Catarina Martins: “A imigração deve ser um direito, mas não pode ser uma condenação”
Um destes dias vi um cartaz do BE cujo slogan era: “Europa por ti.” Que Europa é esta e em que áreas acha prioritário intervir?
A União Europeia (UE) toma decisões sobre a nossa vida quotidiana. E este mandato é muito particular, porque vai acabar em 2029, perto de 2030, um ano-chave. É um mandato em que há uma série de decisões que têm de ser tomadas agora, ou então já não se vai a tempo. Existe um Pacto Verde Europeu, mas, na verdade, ainda não houve nenhuma redução de emissões. Ou seja, a ideia do mercado das emissões não faz com que haja nem redução da energia consumida, nem redução das emissões. A energia renovável que é produzida está a servir para se continuar a consumir cada vez mais energia. Este é o momento de outra política climática, e as questões da transição justa vão ser muito importantes. Alguma coisa acontecerá sempre, e há setores da economia que vão sofrer com isso. Queremos apoiar esses setores e queremos que a política europeia não possa jogar contra os povos. Por outro lado, há também a questão da paz, que as pessoas sentem. Há medo a crescer na Europa.
Passo então para a próxima pergunta. Há vários desafios no horizonte, sejam ambientais ou de ordem humana. Entende que a UE se deve tornar mais resiliente para lidar com estas questões? Qual deve ser a postura perante os conflitos na proximidade?
A primeira coisa que é muito importante é a credibilidade internacional. Do ponto de vista económico, a UE é um dos espaços mais ricos do mundo. Isso dá capacidade e responsabilidade acrescidas nas relações internacionais. Mas precisa de credibilidade. Quando a UE é capaz, e bem, de defender a Ucrânia, mas depois é incapaz de defender a Palestina... Quando mantém o contrato de associação com Israel, não impõe sanções, e há países europeus que continuam a enviar armas para Netanyahu, ao mesmo tempo que está a haver um genocídio em Gaza, a UE está a perder toda a sua credibilidade internacional. E é importantíssima, enquanto defensora dos Direitos Humanos, do multilateralismo, do Direito Internacional. É, aliás, a ideia na base da fundação do projeto. Quando se fala, muitas vezes, dos desafios geoestratégicos da UE, é bom acrescentarmos isto: se a União é a primeira a ter o eurocinismo. Ou seja, se fica conhecida por eurocínica e não por defensora dos Direitos Humanos ou do Direito Internacional, a sua capacidade de existência no mundo é muito pequena. Isto é, para nós, muito importante. Há, aliás, um Governo que é um elefante no meio da sala da UE, de que é preciso falar.
A Hungria?
Não. É a questão da Alemanha. Na Alemanha, há uma coligação que tem verdes, liberais, sociais-democratas. Estão a mandar armas para Netanyahu, enquanto estão a ser verdadeiramente massacradas as crianças em Gaza, onde morreram mais em 100 dias de conflito do que nos conflitos do mundo em 5 anos. É preciso compreender que há aqui um problema do Governo que tem mais influência e um bocado tão grande da economia europeia, que tem grandes famílias políticas europeias e é o exemplo máximo do eurocinismo, da descredibilização da Europa no mundo. Claro que me preocupa o Governo húngaro e a extrema-direita, mas é preciso perceber que, para compreender o que está a acontecer na UE, não podemos olhar só para a extrema-direita. Temos de perceber como as famílias políticas de direita tradicional, e que se diziam ao centro, resvalaram tão depressa para a extrema-direita. Temos os liberais no Governo holandês, liderados pela extrema-direita, a querer políticas de atentado contra os Direitos Humanos no que diz respeito às migrações. Temos aliás o pacto das migrações.
Já lá vamos.
Analisar o que está a acontecer do ponto de vista da descredibilização interna e externa da UE enquanto espaço de Direito Internacional e que acredita nos Direitos Humanos, é vasto e preocupante. Essa credibilidade é importante. É também importante, claro, uma perspetiva para a Ucrânia, que tem de passar pela retirada das tropas russas - nenhuma dúvida sobre isso -, porque a Ucrânia tem direito ao seu território. Mas tem de passar também por uma capacidade de mediação da UE, que não tem querido ter. Não tem sido mediadora, enquanto tal, para ajudar a que haja um percurso de paz.
Outro dos desafios é a questão do alargamento, principalmente aos países dos Balcãs Ocidentais e também da Ucrânia. Que caminho deve ser feito para garantir a entrada desses países? Qual é a opinião do BE?
