líder, mas sem a certeza de que as sombras da luta interna que marcaram o partido nos últimos dois anos se dissiparão. Até agora, há quatro anunciados candidatos à liderança do partido, com destaque para o eurodeputado e antigo vice-presidente Nuno Melo. Mas mantém-se em aberto a hipótese de surgirem novas candidaturas já no decorrer do conclave.
A história do CDS mostra que os congressos do partido podem ser pródigos em surpresas. No caso, não está excluída ou uma convergência entre algumas das dez moções que estarão a debate este fim de semana, ou mesmo uma nova candidatura que tente congregar aqueles que não se reveem na proposta de Nuno Melo. Em que tom será feita a disputa só o congresso o dirá. "Há muitas feridas que não estão fechadas", diz ao DN um dirigente centrista. Já este sábado, antes do início da discussão das moções estratégicas, o líder cessante, Francisco Rodrigues dos Santos - que anunciou que não seria recandidato depois do desaire nas eleições legislativas - falará aos cerca de 1500 congressistas.
Em vésperas do congresso, a antiga líder do partido, Assunção Cristas, veio ontem a público manifestar apoio a Nuno Melo, considerando que o eurodeputado é "quem está em melhores condições para ajudar a fazer renascer o CDS". "É com sentido de gratidão que vejo o Nuno Melo avançar para a liderança do CDS. Contei com o Nuno como meu vice-presidente e conheço a sua combatividade e qualidades humanas e políticas", escreveu Assunção Cristas no Facebook. Falando num "momento difícil" para o partido, a antiga líder disse também ser seu "profundo desejo" que "o congresso corra muito bem e seja um momento de união e afirmação" dos centristas.
Nos últimos dias Nuno Melo ganhou um outro apoio importante, com o líder da Juventude Popular (JP), Francisco Camacho, a declarar apoio ao eurodeputado. "Das pessoas que se apresentam a votos, Nuno Melo é o que tem maior visibilidade, é conhecido dos portugueses, tem massa crítica, é acompanhado por pessoas com qualidade, e tem uma visão para as novas gerações", diz ao DN o líder da JP. Sendo a título pessoal, o apoio de Francisco Camacho não vincula a JP, mas não deixa de dar um sinal aos 137 delegados indicados diretamente pela estrutura de juventude do CDS. Qualificando o congresso deste fim de semana como "decisivo", o jovem centrista destaca também a moção estratégica apresentada pelo eurodeputado, que "fala para o país, o que é imprescindível". Razões para um apoio "fechado", que não dependerá do decurso do congresso: "Um candidato surpresa, que pode ou não existir, seria sempre escudado numa moção que não seria sua, o que seria estranho".
Mas esse é um cenário em cima da mesa. João Merino, presidente da distrital de Setúbal do CDS - um dos 11 líderes distritais que subscreve a moção "Pelas mesmas razões de sempre", próximos da atual direção - diz ao DN que "está tudo em aberto". "Vai ser um congresso muito disputado. O nosso intuito, com esta moção, é obrigar a uma discussão profunda do caminho para o CDS, que não seja um passeio com uma unanimidade que não existe, nunca existiu", sublinha. Nesse sentido "pode haver uma fusão" de moções, até porque "há pontos de ligação" com os três anunciados adversários de Nuno Melo - Nuno Correia da Silva, Miguel Mattos Chaves e Bruno Filipe Costa. "Não descartamos essa hipótese, é uma possibilidade, e dessa fusão pode sair uma candidatura forte à liderança do partido", admite o líder da distrital de Setúbal, que também não fecha a porta ao surgimento de uma quinta candidatura. Um dado é certo: haverá listas concorrentes aos principais órgãos dos centristas, da Comissão Política ao Conselho Nacional. "Vamos fazer tudo o que pudermos para conseguirmos ter o máximo de voz no partido a partir de segunda-feira", garante João Merino, que diz não ver na candidatura de Nuno Melo quaisquer sinais de "convergência e unidade". E se deixa um sinal de apreço ao facto de o eurodeputado ter avançado para a liderança, o dirigente distrital também salienta que a equipa que Nuno Melo está a reunir "são as mesmas pessoas que nos últimos dois anos moveram uma guerra total" à direção do partido liderada por Francisco Rodrigues dos Santos.
Entre as dez moções ao congresso, e em particular as que sustentam as quatro candidaturas à liderança, ressalta a preocupação comum com o futuro do partido, e várias propostas convergentes em termos de funcionamento interno, mas também uma clivagem quanto ao rumo que o partido deve seguir. Para Nuno Melo, o CDS deve assumir-se como um partido de "centro-direita moderno, formatado para os desafios do século XXI" - "humanista, personalista e democrata-cristão, aberto a correntes liberais e conservadoras".
Nuno Correia da Silva, nome próximo de Manuel Monteiro, propõe "retomar a designação de Partido Popular", que "permitirá reposicionar o partido no espaço correto" - a "direita da liberdade, que não aceita que nos coletivizem", um CDS "conservador nos valores e princípios. Já a moção "Visão 22-30", que tem como primeiro signatário o militante Bruno Filipe Costa (próximo da direção cessante), sustenta que o "conservadorismo surge como a verdadeira corrente que hoje resta ao CDS", que deve transformar-se no "partido conservador britânico português". Como a generalidade das moções globais que serão discutidas no congresso, o documento aponta a família como eixo central da sociedade, mas com uma novidade no discurso: "O CDS defende a família como célula essencial da sociedade, mas defendê-la em 2022 não se esgota na defesa da família tradicional. Somos por isso a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, não apesar de sermos conservadores, mas por sermos conservadores."
Não é, aliás, caso único. Uma outra moção, apresentada pelo militante Octávio Rebelo da Costa, aponta também o "conservadorismo" como o caminho para o CDS, mas acompanhando "as evoluções e transformações da sociedade", "verdadeiramente moderno e reformador". Também este texto defende que a família não se esgota no modelo tradicional e diz-se a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, admitindo igualmente "estudar a adoção por casais homossexuais".
Um sentido totalmente contrário do que é proposto por outro dos candidatos à liderança, Miguel Mattos Chaves, que defende um partido que prossiga a linha de pensamento e ação dos conservadores e democratas-cristãos", que se baterá "pelos valores da cristandade", pela "defesa da família natural e antropológica", contra a "falsa ideologia do género", "contra o aborto" e a "adoção de crianças pelas uniões civis entre homossexuais". Mais consensual na dezena de moções que estão em cima da mesa é a perspetiva económica defendida pelos vários candidatos, assente na liberdade de escolha, na diminuição dos impostos e num Estado regulador forte.
Para já, está em aberto se Paulo Portas marcará presença no conclave, no qual está inscrito. Manuel Monteiro deverá marcar presença em Guimarães e é esperado que faça uma intervenção. Outro ex-líder do partido, José Ribeiro e Castro, estará ausente. O antigo presidente centrista invoca "compromissos oficiais" com o centenário da primeira travessia aérea do Atlântico Sul, por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, e sublinha que não vai intervir no debate nem declarar apoio a nenhum dos candidatos. Mas alerta que este é um "congresso decisivo, o momento que vai decidir o futuro" do CDS e que é "fundamental que o espírito coletivo renasça no partido".