Em primeiro lugar, os países que cumprem os critérios de Copenhaga (que dizem respeito a questões tão importantes como o Estado de Direito e separação de poderes, por exemplo) e querem aderir, devem fazê-lo. Sempre tivemos essa posição. Agora, não há alargamento sem discutir as questões da política do Orçamento da UE e das políticas de coesão. Não há mais Europa sem mais Orçamento. O que temos defendido é que este alar- gamento deve ser acompanhado por maior capacidade orçamental, incluindo também aquelas receitas próprias da UE que sempre foram prometidas e foram adiadas, como a taxa das transações financeiras ou as questões das multinacionais e da taxa do plástico. Há uma série de receitas que deviam estar já a existir e os lobbies fortíssimos do sistema financeiro e do digital não deixam que avancem. E eram importantes para esse alargamento ser feito. Defendemos que temos de avançar, até porque há um problema: este tipo de receitas são taxas que os Estados não conseguem cobrar sozinhos. Só são possíveis ao nível do espaço europeu. Neste momento, há setores da economia, gigantes, que não contribuem de forma decente. Há sempre alguma coisa residual, mas o grosso da riqueza desses setores da economia não contribui, nem para os Estados, nem para a UE como um todo. Isto faz com que qualquer mercearia na Europa esteja a contribuir mais para os orçamentos públicos do que os gigantes digitais ou o sistema financeiro. E isso não é aceitável.
Essa questão dos gigantes digitais e das multinacionais deve abrir uma reflexão dentro da UE sobre como taxar as empresas?
Há aqui dois temas diferentes. Primeiro, há o mito de que a UE não se mete em assuntos fiscais, e também achamos que as receitas de cada país são de cada país e a União não se mete. Mas, na verdade, naquilo que é global, como a diretiva de juros e dividendos, por exemplo, a UE interfere. É o que faz com que valha muito a pena a grandes empresas que operam em Portugal terem sede na Holanda. Não podemos tributar cá os dividendos, porque haveria essa dupla tributação, quando poderia ser feito ao contrário. Tributávamos primeiro e, depois, se fosse dupla, devolvíamos a parte em excesso. Mas faz-se ao contrário e acabam por nunca se pagar os impostos justos. Ou seja, a UE tem regras de mercado que permitem a concorrência entre países para que os gigantes paguem cada vez menos impostos. Isto é um problema. Há uma concorrência que acaba por delapidar as receitas fiscais dos Estados e da União como um todo e colocar sobre os salários todo o esforço fiscal, que aguenta as políticas públicas. Isto cria um desequilíbrio muito grande, que não pode continuar. Ainda por cima, estes gigantes digitais são ótimos a ter políticas de baixos salários.
Como se resolveria essa questão das desigualdades, em relação ao perpetuar de baixos salários?
Precisamos de criar mínimos europeus, para que, em vez de se correr para baixo, digamos assim, puxarmos para cima uns pelos outros. Essa tem sido a nossa política. Tivemos essa experiência, e, aliás, o BE esteve muito envolvido nas questões do trabalho, como proibir estágios não-remunerados. Havendo vontade política, a UE também pode ser um espaço de criar direitos, não tem de ser só corrida para o fundo, não é? Achamos que isto pode ser alargado e pode criar mais direitos. A governação económica preocupa-nos muitíssimo porque, por um lado, dá poderes à Comissão Europeia para tomar decisões orçamentais sobre os países como nunca teve. Por outro, não garante sequer que os países tenham tratamento igual. Os critérios não têm de ser iguais para todos. Aquilo que já acontecia, de alguma forma, é que uns países contêm o défice e têm sanções, e outros não. Mas ainda existiam, mais ou menos, algumas regras que acabavam por impedir isso. Agora o poder discricionário da Comissão Europeia é gigantesco. Desse ponto de vista, o que foi aprovado na governação económica é um erro. E a UE sabe disso. Esta governação económica é mais agressiva, dá mais poder à Comissão Europeia, com mais discricionariedade. Mas tem a mesma lógica de ter medidas sobre o Orçamento, défice e dívida, ou sobre o mercado único. Essas medidas impedem os Estados de intervir na sua economia em alturas de crise ou quando é preciso. Isto foi o que aconteceu na crise financeira. Foi o que deu, aliás, uma destruição muito grande em países como Portugal. A UE veio a reconhecer que essa política foi errada. E veio a reconhecer que era errada, que quando chegou a covid, as regras de governação económica e de mercado único foram suspensas. É um erro que agora queiram repô-las, achando que o problema da covid já passou, porque o que não funciona para uma crise, não funciona nunca.
Falemos de energia, que se tem discutido principalmente depois da guerra na Ucrânia. Como diversificar as fontes de fornecimento? Que caminho deve ser tomado para tentar garantir a sustentabilidade e a soberania energética?
Portugal é um bom exemplo, porque tem o que correu bem e tem sinais para o que tem de ser diferente. Há uma grande capacidade de produção de energia renovável, o que quer dizer que é possível. Isto sem fazer coisas absurdas como achar-se que o nuclear é seguro ou limpo, porque o problema dos resíduos e das estruturas de segurança, em caso de desastre, é óbvio. Portugal dá esse passo. Temos várias energias, mas também conhecemos os defeitos do nosso modelo e temos de ser capazes de reconhecer que modelos de produção centralizada da energia, nas mãos das grandes energéticas, não permitem baixar os custos para a população. Qualquer pessoa do interior ou de outra zona do país pode perguntar por que produzimos tanta energia, seja com barragens, seja com eólicas, e aqui não fica nada. Não fica nenhuma riqueza que é produzida, pagamos a energia ao mesmo preço e, também, nem sequer gera muito emprego nos territórios. Acho que aprendemos com isso, e devemos aprender também com o erro das áreas gigantescas de fotovoltaicas. Podemos associar a nossa experiência na produção de energia renovável ao pensamento sobre o que deve ser diferente, que é a produção descentralizada. No caso de Portugal, claramente, a produção fotovoltaica descentralizada. Temos muito sol e podemos ter produção fotovoltaica descentralizada, não-dependente das grandes energéticas. Isso permitiria que comunidades produzissem energia e tivessem elas próprias energia mais barata. Esse modelo é muito importante. Precisamos de investimento e era o que dizia há pouco. Vamos ter de escolher se queremos um modelo de governação económica que agrava os problemas do passado ou se vamos lutar para ter investimento, que é fundamental. A Europa precisa de refazer muitas das suas infraestruturas. Isto é um problema não só português, mas transversal. É preciso renovar os serviços públicos, é preciso muito mais eficiência energética. Isso pode ser feito com grande transição climática, que seja também justa. Há, até, estudos muito relevantes sobre a própria criação de empregos para o clima, o que seria muito importante para a Europa toda e para Portugal. Acho que as pessoas percebem bem o que é termos um emprego qualificado. Qualificamos as gerações, mas o emprego que temos é muito não-qualificado e de muito baixos salários. Esta transição justa tem de ser acompanhada de investimento e da capacidade do Estado de fazer opções sobre a sua economia. Ou seja, não estarmos nas mãos das energéticas que são multinacionais, cujo poder nunca está em cada Estado e decidem o que querem. Esta capacidade de intervenção podia permitir uma política industrial, da mobilidade e para o território, que ao mesmo tempo que dá mais segurança às populações, também cria muito mais emprego qualificado.
E há abertura política para essa mudança ao nível das instituições europeias, nomeadamente dos dois maiores grupos (PPE, de PSD e CDS-PP, e S&D, de PS)?
Vamos disputar isso nestas Eleições Europeias e também as alianças que se podem fazer entre países e entre famílias políticas para conseguir esse caminho. Não vai ser fácil. Mas é o caminho que é fundamental. A Europa, neste momento, tem três missões óbvias: a paz, o clima e a coesão. Ou seja, o funcionamento do Estado social, da possibilidade das pessoas acreditarem que o futuro da Europa não será pior, mas sim melhor, e que haverá menos desigualdades. Não se pode falhar.
Quero fazer um paralelismo. Nas últimas Legislativas, Portugal virou à direita. Ainda assim, o BE manteve o seu grupo parlamentar e aumentou o número de votos. Quais são as perspetivas agora, até tendo em conta que não há a questão dos círculos eleitorais e é um único, a nível nacional?
Sim, é verdade. O BE foi dos partidos que teve mais votos desperdiçados em Legislativas por causa da questão dos círculos. Aqui, isso não acontece. Todos os votos vão para a mesma lista, não há votos desperdiçados. Isso é muito importante. Somos o único partido à esquerda que tem a possibilidade de ter mais do que um eurodeputado. Achamos que esse é um objetivo muito importante e vamos lutar por ele. Há algo que queremos fazer de melhor para a União Europeia, pelas várias questões, desde os Direitos Humanos à igualdade, ao respeito entre os povos.
Até porque há a perspetiva de reforço de políticas de direita e de partidos mais radicais, não é?
Por isso, é muito importante a força que a esquerda pode ter nestas eleições. Vemos, por exemplo, as alianças no Parlamento Europeu, ou nos vários Governos, onde verdes, populares e direita convencional estão a fazer o caminho da política de extrema-direita. A força de uma esquerda ecologista, social e feminista, vai ser fundamental nos equilíbrios e nas alianças que se vão criar. E é para essa luta que lá estamos.
Falemos de relações externas. Há a perspetiva de Donald Trump voltar ao poder, nos EUA. Deve a UE começar a precaver-se para esta eventualidade, procurando outros parceiros?
A UE tem-se deixado condicionar pelos EUA e perdeu autonomia estratégica em várias áreas. Isso é um erro. É nas questões da guerra e da paz. Como eu dizia há pouco, o facto da União Europeia não se afirmar como mediadora para conseguir um caminho para a Ucrânia e que tivesse a retirada das próprias tropas e começasse a construir a paz - é por essa subserviência aos EUA. Há uns anos, Emmanuel Macron [presidente francês] dizia que a Europa ia ser campeã de uma série de coisas. Mas em desafios fundamentais, como o digital, por exemplo, a Europa deixou-se condicionar pela agenda dos EUA e não teve autonomia estratégica para fazer nem os investimentos, nem o desenvolvimento necessário no território europeu, nem impor as regras necessárias, nomeadamente em proteção de Direitos Humanos e proteção de dados. Ou seja, todas as coisas que são fundamentais não só à inovação, mas também à democracia. A falta de capacidade, de autonomia estratégica da UE está a prejudicar-nos em todos os campos. E isto é grave. Temo-lo dito, temos defendido essa autonomia estratégica. Com Trump a poder regressar à presidência, julgo que a questão só fica mais visível, porque o problema já lá está, mesmo com a atual linha dos Estados Unidos. No que diz respeito a estes equilíbrios, a Europa está a perder com essa subserviência. O possível regresso de Trump faz um desenho muito explícito, muito cru, do que é uma aliança de extrema-direita que vai dos Estados Unidos de Donald Trump à Rússia de Vladimir Putin.
No passado houve até o caso de Steve Bannon [ex-conselheiro político de Trump], que teve um papel importante nisto, ao financiar partidos de extrema-direita.
Exato. Seguramente, a autonomia estratégica na Europa, mais até do que na UE, passará por um diálogo. Ninguém acha que não vamos dialogar com o Reino Unido, embora tenham saído. Esse diálogo amplo vai ser fundamental, tal como essa autonomia estratégica. Não tem nenhum sentido a UE continuar estrangulada pela subserviência à política norte-americana.
No último mandato, houve várias políticas na União Europeia viradas contra a China. Acha que pode ter sido influenciado pelos EUA?
Tenho preocupações, e acho que temos todos, com a captura de dados, que é muito o que se põe na luta tecnológica com a China. Tenho muitas preocupações com a captura de dados pela China e pela ditadura, mas por que é que eu não tenho esse problema com os EUA e com as grandes empresas que estão a capturar esses dados? Aliás, a forma como promovem a política do ódio... Quer dizer, achamos que Elon Musk é um democrata e queremos todos que ele tenha os nossos dados? Seguramente que não. É por isso que digo que a autonomia estratégica da UE é fundamental, porque acho que há até uma opinião pública que quer a proteção dos seus dados, que não aceita, que quer combater a manipulação. Ao mesmo tempo, quer desenvolvimento tecnológico para áreas tão importantes como a saúde, a inovação, tudo o que podemos fazer. Essa autonomia estratégica é fundamental e não podemos ficar nesta escolha absurda imposta pelos EUA e pelas multinacionais americanas. Não tem sentido.
Deixe-me agora passar para outro tema: o Pacto para as Migrações. Qual é a sua opinião? Deve ser revertido?
O Pacto das Migrações é um absurdo. É, basicamente, uma absoluta cedência à extrema-direita e agrava o que já estava mal. O Mediterrâneo já é a fronteira mais mortífera do mundo. A UE paga, literalmente, milhares de milhões de euros à Turquia, ao ditador Erdogan ou à Guarda Costeira da Líbia para reter e prender os migrantes e para os mandar para campos de concentração, a que chama de detenção. Essas pessoas ficam na mão de traficantes. Há uma economia que tanto recebe dinheiro da UE para travar pessoas de cá chegarem, como se alimenta dos traficantes que colocam pessoas sem direitos no espaço europeu. Isto é horrível. É o pior de tudo, é absurdo. É superviolento. Precisamos de investir em canais seguros e precisamos de investir em integração. As pessoas que chegam à Europa, porque estão à procura de uma vida melhor - e porque a Europa também precisa dessa mão-de-obra -, querem o que todos nós queremos. Querem poder ter o mesmo trabalho, uma comunidade onde se sintam bem-vindas, com vizinhos e onde possam unir-se com as famílias. Querem poder construir uma vida como os portugueses sempre quiseram. Podemos escolher dar cada vez mais poder às máfias de tráfico de seres humanos com o caminho que temos, aliás, pago pelo dinheiro da UE, no fundo. Ou podemos, pelo contrário, usar esse dinheiro para ter canais seguros e para ter integração, para as pessoas aprenderem português, no nosso caso. Para as pessoas poderem reunificar-se com as suas famílias, para que haja habitação, para que haja educação, para que haja saúde. É disso que precisamos. E essa é a escolha que tem de ser feita hoje na UE. Segundo os dados da Pordata, entre 2011 e 2023, Portugal perdeu mais pessoas para a emigração do que aquelas que ganhou com a imigração. Temos um problema de precisarmos de gente. E diria, já agora, gente com salários dignos e com habitação que os salários pudessem pagar. Isto é também para quem está a ser obrigado a sair de Portugal - porque não consegue cá viver - poder cá ficar. A imigração deve ser um direito, mas não pode ser uma condenação.
Como se pode garantir que essas pessoas, quando chegam, tenham essa vida digna? Falou nos milhões que se gastam na Turquia e em outros países. Acha que esse dinheiro pode ser usado internamente para garantir essas condições?
A UE tem de gerir as suas próprias fronteiras, de ter canais seguros para as pessoas entrarem e tem de investir na integração. Investir na integração é sempre o melhor, é o que permite que haja segurança para todas as populações e é o que permite que não haja máfias que exploram os trabalhadores migrantes - são as mesmas que fazem dumping dos salários dos europeus, porque põem trabalhadores com menos direitos e que são obrigados a aceitar qualquer coisa no trabalho ou na habitação. Quando a UE investe em que as pessoas tenham direitos, está a investir nos direitos de toda a gente, de quem chega e de quem cá está. A ideia da separação, de nós e os outros, é ótima para quem quer explorar mão-de-obra. Não é por acaso que há grandes interesses financeiros a financiar a extrema-direita, vivem de pôr as pessoas umas contra as outras, que querem pessoas muito vulneráveis na Europa. Não queremos ninguém vulnerável, queremos toda a gente com direitos, porque é isso que permite defender todos. Esse caminho pode ser feito, a UE tem dinheiro para isso. Depois há outros caminhos que têm de ser vistos com as próprias políticas externas.
Passa por legislação que permita essa salvaguarda? Não digo um regime de exceção...
Temos um regime de exceção para quem vem de fora, que é não lhes dar direitos. Esses regimes de exceção devem acabar, as pessoas devem todas ter os mesmos direitos. O regime que põe algumas pessoas nas mãos de máfias é que cria problemas, temos de acabar com isso. Há, depois, outras questões de política externa em que a Europa tem responsabilidades. Sei que me estou a repetir, mas vejamos o caso de Gaza. Quando a UE arma Netanyahu para fazer o que está a fazer, está ou não a provocar mais refugiados e imigração a prazo? Por que é que a UE está a espalhar desestabilização em vez de estar do lado da segurança nos vários territórios, mesmo fora do espaço europeu? Quando estamos do lado de quem faz a guerra, estamos a criar problemas humanitários. Da mesma forma que quando estamos do lado de quem cria problemas climáticos, estamos a aumentar o problema. Por exemplo, a Total em Moçambique. A Total é uma gigantesca francesa, extrativa de combustível fóssil. Já está, há algum tempo, a criar em Moçambique tanto um problema de segurança das populações como um problema de poluição. A UE acha que o mundo será um lugar mais seguro e haverá menos gente a ter de fugir da guerra e da fome quando está a patrocinar este tipo de caminhos? Quando falamos de transição climática, é importante dizer que não é com mercados de emissões, nem acordos em que, em vez de fazer o dano ambiental no território europeu, se vai fazer o dano ambiental na América do Sul ou em África. Isto não existe. Isto não é verdade. O planeta é só um. Não há transição climática. Ponto número dois, estamos a semear insegurança e problemas em mais sítios e com isto a aumentar a pressão de migrações por todos os territórios. Portanto, a UE, como eu dizia, para nós é muito importante, é um espaço que tem, é um espaço do ponto de vista económico com uma das maiores capacidades do mundo e isso dá-lhe responsabilidade. E será um espaço tão mais seguro quanto melhor souber tratar todas as pessoas dentro e fora de portas.
Mesmo para fechar, um tema que tem sido debatido: António Costa no Conselho Europeu? Sim ou não? Qual a sua posição?
O próprio não tem posição, portanto eu se calhar também não tinha - até seria antipático.